Era assim tão surpreendente porque, quando a gente menos esperava, surgia detrás das pedras com seu olhar distante, seus longos cabelos louros encaracolados soltos ao vento, suas roupas esvoaçantes, exóticas, coloridas. Era assim tão diferente porque, naquele lugar onde ninguém pintava a cara, ninguém usava perfume nem andava de salto alto, ela sempre pintava seu belo rosto de traços felinos, desfilando muito bem maquilada, perfumada e usando os mais altos sapatos de salto alto. Era assim tão misteriosa porque sempre batia pé quanto aos seus misticismos, seus ocultismos, as suas seitas. Era assim tão sonhadora porque, numa época em que todos faziam amor com quem quisessem, preferia ficar sozinha e saciar ela própria os seus desejos a ter de se relacionar intimamente com quem quer que fosse dos homens que tinha à sua volta. Era assim tão desgarrada porque não tinha lugar fixo para morar, não tinha família e não fazia questão de dar nenhuma pista do seu paradeiro a ninguém. Era assim tão independente porque pagava, ela própria, as suas contas, suas roupas exóticas, os seus perfumes raros e a comida não menos rara e cara que comia, seguidora que era de regimes e dietas muito especiais. Era assim tão corajosa porque, com a onda de assaltos e violência que assolava os lugares, andava sozinha a altas horas da noite ou da madrugada, dependendo da sua disposição para ficar nos bares observando atenta as pessoas, procurando aquela que seria a escolhida para tirá-la da solidão. Era assim tão chocante porque, a cada um dos homens que a assediavam com segundas intenções, respondia na lata que até então só havia feito amor com mulheres e isso já há longos e insuportáveis três anos. Era assim tão sem tabus nem preconceitos porque, quando uma vez conversávamos, me disse sem rodeios: Desejo é um ser andrógino, um homulher, que, este sim, me possuirá, será possuído por mim e me dará prazer. Era assim tão direta porque não tinha papas na língua e dizia tudo o que bem entendia e pensava. Era assim tão oriental porque gostava de incensos e especiarias e véus e sedas e tal. Era assim tão insana porque não tinha pé nem cabeça e ninguém a compreendia. Era assim tão sui-generis porque não havia ninguém como ela. Era assim tão solitária porque ninguém lhe interessava. Era assim tão fascinante por ser dona de um passado e de um presente tão incríveis. Era assim tão esfingética por ser tão indecifrável...
Escrevi esse conto na Ilha do Mel, em fevereiro de 1985. Na foto, Shirley Mallman, que lembra muito a moça que me inspirou.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
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amei, de uma sensibilidade impar que te é tao natural!
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