terça-feira, 28 de dezembro de 2021
OS MALES DO ÁLCOOL
Relendo meus últimos posts achei que estava um tanto meditabundo, sorumbático, com um pezinho mesmo na depressão. É claro que nem sempre tudo são flores, a vida é feita de altos e baixos, claros e escuros e, dentro dessas variações todas, cabem tanto a tristeza quanto a alegria. Então resolvi relaxar um pouco - tomando um bom drink - e deixar a escrita fluir pendendo para o lado do bom humor para (quem sabe?) terminar o ano um pouco mais para cima. Aviso logo que contém ironia. Se não for bom em interpretação de texto, caro leitor, saia do blog agora! Brincadeira... Não sei o que o álcool faz com vocês. Mas eu, quando bebo, enriqueço! Fico phyno, para não dizer riquíssimaaaa!!! Rsrsrs. Se não parar no segundo drink o estrago (financeiro) é enorme. Perco a noção de preços. Começo a achar que tudo é barato ou, pelo menos, que vale a pena. E não me venha com aquele papo de relação custo/benefício que acho brega. Ah, e nada de música pop ou popular na trilha sonora. Só começo a conversa de Cole Porter para cima. Kurt Weill, Ghershwin, Irvin Berlin. Não me ofereça cerveja ou comida de boteco. Aliás, detesto boteco. (Mesmo sóbrio). Amendoim torrado, camisinha de isopor para manter a “breja gelada”, porção de iscas de peixe, cachacinha, mesas e cadeiras de plástico na calçada, gente humilde, que vontade de chorar… Coisas do álcool. Quem, como eu, bebe, sabe que os efeitos podem variar e ser completamente diferentes. Às vezes fico saudosista. Outras vezes melancólico. Ou faço a profunda: Releio Clarice Lispector e escuto Nina Simone ou Maysa até quase cortar os pulsos. Então me torno existencialista e passo a achar que o inferno são os outros. É quando abuso de luzes indiretas e abajures criando um clima de alcova só para mim. E, claro, mando vir mais um drink. Assim a insípida existência passa mais célere e, do alto do meu muro chiquérrimo com vista para Paris e para o mar, assisto à turba ignara esgrimir-se em insana e improfícua polarização que a levará de volta ao nada de onde veio. Na classe econômica e, évidemment, sem direito a despachar bagagens... Bon voyage et santé à tous!
Na foto, Manhattan, meu drink preferido, na frente do Ritz.
domingo, 19 de dezembro de 2021
BODAS DE SEDA E ÔNIX
Hoje meu blog completa doze anos de existência. São as nossas bodas de seda e ônix. Que luxo, não? Acho um luxo as duas coisas: Um blog completar doze anos e as bodas serem representadas por seda e ônix, um tecido e uma gema que adoro. Desde criança sedas me encantavam pelo seu brilho e caimento. Adorava ver minha mãe e minhas irmãs vestidas para irem aos bailes, os farfalhares das sedas pela casa... Já a pedra ônix sempre me instigou pelo mistério que emana. Uma pedra negra, intensa, sem muito brilho, mas que atrai todos os olhares para ela. Tenho muito carinho por esse meu blog e por isso mesmo comemoro seus aniversários (nossos) com tanta alegria. Ele foi se modificando ao longo dessa modesta trajetória e hoje representa para mim um espaço de reflexão. Melhor, de autorreflexão. Aqui me exponho, me busco, me encontro, revejo passagens da minha vida através de memórias. E o melhor: Compartilho. Ainda que poucos, tenho leitores interessantes e interessados. Que me inspiram a continuar escrevendo. Quando penso em desistir, são eles (vocês) que me fazem seguir em frente. Me exibo um pouco, também. Que afagos ao ego são sempre bem-vindos. Ainda mais em fases difíceis como as que andamos vivendo, que incluem isolamento, distanciamento e medidas de proteção. Doze anos não são pouca coisa. Devem ser comemorados, sim. Quando passeio pelo blog, relendo antigas postagens, me dou conta de que meu estilo esteve presente desde o primeiro post. Foi sendo burilado, trabalhado e, por que não dizer, melhorado. Só isso já me deixa extremamente feliz. Quem sabe um dia, num futuro utópico pós-tudo, ele não se torne um sucesso em alguma nuvem? Então, de onde eu estiver, poderei cantar: Aquela nuvem que passa lá em cima sou eu... Obrigado por me acompanharem, me lerem, me curtirem, me comentarem. Vocês, queridos leitores, assim procedendo enchem de alegria meu saltitante coraçãozinho. Bom fim de ano a todos! E longa vida ao blog!
Na foto, eu pelo olhar do fotógrafo Guto de Castro. Nem seda nem ônix, só para me exibir. Rsrsrs.
sábado, 18 de dezembro de 2021
SOPRO
Metrô Marcadet-Poissoniers. Encontrei essa anotação na agenda do ano em que morei em Paris, no começo da década de noventa. Acompanhada de um nome e um endereço: Carinhos. 23, Rue Simart, sexto andar, escada da esquerda, prédio de trás. Amigo de Caio Fernando Abreu. O conheci quando estive lá para encontrar com Caio, encontro promovido por Luís Artur Nunes. Depois nunca mais voltei. Estive com Caio em vários outros lugares, mas o Carlinhos nunca mais vi, nem ouvi falar. Revendo a antiga agenda, pensei procurar, restabelecer o contato, quem sabe reencontrar numa próxima ida a Paris. Ninguém sabia quem era. Eu não tinha sequer o sobrenome, para tentar encontrá-lo em alguma rede social. Até que, através do Luís Artur, me chega a seguinte informação: Era um criador de moda, um estilista ou figurinista que foi para a Europa no final dos anos sessenta, começo dos setenta e ficou por lá. Morou em vários países antes de se estabelecer em Paris. Foi junto com uma leva de brasileiros que por lá ficaram. Lembrei dos meus amigos da dupla Les Étoiles, Rolando e Luís Antonio, ambos já falecidos. Uma amiga do Luís que conhecia o Carlinhos contou que ele contraiu HIV e viveu anos com o vírus. Até que acabou voltando para o sul do Brasil, de onde viera, e faleceu recentemente, já nos anos dois mil. Me dei conta de que me lançara em uma busca infrutífera, procurando por alguém que nem existe mais. Fiquei tão triste por não ter uma foto, um registro, nada. Foi alguém que só vi uma vez na vida, ligado a alguém muito importante para mim, que nunca mais tornarei a ver. Então percebi que várias outras pessoas que eu só vi uma vez na vida também já devem ter morrido. E minha busca resumiu-se a uma nota em uma antiga agenda de trinta anos atrás. Que será jogada no lixo assim que eu também me for. Isso a que chamamos vida é a própria impermanência... Aproveitemo-la!
Na foto, a estação Marcadet-Poissoniers do metrô de Paris.
sábado, 11 de dezembro de 2021
PRESENTE VAZIO
Relendo meus dois posts anteriores percebi o quanto ando saudosista. Refletindo, me dei conta de que a culpa é do presente. Quando o presente não está legal, a gente naturalmente se volta para o passado, para a memória do tempo em que as coisas pareciam melhores... Cá entre nós, o presente não anda bacana faz tempo. Estamos vivendo uma pandemia há quase dois anos. Nunca mais saí para me divertir, não frequentei mais bares, festas nem restaurantes. Parei de ir à academia pra meu treino diário. Nunca mais fui ao cinema, não andei mais de ônibus nem de metrô. Fui uma ou duas vezes ao teatro. As vezes que fui assistir à peça que dirigi não conta: Era o meu trabalho e, mesmo assim, ia cheio de cuidados e de medos. Não tenho mais vida social nem cultural. Aliás, a cultura sobrevive bravamente às tentativas do governo de acabar com ela. Isso ficou claro desde o início, com a extinção do ministério da cultura. Não sabem, ou fingem não saber, que ela é a maior expressão da identidade de uma nação. Que cultura também é economia e vice-versa. Quando olho para os itens arquivados dos stories do meu instagram me dou conta da vida maravilhosa e culturalmente rica que eu levava e achava monótona. Paguei por não dar valor ao que tinha... É assim que o passado volta: Numa tentativa de preencher vazios sociais, culturais e existenciais. Com a aproximação do Natal, então, aí é que me inundo de memórias. Os Natais da minha infância em Soledade, por exemplo, quando a avenida principal onde eu morava era toda enfeitada com lâmpadas coloridas de um lado ao outro, em zigue-zague. Eu amava aquelas lâmpadas e meu sonho - um deles - era ter uma de cada cor. Uma vez comprei uma da cor laranja. Colocava no meu quarto para ficar admirando. Quando fazia reuniões dançantes no porão de casa também colocava minha lâmpada laranja para criar um clima... Não tenho vontade de voltar ao passado. A nenhum passado. A minha vontade é de que o presente volte a apontar para um possível futuro melhor. Para terminar citando Tom e Miúcha, se lembra do futuro que a gente combinou? Eu era tão criança e ainda sou. Querendo acreditar que o dia vai raiar só porque uma cantiga anunciou... Bom futuro a todos!
Na foto, Robertinho em um Natal do passado em Soledade.
domingo, 5 de dezembro de 2021
O CIRCO
O mês de dezembro chegou me trazendo muitas lembranças. No post anterior falei das minhas influências teatrais, o que me trouxe à memória as minhas influências circenses. Antes mesmo do teatro, eu já havia sido fisgado pelo circo. Lembro da primeira vez que minha mãe me levou para assistir a uma função. Fiquei tão impressionado que, ao chegar em casa, comecei imediatamente a reproduzir tudo o que vi os artistas fazerem. Até um prato de plástico surrupiei à minha mãe para equilibrar sobre um cabo de vassoura. Acabei fazendo um furo no meio do prato e, com um prego na ponta do cabo, fixei-o para conseguir realizar meu número de "equilibrismo" fake... Mais tarde comecei a organizar espetáculos na garagem de casa. No chão da garagem havia um alçapão coberto com tábuas. Eu removia essas tábuas deixando um buraco que dava para o andar de baixo, o que no meu entender aumentava o perigo, o risco que conferia maior dificuldade ao meu número. Sobre o buraco eu colocava uma mesa, sobre a mesa uma cadeira, sobre a cadeira um banquinho e sobre o banquinho, do alto de toda a periculosidade por mim armada, eu tirava a roupa e os sapatos ficando somente de sunga. Era o meu proto-striptease. Rsrsrs... Eu também gostava muito de me equilibrar sobre um pedaço de tábua do tamanho de um shape de skate que colocava sobre uma lata de tinta deitada, à guisa de rolo. Já pré-adolescente era um amigo do meu pai, seu Lothar, que me levava para assistir às funções. Me digam se Lothar não é nome de artista de circo? Lothar, o domador de feras. Ou Lothar, o homem mais forte do mundo. Ele passava na minha casa, me pegava, e íamos de poncho, luvas e chapéu para enfrentar o frio de cortar que fazia nas noites de inverno de Soledade. Às vezes alguma "celebridade" fazia parte do espetáculo. Como, por exemplo, Teixeirinha. Que nessas ocasiões tocava - além dos hits como Coração de Luto - o Xote Soledade, canção por ele composta em homenagem à minha cidade natal. O xote exaltava a macheza do soledadense em versos como "Soledade terra de gaúcho forte, se é preciso enfrenta a morte e não liga pra tempo feio". Rsrsrs... Eu morria de medo do globo da morte. Ia até o local da apresentação rezando, pedindo a Deus que não tivesse a famigerada atração. O barulho dos motores das motocicletas era insuportável aos meus ouvidos, que tapava com toda força tentando minimizar o estrago ao mesmo tempo sem querer dar bandeira porque menino não podia ter medo. Ainda mais um menino Soledadense, que enfrenta a morte e não liga pra tempo feio... Muito mais tarde, quando morei em Paris, estudei na École Nationale du Cirque Annie Fratellini. Mas a essas alturas já tinha sido fisgado pelo teatro. Mesmo assim, nunca deixei de acompanhar e amar o circo. Como escreveu Bivar, aquela gente encantada que chegava e seguia. Era disso que eu tinha medo, do que não ficava para sempre...
Nas fotos, o incrível dia em que um elefante passou em frente à minha casa anunciando a chegada do circo, Teixeirinha e seu violão e a mestra Annie Fratellini.
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
INFLUENCERS
Lucia era muito independente. Tinha apenas dezessete anos quando saíra de casa para morar sozinha em um apartamento tipo estúdio, uma graça, primeiro andar de frente para a rua. Quando me convidou para dirigi-la em um espetáculo alternativo que iria estrelar em um barzinho da moda, eu, que já contava vinte e dois anos, fiquei impressionado com a sua autonomia, morando sozinha, me convidando para sua casa, beber, cheirar, fumar, quem sabe dormir. Tinha ficado anos em cartaz com uma peça adolescente de sucesso, viajara o Brasil, lotava grandes teatros, tinha juntado dinheiro para levar a vida que queria. Eu, que já sonhava com tudo isso, ainda fazia faculdade de teatro e morava com a família...
Tinha um nome peculiar, chamava-se Irani. Irani Zucatto, me disse estendendo um pedaço de papel com o número do seu telefone. Todo mês vinha na minha casa trazer as encomendas, era vendedor do Círculo do Livro. Sou ator, me disse. Estou em cartaz com uma peça, a Antígona, de Sófocles, se quiser assistir eu consigo convite para você. Quero muito, pensei. E cheguei mesmo a dizer. Então ele me deu o convite e fui assistir à montagem, na qual ele fazia um guarda. Num ímpeto de coragem fui até o camarim pedindo para falar com ele. O que me impedia de fazer o que eu tanto queria da vida? Era sabido, desde criança, ele vai ser artista, gosta de desenhar, de escrever, de fazer teatro...
A Ana morava no apartamento embaixo do meu. Estudava no CAD, o curso de arte dramática da Universidade Federal. Me dizia é a sua cara, você precisa ir até lá conhecer, pelo menos. Me levou para assistir a uma montagem de Woisek. Fiquei tão impressionado. Me apresentou a alguns deles. Eram todos tão livres, tão eles próprios. Que vontade de pertencer àquela turma, àquela realidade. Eu sempre tão preso a não sei o quê. Quando vou ter a liberdade de fazer o que quiser?
Eu fiz teatro, me dizia minha mãe. Atuei em duas peças do Dr. Belmonte. Era um médico daqui de Soledade que escrevia para teatro. Também tinha umas companhias que vinham para cá e o papai ajudava, colocava os músicos da orquestra dele para tocar, eu e as tuas tias íamos cantar e representar também. Fiquei amiga da Norah Fontes. Ela queria que eu fosse embora com a companhia deles, ser atriz profissional. Depois ela fez novelas, ficou famosa. Mãe, eu pensava, quero isso para mim também. Será que um dia terei?
Some-se a isso as peças a que assisti no Teatro Serelepe, uma companhia itinerante, um teatro de lata que ficou uma grande temporada na minha cidade. E, claro, as novelas de Janete Clair. Esses foram os meus "analogical influencers". Lá se vão trinta e seis anos de carreira. Muitos sonhos realizados e tantos ainda por realizar. Sigo amando as artes em geral e o teatro em particular. Uma relação de amor. Nem sempre correspondido, diga-se de passagem. Mas que só cresce e se renova com o passar dos anos...
Nas fotos, Norah Fontes e minha mãe com o acordeon.
quarta-feira, 17 de novembro de 2021
GIL IMORTAL
Quem me conhece ou segue o blog sabe que sou fã declarado de Gilberto Gil. Desde há muito. Refazenda, Refavela, Refestança, Realce. E sabe também que o que mais admiro em Gil é sua habilidade com as palavras. Gil é um homem de letras. As melhores. As mais geniais. Suas composições são obras primas cujo material é a língua portuguesa. Por isso sua eleição para a Academia Brasileira de Letras é mais do que merecida, na minha opinião. Que o digam Tempo Rei, Seu Olhar, Metáfora, Esotérico, Super Homem a Canção e tantas outras pérolas compostas por ele. Ou a pouco conhecida O Compositor Me Disse, quase um hai kai, gravada por Elis no disco de capa branca de 1974. Acho muito bem vinda essa abertura da Academia para outras formas de expressão artística que usem a palavra. Quanto a Fernanda Montenegro, tenho minhas dúvidas. Ok, uma atriz trabalha com as palavras, portanto, com as letras. Mas atrizes e atores, em geral, se utilizam de palavras alheias, escritas por um autor. São intérpretes, não criadores da escrita cênica. Se formos por esse caminho, advogados, juízes, tradutores, fonoaudiólogos, coaches e palestrantes em geral, youtubers, digital influencers e blogueiros também poderiam se candidatar a uma cadeira na academia. Posto que todos esses profissionais trabalham com a palavra, portanto, com a língua portuguesa. Acho que dá uma certa desvirtuada no processo. Mas isso é só o que eu acho e, como o blog é meu, me permito expressar aqui. Rsrsrs... Mas que Gil merece, merece. Assim como Chico Buarque, que além de excelente compositor é também autor de diversos romances. Já dona Fernanda... Me desculpem, sou bem chato com tudo o que diz respeito à nossa língua. Não diria que sou purista, mas gerundismos, excesso de gírias e regionalismos e esses modismos como o uso de pronomes neutros me dão muita preguiça. A língua portuguesa é inclusiva. Todos, por exemplo, inclui todos e todas. Todes não existe, não é nada. O gênero gramatical não tem nada a ver com gênero sexual. Inclusão é muito mais uma questão de atitudes na vida prática do que de semântica. Fica a dica. Mas o post é para falar de Gil. Viva Gilberto Gil! Que ele não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure. Brincadeira. Gil é e sempre foi imortal. Com fé, que a fé não costuma falhar.
Na foto, Gil fotografado por mim no show Realce em Porto Alegre.
quarta-feira, 10 de novembro de 2021
RITA LEE FOI PASSEAR
Numa agradável tarde de primavera fui até o MIS visitar a exposição Sansung Rock Exhibition Rita Lee, que homenageia a nossa rainha do rock e tem curadoria do filho João Lee. Sou fã de Rita desde a mais tenra idade. Não apenas da cantora, compositora, instrumentista e escritora, mas do combo Rita Lee. Com tudo o que ela representa para a música, a cultura, a sociedade brasileira. Sou fã de Rita como um todo, Roberto de Carvalho incluído. E como foi bom passear pela trajetória artística dessa irreverente musa do pop. A exposição é linda, cativante desde a entrada. A gente sente a presença de Rita em cada detalhe. São muitos figurinos de shows, de discos e de programas de televisão. Inclusive do TvLeezão, que ela apresentava na extinta MTV. Mas não é só isso. Tem instrumentos musicais, manuscritos com letras de músicas nos caderninhos pessoais de Rita, reportagens, vídeos, objetos pessoais, enfim, uma infinidade de coisas que compõem uma pequena amostra do encantador universo da artista. É como se a gente desse um mergulho rápido na vida e na obra de Rita. Digo rápido por que a exposição não é tão grande e a gente consegue percorrê-la em pouco tempo. Mas é gratificante. E divertida. Como a própria. Estão lá os icônicos figurinos usados por Rita no show Refestança, que fez ao lado de Gil, e os do show Babilônia, de 1978, assim como o da capa do álbum Lança Perfume, que foi copiado por Elis no show Trem Azul. As famosas botas prateadas de plataforma que Rita afanou na loja Biba, em Londres, e o vestido de noiva usado por Ângela Diniz na novela Sheik de Agadir, que Rita pediu emprestado ao figurino da Globo e nunca devolveu. É muito bom ver esses itens expostos depois de ter lido a sua autobiografia, na qual ela conta todas essas histórias. Muitas fotos das diversas fases da artista e da Rita criança, com a família. O piano em que sua mãe Chesa tocava marchinhas de carnaval e fazia serenatas na infância de Rita na Vila Mariana. A flauta transversa de Rita. O incrível costeiro de sete cabeças usado por ela em Santa Rita de Sampa. As imensas pernas com sapatos de salto que compunham o cenário do show A Marca da Zorra... A gente percorre todos os ambientes ouvindo os sucessos de Rita. E sai de lá cantarolando rua afora. Como se andasse nas nuvens. E desejando ter feito parte dessa história tão rica e bela. Eu saí muito feliz por ter tido a sorte de acompanhar grande parte dessa extensa e relevante carreira. Como fã. Discípulo. Pupilo. Descendente. Apaixonado... Há muito tempo uma mulher sentou-se e leu na bola de cristal que uma menina loura ia vir de uma cidade industrial cantando ié-ié-ié... A menina era ela. Viva Rita Lee!
Nas fotos, Rita na fachada do MIS, o piano de Chesa, a flauta de Rita e a própria em várias capas de revista.
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
NOVEMBRO BEM VINDO
O mês de novembro chegou, ainda bem. Faz tempo que eu andava desejando que esse ano chegasse ao fim. Agora está próximo... No feriado prolongado recebi a visita de minha sobrinha Viviane, com seu marido Felipe e meu encantador sobrinho-neto Martin, que encheu a casa e os dias de alegria com sua energia sem fim de criança de quatro anos. Quando foram embora ficou um enorme silêncio, só quebrado pelo ruído do pedreiro lixando a massa corrida do teto do meu banheiro que estava em obras... Devorei de uma só sentada o livro Escaler, Quando o Bom Fim Era Nosso, Senhor! Um inspirado depoimento de Antônio Carlos Ramos Calheiros, o Toninho do Escaler, a Paulo César Teixeira. Envolvente e muito bem escrito. Um presente de meu amigo Sergio Lulkin que me chegou pelas mãos de Grace Gianoukas. Agradeço aos dois... O livro conta a história - e traz as memórias - do Bar Escaler, reduto da boemia e da cultura alternativa que marcou as noites e os dias de Porto Alegre nos anos oitenta e noventa. Situado à beira do Parque da Redenção, o Escaler era um convite irrecusável aos prazeres da vida mundana. Tanto nas noites enluaradas do verão portoalegrense quanto nos dias ensolarados regados a muita cerveja. Tenho inúmeras lembranças do lugar e da atmosfera de sonho que ele exalava. Eu tinha vinte anos e estava descobrindo a vida adulta, com suas tentações irresistíveis e vastas possibilidades. Tudo cabia naquele futuro dourado que imaginava um dia alcançar. Parece mentira que tanto tempo já se passou... No dia dos mortos eu fiquei lembrando dos meus. São tantos! Entre amigos, parentes, familiares e ídolos, já perdi a conta de quantos. Pensei, de maneira geral, em todos. E, de maneira específica, em alguns dos mais importantes. Como meus pais. Meu amigo Marcelo Pezzi. Minha irmã astral Lidoka. Sandra Güez, Maria de Lourdes Falcão (a Kiko), Marcel Bahlis. Fora todos os grandes artistas que tem nos deixado ultimamente. Impressionante, como tem morrido gente nos últimos meses. Novembro também trouxe a visita da minha amiga Nora Prado, que veio a São Paulo para o lançamento de seu livro A Alma das Flores, que já mereceu post aqui no blog, e aproveitou para prestigiar O L Perdido, espetáculo que dirigi com nossa amiga em comum Grace Gianoukas mais Agnes Zuliani. Também fui visitar a exposição que homenageia Rita Lee no MIS. Prometo post especialmente dedicado a esse evento. Tivemos a inauguração do Parque Augusta Prefeito Bruno Covas, que ainda não fui conferir mas, assim que o fizer, prometo post especial por aqui. Como podem ver, o mês de novembro já chegou a todo vapor... Encerro com os versos cantados por Simone na canção Então Vale a Pena, de Gil: Se a morte faz parte da vida e se vale a pena viver, então morrer vale a pena, se a gente teve o tempo para crescer... Bom mês de novembro a todos!
Nas fotos, Martin brincando no parquinho do shopping, o livro-presente de Sergio Lulkin e Rita Lee na fachada do MIS.
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
ÚLTIMO CAPÍTULO
Ultimamente tudo já andava tão triste, careta, chato e sem graça. Imagine agora, sem Gilberto Braga... Acho que nem é preciso ser noveleiro como eu para saber da importância desse autor de telenovelas. Ele imprimiu uma marca, estabeleceu um estilo, criou um conceito de teledramaturgia. Com uma linguagem própria, única, inimitável e insubstituível. Sabia como poucos retratar a sociedade brasileira e suas idiossincrasias. Expunha como as classes alta e baixa se enredavam em tramas e subtramas seguidas de perto pela classe média, ávida por ascenção, sempre tentando uma "colocação" para um parente ou um amigo. O hight society carioca, com suas madames, mordomos e empregadas uniformizadas. Sua inesquecível Stella Simpson, vivida por Tônia Carrero na novela Água Viva, que do alto da cobertura da Vieira Souto mandava o mordomo ir buscar água do mar em um balde para ela se refrescar. A mesma Stella chocava a burguesia carioca fazendo topless em Ipanema na companhia de uma ainda jovem Maria Padilha. Ou a adorável vilã Yolanda Pratinni, personagem de Joana Fomm em Dancing Days. As execráveis Odete Roitman e Maria de Fátima, pérolas defendidas com maestria por Beatriz Segall e Glória Pires, respectivamente, em Vale Tudo. Na mesma Vale Tudo, a incomparável Heleninha Roitmann, de Renata Sorrah, já histórica, icônica, arquetípica. Sem falar em Isaura, a mocinha que projetou Lucelia Santos para o mundo... Gente com o senso de humor e a ironia fina de Gilberto Braga estão em falta no Brasil. Gente com a sua erudição. Vivemos uma seca, uma estiagem de inteligências. Um hiato de elegância. Refinamento, educação, delicadeza, gentileza, solidariedade, sutileza, cordialidade, respeito, traquejo social e diplomacia são valores em queda no mercado atual. Eu já vinha sentindo falta de Gilberto Braga em vida, imagine agora que ele morreu e sei que não teremos mais as suas tramas... Felizmente o canal Viva costuma reprisar novelas antigas. Recentemente revi Água Viva e Dancing Days. Vou ficar torcendo para que reprisem Celebridade, Paraíso Tropical, A Força de Um Desejo, Brilhante e O Primo Basílio, para citar algumas. Mas que vai ser difícil viver sem uma novela nova de Gilberto Braga, isso vai...
Nas fotos, as icônicas sandálias com meia de lurex da abertura de Dancing Days e Gilberto em si, como veio ao mundo. Adoro essa foto. Não sei de quem é. Seria da Vânia Toledo? Cartas para a redação.
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
THE BEST
Marisa Orth faz aniversário e quem ganha o presente somos nós. Nós, seus seguidores, fãs e admiradores do talento dessa grande atriz. É que seu espetáculo solo Bárbara, d'après A Saideira, livro de Barbara Gancia, estreou aqui em São Paulo no dia em que Marisa faz anos. E foi uma festa. Com direito a porres, desastres, perdas, rompimentos, tristezas e frustrações. Alegrias e boas doses de humor também. Afinal, em se tratando de Barbara e de Marisa, a gente sempre espera, no mínimo, rir muito. Já contei aqui no blog o quanto a leitura da obra mexeu comigo e me deixou esperto para o problema do alcoolismo. Essa adaptação para o palco, feita por Michelle Ferreira, é no mínimo tão interessante quanto o livro. Tem a cara de Marisa. Começa como se fosse um show de humor e música como outros tantos que Marisa já protagonizou. Só que, pouco a pouco, Marisa vira Barbara para logo em seguida voltar a ser Marisa e vice-versa. A primeira vez que vi Marisa Orth no palco foi em um show da banda Luni no qual ela arrasava cantando The Best, a melhor. Pois é justamente cantando essa música que a transformação acontece diante dos olhos da plateia. Um recurso muito bem utilizado e explorado pela talentosa dramaturga Michelle Ferreira. Aí é só embarcar na viagem e se deleitar com a performance de Marisa, uma atriz no auge do domínio técnico, que vai da comédia ao drama no espaço de uma pausa dramática ou até mesmo sem pausa nenhuma. Completa, ela deita e rola - literalmente, como na maravilhosa cena da Barbara criança - e canta, dança, emociona e faz rir muito, como só as grandes comediantes sabem fazer. A direção de Bruno Guida, calcada basicamente na performance de Marisa, tira proveito da enorme versatilidade da atriz lançando-a em um verdadeiro tour de force sur la scène. Com o auxílio luxuoso de um contrarregra cênico que ora conduz seus movimentos e faz trocas em cena, ora contracena diretamente com ela. Um recurso interessante que tem ótimo resultado. Na verdade, Marisa de pouco ou nada precisa para arrasar. Nem mesmo do cenário, pouquíssimo utilizado e sem grande efeito cênico. Um palco nu já estaria de bom tamanho para ela pintar, bordar e presentear a todos com seu talento imensurável. Não só no dia dos seus anos, como em todos os outros também. Como diz a canção da banda Luni: Meu nome é Bárbara, eu sou super legal. Desde pequeninha sempre fui genial... Só para esclarecer: O Bárbara do título do espetáculo é com acento. O da canção do Luni, também. Já o da Gancia, é sem. E a Marisa Orth é bárbara mesmo! Palmas para ela, the best!
Na foto, Marisa na capa do programa do espetáculo com a luxuosa direção de arte de Gringo Cardia.
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
CONTOS ATREVIDOS
Parece mentira, mas já faz mais de um ano que Antonio Bivar nos deixou. Me sinto um pouco órfão, pois sempre fui muito fã desse inquieto e inquietante escritor que enveredou por diversos formatos da literatura, indo da dramaturgia ao conto, passando pela biografia, a autobiografia e o romance. Como já li quase tudo o que ele escreveu e sabendo que não irá lançar mais nada, resolvi reler os seus Contos Atrevidos, único exemplar da rica obra do autor dedicado ao formato. Coisas do isolamento social. A gente, às vezes sem ter o que fazer, remexe guardados e acaba tombando sobre livros que nem lembrava ter lido. Pois este é de 2009 e eu o li em março de 2010. Curioso é que na época o livro não me marcou e eu nem mesmo me lembrava de nenhum dos seus trinta contos. Agora, relendo com a tranquilidade adquirida depois de quase dois anos de confinamento, consegui finalmente apreciá-los com a devida atenção. Dá até para entender por que, à época, eu não tenha conseguido focar minha atenção nessas curiosas pequenas narrativas: Tinha acabado de sair do elenco fixo da Terça Insana no auge do sucesso, tirara um ano sabático só para viajar e curtir e, sedento de vida real que estava, não me ative à ficção Bivariana... Hoje eles, os contos, me dizem muito justamente dela, a vida. Como em Uma Casa Simples, que traz o relato de um viúvo aposentado que encomenda ao amigo arquiteto a casa dos sonhos que finalmente irá construir para passar o resto de seus dias. Ou como em Tattoo or Not Tatto, em que uma adolescente de quinze anos se aconselha com a mãe socióloga quanto a fazer ou não uma tatuagem para se sentir incluída na sociedade. Fora a riqueza e variedade dos universos abordados, Bivar é craque em criar nomes curiosos e divertidos para seus personagens. Ao longo das cento e vinte páginas da publicação desfilam seres como Vidal Sansão, Vanilda Bertioga, Mona Lessa, Evandro Temporão, Tédia Lobato, Édila Mara e Clarice Abreu Jamra, para citar alguns. Esses pequenos relatos, fatias de vidas anônimas ou não, vem todos recheados de humanidade. E, por serem aparentemente tão banais e cotidianos, levam o leitor à reflexão. Tudo o que nos cerca - os amigos, a família, os amores, alegrias, tristezas, dores, perdas, decadências, sucessos, viagens, fracassos, angústias, frustrações, realizações - por menor e mais particular que pareça, é universal. Essa potente lente de aumento focada por Bivar no microcosmo dos personagens os expande ao infinito. Pequena curiosidade revelada pelo autor na introdução: Todos os contos foram escritos à mão em bloquinhos não pautados de 8x10cm. Como sinto e ainda vou sentir falta de Antonio Bivar...
Nas fotos, a capa de Contos Atrevidos e Bivar em si nos verdes anos.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
VARANDA SUSPENSA
Tomei emprestado o nome de uma música da cantora Céu para dar título ao post. Ele e também a letra canção dizem muito do que estou vivendo nesse começo de outubro. Finalmente começo a me permitir brechas, sopros de vida e ar renovado nesse já interminável isolamento social pandêmico. Pois me encontro justamente em uma casa suspensa no morro, com uma varanda – também suspensa – de frente para o mar de Ilhabela. O tempo, um misto de nuvens, chuva e sol tímido que ora espia ora se esconde, faz lembrar outros mares de outros continentes não tropicais. Céu segue cantando no Ipad: Descansar a vista, até onde a vista alcança, de uma zona temperada até onde o sonho te leva... Tenho me deixado levar pelo sonho de ter uma casa na praia, meu refúgio no litoral, “da varanda suspensa de São Sebastião, intocada, pura, em colmeias, pés de manga, costela de Adão” como canta Céu... Na semana passada tivemos um “apagão” de algumas horas sem redes sociais e WhatsApp. Achei pouco. Por mim teria sido de dias. Semanas, até. A gente precisa descobrir novas maneiras de se comunicar e se conectar com a vida e as pessoas. Nem que essas novas maneiras sejam justamente as antigas. O real no lugar do virtual. O analógico ao invés do digital. O presencial, o concreto, o verdadeiro. Onde viemos parar? Agora, por exemplo, no meu refúgio na Mata Atlântica, escrevo de um computador devidamente conectado a uma rede. Mas meu caderninho de notas também veio na bagagem junto com a caneta, caso a rede me faltasse. Quem lembra desses objetos obsoletos, caderninho e caneta? Rsrsrs... Mais um pouco de Céu: Todos se sentavam pra ver aquele quadro vivo mudar. Vista para Ilhabela, éramos a tela impressionista... Sempre digo aqui que gosto muito do mês de outubro. Quando a gente vê vem novembro, dezembro e puf! Acabou o ano. E, para terminar citando os versos da canção Outubro, de Milton: Tanta gente no meu rumo, mas eu sempre vou só. Nessa terra desse jeito, já não sei viver. Deixo tudo deixo nada, só do tempo eu não posso me livrar. Ele corre para ter meu dia de morrer. Mas se eu tiro do lamento um novo canto, outra vida vai nascer. Vou achar um novo amor, vou morrer só quando for... Bom mês de outubro a todos!
Na foto, a vista de Ilhabela da varanda suspensa.
quinta-feira, 30 de setembro de 2021
RELOADING TARANTINO
Costumo dizer que minha cultura cinéfila tem lapsos. São determinados filmes e/ou cineastas que, por um motivo ou outro, deixo de assistir e que acabam ficando para trás formando brechas, lacunas a serem preenchidas. Uma das coisas boas que o isolamento social pandêmico me proporcionou foi justamente reparar, na medida do possível, esses descuidos. De modo que venho assistindo a várias obras cinematográficas a que jamais assistira. Foi assim com Scarface, de Brian de Palma, e A Época da Inocência, de Martin Scorsese, como já contei aqui no blog. Agora foi a vez de atualizar Quentin Tarantino. Acredite-se ou não, eu só havia assistido a Pulp Fiction. Mais nada desse cineasta contemporâneo. Uma vez cheguei a pegar Cães de Aluguel em vídeo para assistir, mas desisti logo no começo não me lembro por qual motivo. Atentem para a antiguidade da frase anterior: Cheguei a pegar em vídeo. Remete ao tempo das videolocadoras... Bem, voltando à minha recente atualização de Tarantino, comecei logo com dois petardos, dois socos no estômago: Django Livre e Bastardos Inglórios. Confesso que não foi nada fácil para mim. São longos e extremamente violentos. Logo, resolvi assisti-los em partes, dividindo-os em episódios, como em uma série. Assim podia tomar fôlego para o que ainda me aguardava. Gostei muito. Dos roteiros, das trilhas sonoras, do humor – sim, tem muito humor em meio a toda crueldade e horror – e, principalmente, dos atores. Um em especial se destacou para mim nos dois filmes: Christoph Waltz. Em Django ele encarna o dentista caçador de recompensas e em Bastardos, o carrasco nazista caçador de judeus. Fiquei encantado com o trabalho desse ator. Sempre dizendo e fazendo as piores barbaridades com um sorriso nos lábios e com a fineza de modos de um gentleman. Impressionante. Também em Bastardos Inglórios vemos Brad Pitt desconstruir o galã com contidas e infalíveis doses de humor e construção de tipo. Agora estou louco para assistir a mais Tarantinos. Claro que pouco a pouco. Pois, assim como o álcool, esse cineasta deve ser apreciado com moderação...
Nas fotos, Christoph Waltz botando para quebrar em Django Livre e em Bastardos Inglórios.
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
SENHORA DIRETORA
O primeiro professor de direção a gente nunca esquece. No caso, primeira professora: Irene Brietzke. Ela nos ensinou o beabá da encenação. Montar uma cena como quem pinta um quadro. Ler a cena da esquerda para a direita, como quem escreve. Explorar linhas no espaço, diagonais, retas, semicírculos. Compor quadros vivos de acordo com um tema proposto. Lembro que uma vez ela me deu o tema praia para que eu compusesse um quadro com os colegas. Dei tudo de mim para fugir do óbvio, elaborei o mais que pude e entreguei uma praia totalmente "cabeça". Dona de um senso de humor único, após examinar atentamente o resultado, Irene comenta, seriíssima: Refaz essa praia um pouco mais Copacabana e menos Praia do Rosa. Nunca esqueci... Como também nunca esqueci seu comentário após assistir à primeira cena que dirigi com atores (Mario Ruy e Cibele Sastre) cujo tema era Cenas de Um Casamento: Tu tens postura de diretor. Procurei carregar para sempre comigo essa postura... Uma das primeiras peças a que assisti foi o seu inesquecível Salão Grená, com canções de Brecht e Weill, no pequeno palco do CAD - hoje DAD - onde anos depois eu iria estudar e ser aluno justamente dela. Lembro do quanto me impactou e de como saí de lá impressionado e decidido a cursar Artes Cênicas... Fora todo o conhecimento que Irene nos passava nas aulas, a gente tinha o privilégio de acompanhar nos palcos da cidade a trajetória profissional dela como encenadora e atriz. Atuando ou dirigindo, ela arrasava sur la scène. Foram inúmeras montagens com o Grupo Teatro Vivo, espécie de curso de extensão universitária que vinha como prêmio. Entre elas, O Casamento do Pequeno Burguês, Mahagonny, Peer Gynt, A Aurora da Minha Vida, No Natal a Gente Vem te Buscar e tantas outras.... Cursei o DAD de 1984 a 1989. Tempo recorde comparado à maioria dos alunos que ficava anos e anos cursando. Muitos sem ao menos se formar. Mas foram anos muito bem vividos. Tive grandes mestres, Irene foi um deles. Como Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luís Artur Nunes, para citar alguns. Pertencem a uma casta, uma cepa especial, representam uma era de encantamento e arte, algo que se assemelha a um sonho do qual estamos acordando agora. E dando de cara com uma realidade assustadora... Descanse em paz, Irene. Que os Deuses do Teatro te acolham com os louvores a que tens direito.
Na foto, Irene pelo luxuoso olhar da fotógrafa Jacqueline Joner.
segunda-feira, 6 de setembro de 2021
SETEMBRO INTENSO
Que bom que finalmente o mês de setembro chegou. E, com ele, a promessa de renovação de esperenças, de vida, de possíveis alegrias futuras. Já entrei o mês voltando ao teatro, um dos lugares onde mais gosto de estar na vida. Foram dois ensaios no palco do Teatro Folha e no domingo, dia 05, nossa estreia do espetáculo O L Perdido, que marca minha volta aos palcos como diretor. Confesso que ainda me senti bastante estranho. E nada à vontade, como costumava me sentir quando estava em um teatro. Digo isso não pelo tempo que passei sem dirigir mas, sim, pelo atual estado pandêmico de distanciamento e reclusão que estamos vivendo. Felizmente, à medida em que o espetáculo foi transcorrendo, fui me envolvendo com ele e, aos poucos, relaxando. Grace Gianoukas (minha parceira de palco de muitos anos) e Agnes Zuliani são grandes atrizes, com talento de sobra tanto para o drama quanto para a comédia. No mais, foi só apertar alguns parafusos para que a coisa fluísse como deve ser quando reúne duas forças cênicas dessa natureza. Não deu outra, o público presente deitou e rolou com as aventuras das amigas Leila e Laila em busca do tal L perdido... Já o dia de hoje, segunda-feira, trouxe duas grandes perdas: As mortes de Jean-Paul Belmondo, ícone do cinema francês, e de João Carlos Assis Brasil, grande pianista e compositor brasileiro. Tive a honra de trabalhar com João Carlos na montagem carioca de A Caravana da Ilusão, de Alcione Araújo, na qual fui assistente de direção de Luís Artur Nunes e ele foi responsável pela trilha sonora, especialmente composta para o espetáculo. Além de ter estado com ele em diversos ensaios e reuniões, tive o privilégio de acompanhar a gravação da trilha no estúdio, com ele ao piano e Mauro Senise, outro dos grandes músicos brasileiros, na flauta. Eu ficava com um cronômetro do lado de fora do estúdio, sinalizando para João através do vidro o término de cada vinheta musical. Uma experiência inesquecível. Eu já era fã de João Carlos Assis Brasil do álbum que ele gravara acompanhando Olivia Byington. Depois disso ainda tive a oportunidade de vê-lo em cena como ator acompanhando a diva Marilia Pera no espetáculo A Prima Dona, do mesmo Alcione Araújo de A Caravana da Ilusão... Bem, como tudo tem dois lados, a segunda-feira trouxe coisa boa também: Chegou a minha tão esperada segunda dose da vacina. Acordei cedo, tomei café da manhã e tratei de ir logo para a fila... No mais, a cidade explode em cores com a floração dos ipês amarelos e das azaléas de diversos tons. E aqui em casa as orquídeas fazem a festa, antecipando a primavera... É isso, setembro mal começou e olha eu aqui já cheio de histórias para contar... Desejo uma linda e próspera primavera a todos!
Nas fotos, Grace e Agnes em cena de O L Perdido, João Carlos Assis Brasil ainda jovem, eu tomando a segunda dose da vacina e a festa das orquídeas chez nous.
terça-feira, 24 de agosto de 2021
AGOSTO SEM FIM
Oi blog! Faz tempo, não é? Ando sumido daqui. Agosto já se aproxima do fim e eis-me aqui na primeira postagem do mês, que pelo jeito será a única. Escrever não é fácil. Aliás, ultimamente, viver não anda fácil. Como cantava Chico, tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu... Agosto, via de regra, é um mês estranho. Nunca tive problemas com ele, para mim sempre foi um mês como outro qualquer. Mas em agosto do ano passado, em plena pandemia, Weidy e eu passamos por um baque, uma experiência traumatizante que se estendeu mês adentro e que ecoa ainda nos dias de hoje. Logo, estou torcendo para que setembro chegue trazendo esperanças de renovação, primavera, mudança, superação. E, quem sabe, disposição para escrever. Melhor dizendo, disposição e inspiração para escrever. Uma sem a outra não basta... Nem tudo está perdido: Voltei a dirigir teatro, o que há muito não fazia. No caso, o espetáculo O L Perdido, com Grace Gianoukas e Agnes Zuliani, que teve pré-estreia em São José dos Campos e que deverá estrear aqui em São Paulo no dia cinco de setembro, se Deus quiser e o andamento da pandemia permitir. Eu sigo muito apavorado com ela, me mantendo isolado, à beira da fobia social. Me permiti ensaiar de máscara, evitando contato físico, e não fui até São José para a pré-estreia. Às vezes não vejo saída, às vezes me encho de esperanças, outras fico quieto e só no meu canto esperando o tempo passar. Triste é quando me dou conta de que ele passou e eu fiquei... Agosto que há vinte e quatro anos levou meu pai, nos leva agora Paulo José e Tarcísio Meira. Dois grandes artistas, pedaços da memória desse país. O inverno rigoroso que tivemos esse ano também se aproxima do fim. O calor volta aos poucos e com ele os banhos de sol e as noites de lua. Vez em quando me socorrem caminhadas no parque, passeios de bicicleta e pores de sol. Me ocorre agora, para encerrar, os versos da canção dos Titãs: Quando não houver esperança, quando não restar nem ilusão, ainda há de haver esperança. Em cada um de nós algo de uma criança. Enquanto houver sol ainda haverá... Bom fim de inverno a todos!
Na foto, eu mascarado no ensaio com Grace e Agnes.
domingo, 25 de julho de 2021
ALMA DAS FLORES
Minha amiga Nora Prado acaba de lançar seu segundo livro de poesias: Alma das Flores. Recebi pelo correio a encomenda que me chegou como um buquê, uma corbélia de poesia e de graça. Neste pequeno relicário estão contidas as dores e as alegrias da vida. E, claro, a beleza. Tudo o que Nora faz envolve o belo. Desde a minha juventude, meus verdes anos de escola de teatro em Porto Alegre, que sou encantado por tudo o que ela faz, produz, emana. Alma das Flores traz memórias, saudades, descobertas. A dor da perda e do luto, a maravilha dos nascimentos, a beleza de uma chuva mansa que ela observa cair da janela, a passagem do tempo, as desigualdades e injustiças sociais, os encontros, o amor, a amizade. Quanta coisa a poesia pode conter! E como é bem-vinda em um momento de privações como esse que estamos vivendo. Aproveito para parabenizar a editora Bestiário pela iniciativa de publicar poesia. Delicadeza é artigo raro hoje em dia, está em falta no mercado e é muito importante que seja lançado. E, agora mais do que nunca, a poesia chega como um facilitador. Através dela todos os assuntos são abordáveis, digeríveis, trazíveis à tona. Já começa pela capa, belamente ilustrada de flores, que traz na contracapa a flor mais bela entre todas: Nora em si, a um só tempo poetiza e musa inspiradora, como a Dama das Camélias no inspirado clic da fotógrafa Irene Santos. Não deixe de conferir!
quinta-feira, 15 de julho de 2021
BREMNER CABARET
Há tempos não compartilho por aqui minhas descobertas musicais, os cantores e cantoras que minhas buscas pela internet me revelam. Ando mesmo desmotivado para escrever, o que espero que passe logo. Mas tombei totalmente ao acaso sobre o maravilhoso Bremner Duthie, cantor/ator americano que me fez parar tudo para escutá-lo e me trouxe de volta ao blog. Depois de muitos anos atuando e cantando na ópera, ele decidiu emprestar sua bela voz de barítono aos clássicos do Cabaret. Fiquei especialmente encantado com dois álbuns dele que reúnem a obra de Kurt Weill: Bremner Sings Weill e Bremner Sings Kurt Weill Volume II. Sou apaixonado pelas canções de Weill, muitas delas em parceria com Bertold Brecht e algumas das quais já tive o prazer de interpretar ao lado da diva Cida Moreira e do saudoso Dunga Brunet no nosso Cabarecht, que percorreu o interior de São Paulo em projeto de circulação da Secretaria de Cultura. Bremner alterna a potente voz operística com rasgados à la Tom Waits apropriando-se das canções e dando-lhes roupagem totalmente nova. Às vezes chega a mudar tanto a melodia que a gente demora a reconhecer a canção. Confesso que não gosto muito quando isso acontece. Na minha humilde opinião essas canções já são tão belas e perfeitas que tudo o que se deve fazer é cantá-las e tocá-las tal como foram escritas por esses dois gênios do teatro musical. Mas a maior parte do tempo é fascinante ouvi-lo cantar. Unindo o canto à experiência de ator, Bremner recria o universo do Cabaret em seus shows com cenários e figurinos que trazem ainda mais dramaticidade à sua já tão expressiva figura. Suas versões para Pirate Jenny, Youkali Tango, My Ship, Je Ne T'aime Pas e Cannon Song são puro deleite. Após ter morado durante anos entre a Escócia e o Canadá, atualmente ele vive entre Nova Orleans e Paris. Olha Paris de novo aí, sempre ela. Quem sabe não foi isso que me identificou tanto com ele? Tenho escutado bastante não apenas os álbuns com as canções de Weill, mas também suas regravações de clássicos do jazz e '33 a Kabarett, álbum que traz pérolas como Boulevard of Broken Dreams, Dancing in the Dark e Falling in Love Again. Taí uma coisa que sempre me traz felicidade, mesmo em meio aos maus momentos da vida: Apreciar o trabalho de um grande artista. A arte, assim como o amor e o humor, sempre salvam...
Na foto, Bremner sur la scène em momento inspirado de seu Cabaret.
quinta-feira, 1 de julho de 2021
VERBORRAGIA
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões, como cantou Caetano. Mas ultimamente tenho sentido coisas bem menos nobres roçarem a nossa inculta e bela língua. A propósito de Flutua, canção de Johnny Hooker que se tornou o novo hino LGBTQIA+ (Confesso que ainda prefiro I Will Survive ou I am what I am): Só eu acho que tem verbos demais no refrão “Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”? Gente, que desperdício! O verbo é tão importante numa oração que esse exagero chega a ser uma espécie de ostentação. E, como toda ostentação, é brega, cafona. Aliás, eu acho que isso começou com uma tendência que tenho observado de as pessoas colocarem o verbo poder antes de todos os outros verbos. Algo do tipo: Para poder tentar negociar, para poder conseguir pagar, para poder começar a entender... Chega a doer os ouvidos. Ou, como dizem alguns: Chega dói (Ui!)... Minha personagem Betina Botox, lá atrás, nos anos dois mil, já dizia: “Adoro desligar o computador porque aparece “seu Windows está sendo desligado”. Por mim seria “seu Windows vai estar sendo desligado”. Quanto mais verbo, melhor, né? Pra que regular verbo? Se no princípio era o verbo! Aloka”... Estou cansado, queridos amigos. Ou deveria dizer estou cansade, querides amigues? Esse é outro modismo que me irrita sobremaneira. A culpa é do PT, que começou com aquela bobagem de chamar a Dilma de presidenta! Rsrsrs. Brincadeira à parte, presidente já é uma palavra de gênero neutro. Serve, portanto, para o masculino e para o feminino. Como o pretendente e a pretendente, o residente e a residente. Para que atribuir um gênero a uma palavra que já é inclusiva? Como bem me explicou Luís Artur Nunes, que além de mestre e doutor em teatro é também professor de português, o gênero gramatical não tem nada a ver com o gênero sexual. Donde concluo que nossa língua não é excludente, machista ou homofóbica. Apenas segue, como todas as outras, suas regras gramaticais. Alterar esses códigos não é inclusão. É apenas ignorância... Mas, eu sou apenas um velho chato e “cringe”, cuja opinião não deve ser levada em conta. Apenas um desabafo. Joga “cringe” no Google. E flutua-a-a...
Na foto, o retrato de Camões por Fernão Gomes.
terça-feira, 29 de junho de 2021
C'EST L'HIVER
O inverno chegou trazendo o frio. Devo dizer, mais frio. Pois o outono já havia sido um preâmbulo bem rigoroso da estação mais fria do ano. Eu gosto muito de frio e já estava sentindo saudades do aconchego que vem com ele. Vivi grande parte da minha vida em lugares de invernos muito frios. Desde a infância em Soledade, depois Porto Alegre e Paris. Sinto muita saudade dos invernos dessas cidades. Agora me regozijo com vinhos, sopas e cobertores. Edredons. Na minha infância não havia edredon. Usávamos acolchoados de lã de ovelha. Pesados e quentes como nada mais naquela época... Muitas leituras também embalam meus dias de frio. Depois dos últimos livros que citei aqui - Cafeína e Um Dry Martini para Hemingway - segui no embalo "début du siècle" e decidi reler Paris é Uma Festa de, justamente, Hemingway. Adoro a maneira como ele se relaciona com as cidades, vivendo-as como seus habitantes locais e não como o fazem os turistas. Foi assim com Paris, Cuba e Key West, para citar algumas. É assim que gosto de viver as cidades por onde passo e por isso me identifico com o autor. No fim do último capítulo, entitulado Paris continua dentro de nós, ele se despede carinhosamente da Cidade Luz dizendo: "Paris não tem fim, e as recordações das pessoas que lá tenham vivido são próprias, distintas umas das outras. Mais cedo ou mais tarde, não importa quem sejamos, não importa como o façamos, não importa que mudanças se tenham operado em nós ou na cidade, a ela acabamos regressando. Paris vale sempre a pena e retribui tudo aquilo que você lhe dê". Identificação total. Parece ter sido escrito para mim ou por mim, modéstia à parte... O mês do inverno trouxe também a vacina para a minha faixa etária. Tomei a primeira dose no dia 14 de junho. Inicialmente ela estava programada para agosto mas, felizmente, o governo de São Paulo adiantou o cronograma. Postei a foto nos stories do meu instagram e tive recorde de visualizações. Tive também muitas mensagens me perguntando qual vacina eu havia tomado. Aproveito para responder: Vacina anti-covid 19. Não me lembro de em nenhum outro momento ter visto pessoas preocupadas com a marca das vacinas da gripe, febre amarela, sarampo ou todas as outras que as crianças tomam. Fiquei imaginando um menu na entrada do posto de saúde, como há na entrada dos restaurantes, apresentando a carta de vacinas do dia para o cliente escolher. Ou a garçonete perguntando: Dipirona acompanha? Rsrsrs... No mais, a esperança volta a acenar com alguns possíveis trabalhos e, quem sabe, o fim dessa inusitada era de isolamento e de privações. Que os deuses olhem para nós com piedade e compaixão...
Na foto eu, bem pimpão, logo após receber a primeira dose da vacina.
quarta-feira, 9 de junho de 2021
JUNHO POR UM TRIZ
Nem acredito que já chegamos em junho de mais um ano pandêmico e de isolamento. Pelo menos agora a esperança já me acena com a vacina, que para a minha faixa etária chegará no dia primeiro de julho. Depois de devorar o romance Cafeína, de Maurício Torres Assumpção, a que me referi no post anterior, me lancei na leitura de A História do Brasil nas Ruas de Paris, do mesmo autor. Nele saboreio as aventuras de brasileiros notáveis pela capital francesa. Dom Pedro I, Dom Pedro II, Alberto Santos Dumont, Heitor Villa-Lobos, Lúcio Costa e Oscar Niemayer tem suas passagens pela Cidade Luz descritas com riqueza de detalhes através da rica pesquisa realizada pelo autor. Com direito a lista de endereços citados e links no final de cada capítulo. Uma espécie de guia. Só que muito mais sofisticado. O que viram, o que fizeram e o quanto contribuíram para a boa imagem do nosso país no exterior. Mas eram outros tempos, né? Hoje em dia estamos por um triz. Diplomacia virou coisa do passado. Intolerância, grosseria e linguagem chula se tornaram moeda corrente. (Me lembro que achava o presidente Figueiredo grosseiro, por declarações do tipo “prendo e arrebento” ou por dizer que preferia os cavalos aos seres humanos. Comparado ao que temos agora, me dou conta de que ele era praticamente um gentleman)... Eu também ando por um triz. Tão por um triz que belos entardeceres na sacada me fazem chorar enquanto os aprecio tomando um drink. (E quando 2021 acabar virá o quê? Outro ano vazio, socialmente distanciado, com máscaras, álcool gel e sem trabalho?). Abstinência de Paris mode on. Essas leituras avivam a imagem da cidade na minha cabeça. Percorro suas ruas, cafés, teatros, museus, salões e restaurantes. Seus parques e jardins. Suas praças e bulevares. Vivo uma espécie de realidade literária, que acontece paralela à virtual e à real. Por aqui também dou minhas escapadelas de vez em quando, pelo menos para caminhar e tomar sol. Ou para andar de bicicleta. Nos Jardins ou na Liberdade. Ou nos jardins da Liberdade. Com todos os protocolos de segurança. Aliás, nesse momento nada me soa mais falso do que essa frase: Com todos os protocolos de segurança. Mas vamos em frente. Amanhã será outro dia e, para terminar citando Hemingway, o sol também se levanta...
Nas fotos, o jardim japonês do Largo da Pólvora, um dos meus recantos preferidos no bairro da Liberdade, e a luxuosa edição de A História do Brasil nas Ruas de Paris.
sábado, 22 de maio de 2021
BELLE ÉPOQUE
Novidades do confinamento: Estou lendo, quase terminando, um livro interessantíssimo chamado Cafeína. Minha irmã Regina me pediu para escolher algo de presente de aniversário. Como já estava há um tempo sem ler nada, pensei num livro e fui até a Livraria Cultura para escolher algum. Bati o olho e amei a capa de dois: O já citado Cafeína e um outro chamado Um Dry Martini Para Hemingway, de Fabio Pereira Ribeiro. Não é que minha irmã me mandou os dois? Como eu dizia, já estou quase terminando de ler a intrigante história de dois brasileiros cujos destinos se cruzam na Paris da Belle Époque. Um barão do café e um órfão criado por uma cozinheira e um padre. O primeiro tenta escapar da justiça por um crime que cometeu. O segundo, por um crime que não cometeu. O primeiro constrói uma usina de torrefação de café no subúrbio parisiense. O segundo, trabalha na construção da Torre Eiffel. Rica em detalhes da sociedade, política e costumes da época, a trama de Maurício Torres Assumpção lembra os romances históricos de Mary Del Priori. Além da vasta pesquisa que revela, o livro tem o dom de manter preso o interesse do leitor na história desses dois destinos em tudo opostos que se cruzam na mítica Paris do final do século dezenove. Ao fim de cada capítulo a gente fica louca para saber o que irá se passar no próximo... Claro que essa leitura reavivou a saudade incomensurável que venho sentindo da Cidade Luz nos últimos seis anos. Para completar, o outro livro aqui citado – e que começarei a ler em breve - também se passa em Paris mais ou menos na mesma época, os loucos anos do início do século vinte. Ainda não comecei a ler, mas já passei olhos pela capa, contracapa, orelhas e páginas iniciais. Já na primeira página, me deparei com a seguinte citação de Hemingway: “Se você quando jovem teve a sorte de morar em Paris, então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida, onde quer que esteja, porque Paris é uma festa ambulante”. Foi e é exatamente o que acontece comigo. Estou ferrado! Devorando Cafeína para depois me lançar no Dry Martini com Hemingway, me dou conta de que nem só de privações se vive o confinamento...
Na foto, as etapas da construção da torre em que o personegem de Cafeína trabalhou.
quarta-feira, 12 de maio de 2021
AMOR À LA CARTE
Continuando o registro dos espetáculos que dirigi, antes que tudo caia no esquecimento inexorável... Minha última direção teatral em Porto Alegre foi Amor à la Carte, show musical estrelado pela dupla The Love Singers que era formada por mim e por Marione Reckziegel. Mais do que um trabalho, era uma grande brincadeira, uma enorme diversão. Marione e eu fomos responsáveis por todas as etapas do espetáculo, da criação à divulgação, passando pela produção geral e execução dos figurinos, bordados lantejoula por lantejoula por nós mesmos. Era um pocket show performático, no qual interpretávamos clássicos do cancioneiro romântico universal com muito humor e deboche. Eu concebi, roteirizei e dirigi, com a luxuosa assistência de direção de Paulo Vicente. Cantávamos sobre bases gravadas em playback cujos arranjos foram feitos por Alessandro Cavangnoli. Marguinha Ferreira nos iluminava com sua Claraluz, muitas vezes fazendo mágica com dois ou três refletores. Eu escrevia os releases, Marione fazia a arte gráfica e nós mesmos percorríamos - com o carro da minha irmã Raquél- as redações, emissoras de rádio e televisão da cidade nos auto-divulgando com muita graça, simpatia e humor. Era infalível: Estávamos sempre em todos os jornais, revistas e programas de tevê. As fotos de divulgação - luxuosíssimas - foram feitas por Guto de Castro. Tivemos até mesmo um videoclipe dirigido por Gilberto Perin, que teve lançamento em animada noitada no restaurante Birra & Pasta, à época o hotspot do momento. Perin nos indicou e acabamos virando apresentadores do programa TV Comédia, da TV Com. Tudo isso aconteceu no ano de 1995, o último que vivi na capital gaúcha antes de me transferir para São Paulo. Fizemos várias temporadas em casas noturnas como Richard Art & Café, Yes Bom Fim e Café da Casa de Cultura Mario Quintana. Viajamos para diversas cidades do interior como Canela, Caxias do Sul, Atlântida e Santa Cruz. Tudo era muito divertido e, claro, calcado em um repertório infalível que ia de Jane e Herondy a Serge Gainsbourg, passando por Trio Los Panchos, Frenéticas, Rita Lee e Nelson Gonçalves. Paralelamente ao show, Marione e eu ainda atuávamos no espetáculo Parque Extremo de Diversões, de Élcio Rossini. Muitas vezes saíamos correndo do cais do porto, onde esse espetáculo era apresentado, para ir fazer o nosso show na mesma noite em alguma casa noturna... Que saudade desse tempo em que a gente conseguia realizar sonhos sem que eles precisassem antes virar projetos que acabam ficando engavetados por falta de condições. E tudo isso com apenas dois números de telefone fixo para contato: O meu e o da Marione. A gente era mesmo muito feliz...
Nas fotos de Guto de Castro, nossos personagens Mary Love e Rob Singer na Avenida Farrapos e na Rodoviária de Porto Alegre.
sábado, 1 de maio de 2021
ÉTOILES
Meu primeiro dia de maio não podia estar mais lindo, apesar de. Um sábado ensolarado, friozinho, logo cedo pela manhã fui dar uma volta na Liberdade – antes que a foule sem noção se aglomerasse nas lojas reabertas – respirei tranquilo (ainda que de máscara), comprei bolinhos de polvo para comer em casa e me recolhi às minhas atividades cotidianas. Tudo seguia tranquilo, Nana Caymmi no iPad, vinho na taça, eu no fogão. Até que chega a triste notícia: Rolando Faria partiu. Tudo mudou de repente. O colorido ficou preto e branco, o dia nublou, Nana se calou. E a pergunta de sempre voltou à minha cabeça: Porque as pessoas boas, legais, talentosas, importantes, bacanas, amigas, se vão e as tralhas que não servem para nada ficam? Mas isso não cabe a mim responder. Só Deus é quem sabe do amor, eu não sei nada. Só sei que a vida nos prepara cada cilada, como cantava Elis nos versos de Guilherme Arantes. Rolando abalou Paris nos anos setenta e oitenta junto com Luiz Antônio. Os dois formavam a dupla musical Les Étoiles, que fez muito sucesso e gravou vários álbuns na capital francesa. Conheci Rolando em Paris, no início dos noventa, quando morei lá. Nosso amigo em comum Mareu Nitschke nos apresentou em animada noitada no Iguana Café, na Bastilha, na qual também estava presente Luís Artur Nunes, de passagem pela Cidade Luz hospedado chez moi. Logo de cara nos tornamos amigos inseparáveis. Cheguei a assistir a um show da dupla, um dos últimos que fizeram, pois o Luiz morreria logo em seguida. Rolandô, como o chamavam os franceses, seguiu próspera carreira solo não apenas na França, mas na Espanha também. Eu morava no Marais e sempre que ele ia fazer suas aulas de dança num estúdio próximo à minha casa, passava em frente ao prédio da Rue des Écouffes e gritava para a minha janela do primeiro andar: Robertinhoooo! Eu descia na hora e íamos tomar uns verres no Petit Fer à Cheval onde ele, conhecidíssimo, era saudado pelos garçons: Les étoiles du Brésil... Na última vez que esteve aqui em São Paulo, ele foi me assistir na Terça Insana, que à época estava em cartaz no Avenida Clube. Nas últimas vezes que estive em Paris, 2013 e 2015, nos reencontramos. Ele morava na Bastilha e gostava de marcar nosso encontro nas escadarias da Opéra de La Bastille de onde seguíamos até o l’Industrie, um restaurante que ele adorava e do qual era frequentador habitué. Almoçávamos e depois esticávamos a tarde tomando vários verres até o sol se por... Quantas histórias! Não daria para contar aqui. Muitas, muitas e todas elas interessantíssimas. Claro, além de muito vivido, experiente, talentoso e dono de vasta carreira artística, ele era inteligente, bem-humorado e engraçadíssimo. O tipo do amigo que a gente ama ter... Quando a última estrela do quilate de Rolando se for, o que restará por aqui? Isso também não cabe a mim responder. Só Deus é quem sabe... Vai em paz, querido amigo. Vou lembrar de você para sempre.
Nas fotos, o último registro que fiz dele em 2015 no l'Industrie e com Luiz Antônio caracterizados como Les Étoiles.
terça-feira, 27 de abril de 2021
INSPIRAÇÕES DE ABRIL
Oi, mês de abril! Nossa, como você passou depressa. O mês do meu aniversário. O mês do ano mais esperado por mim... No domingo 25 fiz anos. Recebi tantas mensagens, telefonemas, videochamadas de amigos e familiares, que me senti querido como não vinha me sentindo ultimamente. É tão bom renovar votos! Saber-se amado, respeitado, admirado pelos outros. Esse foi o meu segundo aniversário pandêmico. Para um aniversariante compulsivo como eu é bastante difícil se contentar com o isolamento; sem festa, encontros, abraços, brindes e beijos. Decidi vir passar meu niver junto ao mar, como gosto de fazer e há mais de um ano não fazia. Mais especificamente em Camburi, no litoral norte de São Paulo. Alugamos um chalé no meio do mato. Mari, uma amiga minha que foi garçonete do Ritz, mora aqui e a mãe dela construiu esse chalé para alugar. Somos os primeiros a alugá-lo. Só por isso topei. Morreria de medo de me hospedar em lugares onde entra e sai gente a toda hora... Apesar de estar adorando esses dias junto ao mar, devo dizer que não é a mesma coisa de antes. Embora algumas pessoas insistam em agir como se não houvesse uma pandemia ceifando vidas diariamente... Dentre todos os melhores votos que amigos me desejaram, um me chamou bastante a atenção: Inspirações. Me foi desejado pelo Paulo Vicente, uma das minhas amizades mais longevas. Eu, que sou movido a inspiração, me agarrei a esse desejo com unhas e dentes. É justamente o que me tem faltado. Por isso um mês de abril com tão poucas postagens aqui no blog. Tomo para mim esse desejo do Paulo e peço com fervor que ele me seja dado. Aqui no meio do mato, junto às flores, árvores e borboletas; junto aos pássaros que roçam os vidros do chalé enlouquecendo minha gatinha Lina, em meio à alameda de plantas que vai dar no mar, na volta para casa, em São Paulo, Porto Alegre, Soledade, Paris ou onde quer que eu esteja. Sem muita coisa a gente consegue viver. Mas viver e ser feliz, fazendo os outros felizes, a gente só consegue com inspiração. E saúde, bien sur. Então, que elas venham de mãos dadas, a inspiração e a saúde. E eu serei o canal transmissor da felicidade, para haver amor entre os homens. Feliz aniversário para mim! Nas fotos, a paz do isolamento no chalé e a lua que nasce por detrás da verde mata parecendo um sol de prata, prateando a solidão.
segunda-feira, 12 de abril de 2021
SHORT DRAMA
Eu sou daqueles que vivem a esperar por um novo filme de Pedro Almodóvar. Felizmente chegou mais um: A Voz Humana, livremente inspirado na peça homônima de Jean Cocteau. Sempre fui louco por esse texto. Já imaginei levá-lo à cena de diversas maneiras. Inclusive com meu amigo Paulo Vicente interpretando o monólogo da mulher abandonada que chora as mágoas ao telefone... Um prato cheio para grandes atrizes dramáticas, a obra encontra na economia da interpretação de Tilda Swinton seu grande trunfo. Elegantemente contida, ela extravasa a dor da personagem a cada take do curta. Sim, o Almodóvar da vez é um curta metragem. Mas está tudo lá. Toda a genialidade e exuberância do cineasta que foi do underground ao mainstream burilando o próprio estilo. As cores, os enquadramentos inusitados, a trilha sonora sempre impecável, a maneira como ele dirige seus atores. Tilda, levemente andrógina, lembra o David Bowie de terninho azul de Life on Mars. Dá vontade de ficar assistindo várias vezes em modo repeat. Que pena que não foi numa grande sala de cinema e sim na pequena tela do meu computador. Tipo novo normal... Há muito que o cineasta espanhol flerta com a obra de Cocteau. Ela aparece citada em várias de suas películas. Como em A Lei do Desejo – meu preferido – em que Carmen Maura faz a irmã trans do cineasta que é atriz e ensaia a peça ao som de Ne Me Quitte Pas cantada por Maysa. Quase tive um treco no cinema quando assisti em Paris no começo dos anos noventa... Recebi como um presente de aniversário nesse abril que se inicia ainda pandêmico. Graças à minha amiga Patrícia Vilela, tive acesso a essa joia que espero um dia poder rever no grand écran. Enquanto esse dia não chega, a gente vai se adaptando aos formatos possíveis. Bom mês de abril a todos!
Na foto, Tilda no set de The Human Voice.
sábado, 27 de março de 2021
DIA DO TEATRO
Vinte e sete de março. Dia mundial do teatro. Estranho comemorar essa data agora que estamos sem teatro. Sem fazer teatro. Sem ir ao teatro. Eu nunca consegui conceber um mundo sem ele. O teatro faz parte da minha vida desde a mais tenra idade. Quem me conhece sabe que desde a infância a minha vida já girava em torno dele. Adiei bastante o momento de assumir o teatro como profissão. Fiz muitas coisas antes. Mas chegou um tempo em que a necessidade de me expressar através dele falou mais alto. Eu tinha vinte anos, abandonei a faculdade de história no terceiro ano e prestei vestibular para artes cênicas. Ali começou o caminho sem volta. Tive a sorte de entrar para o curso numa época em que grandes profissionais da área eram professores. Ivo Bender, Maria Helena Lopes, Luís Artur Nunes, Graça Nunes, Irene Brietzke, Alziro Azevedo, para citar alguns. O teatro me formou, me deu espaço no mundo, na sociedade. Finalmente eu estava salvo... Hoje, esse dia é lembrado quando vivemos uma distopia sinistra. Uma realidade paralela que nos priva da beleza e do encantamento dessa arte milenar. Fazer o quê? Para alguns colegas o teatro on-line tem sido uma saída. Para mim, não. Nada supre a presença do público. Nada tem a força dessa troca de energias. Do instante-já, do aqui e agora. Do salto sem rede de proteção, como Jorge Takla falou na entrevista ao Persona em Foco quando se referia à interpretação de Marilia Pera. Marilia era dessas, das que se jogam sem rede de proteção. Infelizmente eu acho que as pessoas andam sentindo mais falta de shoppings centers e de churrascarias. De estádios de futebol lotados e de boates. Eu sigo me alimentando do que já fiz e da esperança de poder fazer o que ainda não realizei. Amo o teatro. Quero o teatro de volta. Sinto falta das tábuas do palco. Das coxias e camarins. Perdemos grandes expoentes do ofício nessa pandemia. Bivar. Nicette Bruno. Tantos, meu Deus! Mas o teatro há de voltar. Ele sobreviveu às trevas da idade média. A tantos períodos de horror. Não há de ser agora que irá sucumbir. Viva o teatro! Viva Dionísio! Viva todos os artistas do planeta!
Na foto, Marilia Pera em Brincando em Cima Daquilo, um dos melhores espetáculos de teatro a que já assisti.
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