sábado, 23 de novembro de 2024

PORTO DE NOVO ALEGRE

Estive em Porto Alegre depois de quase um ano e meio sem ir visita-la. Nesse meio tempo a cidade (não apenas ela, mas o estado do RS inteiro) viveu uma tragédia: A malfadada enchente que, entre outras coisas, isolou os porto-alegrenses do resto do país ao acabar com o aeroporto Salgado Filho. Retomados o aeroporto e a vida da cidade, fui passar uma semana em terras gaúchas para comemorar o aniversário de oitenta anos de uma amiga muito querida - Iracema (ou Cema) de quem já falei aqui no blog - e rever amigos e familiares. Coisa boa rever Porto Alegre refeita da tragédia. Ou melhor, se refazendo. Mas a garra do gaúcho é tão intensa que parece que a enchente já é coisa do passado. Sempre admirei essa nossa força, coragem, resiliência e teimosia. Digo nossa porque sou gaúcho também. E sei que a gente "não se mixa", como diz o dito popular. A cidade voltou a sorrir. Sua orla e seus entardeceres de tirar o fôlego estão novamente enchendo os olhos e a alma da gente. Seu céu de azul incomparável e suas noites de estrelas e lua cheia - que tive a sorte de pegar - continuam arrasadores. Me fizeram lembrar de muitas noites e dias da minha juventude vividos no bairro do Bom Fim, a poucos passos do parque da Redenção, da Osvaldo Aranha, da Independência e da Rua da Praia. Minha irmã Raquél, sempre incansável, me levou a diversos lugares e programas, fez almoços e happy hours, me enchendo de carinhos e atenções, como faz desde que me conheço por gente. Meus amigos também me fizeram muito feliz nos nossos reencontros, nas conversas e atividades artísticas. Guto, meu amigo fotógrafo, fez um ensaio comigo inspirado nos circos dos anos vinte do século passado. Assim, do nada, com nossas ideias e talentos, produzimos um lindo material. Revi Adriane Mottola e seu teatro Stravaganza, agora refeito e ampliado, e lá pude assistir ao espetáculo musical Ovo, com as queridas Gisela Habeiche e Shirley Rosário. Reencontrei Sergio Lulkin, Eduardo Romagna, Carmen e Magda Castro, a Lica, a Lolita, Carmen Medeiros, meu amado Paulo Vicente (meu ator fetiche desde sempre), Ciça Reckziegel e Mirna Spritzer, visitei a exposição do meu primo Daltro Borowski, fui à Feira do Livro! Nossa, quantas lembranças eu guardo da feira e há quanto tempo não a frequentava... Revi a Casa de Cultura Mario Quintana, visitei exposições por lá e, para fechar a visita com chave de ouro, tomei vinho branco assistindo ao por do sol no Guaíba na companhia dos queridos amigos Andresa Spagnolo e Leonardo Menin no simpaticíssimo bar Lola, que fica na cúpula do Hotel Majestic, que foi a residência do poeta Mario Quintana... Ah! Também não poderia deixar de cometer dois pecadinhos gastronômicos que me permito sempre que volto à cidade da minha juventude: Comer o cachorrinho quente molho & mostarda da Confeitaria Princesa e a Bomba Royal na Banca 40 do Mercado Público Municipal (também refeito e reaberto após a enchente que o devastou). Nessa categoria (pecadinhos gastronômicos) também não poderia faltar o galeto do Konka! E, já ia me esquecendo, a deliciosa mil folhas do belíssimo Café Imperador, que não conhecia e adorei ter ido... A festa de aniversário da Cema, além de ter sido divertidíssima, valeu para me levar de volta à minha querida Gay Port (como a chamava Caio Fernando Abreu) e matar um pouco das saudades que me matavam. Voltei para São Paulo na terça-feira, a tempo de retomar as apresentações do meu espetáculo Caio em Revista, que estou louco para levar para os pagos do Rio Grande. Essa semaninha que passei por lá me reabasteceu de afetos, lembranças e saudades. Como é bom rever os lugares e pessoas que amamos! E, por último mas não menos importante, revi também os jacarandás em flor que enfeitam a cidade e a pintam de roxo nessa época do ano. Por tudo isso e muito mais é que de vez em quando eu canto: Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau! Nas fotos, pôr do sol visto do terraço da Raquel, o Arco do Triunfo da Redenção, a cúpula do Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mario Quintana) e a lua vista da janela do meu quarto na casa da minha irmã.

sábado, 16 de novembro de 2024

NATUREZA-MORTA?

Em Porto Alegre por uns dias, revendo amigos e familiares, aproveitei para conferir a exposição Natureza-Morta? que reúne obras do artista Daltro Borowski, que vem a ser meu primo e conterrâneo. Na nossa longínqua infância em Soledade eu nem imaginava o tamanho e a qualidade do talento que ele trazia no seu interior de menino silencioso e introspectivo. No material impresso de divulgação da galeria Daltro conta que "começou a aprender a desenhar e pintar com quinze anos em 1979". Nessa época eu já estava morando em Porto Alegre, por isso não acompanhei de perto o início de seu aprendizado. Mas, como ainda mantinha contato com Soledade e com meus familiares e amigos que lá residiam, aos poucos fui conhecendo o talento do meu primo que começava a despontar. Tenho inclusive uma foto que fiz dele em seu local de trabalho pintando uma de suas telas. A foto está em São Paulo, por isso não aparece aqui ilustrando o post. Daltro diz também - com modéstia proporcional ao talento - que segue "até hoje tentando aprender alguma coisa", como se o que já aprendeu fosse pouco. Dono de um estilo plástico todo próprio, ele encanta os olhos com reproduções fidelíssimas de objetos e frutas em suas naturezas-mortas. A perfeição fotográfica com que reproduz transparências, sombras e texturas é impressionante; em algumas obras ele chega a um trompe-l'oeil surrealista, em outras flerta com Magritte, apesar de citar Francis Bacon como uma de suas principais referências. A última vez que estive com ele foi em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde reside atualmente. Na ocasião eu estava me apresentando com a Terça Insana no belíssimo Teatro Pedro II e ele foi me assistir com sua esposa. Não me lembro o ano e, como agora os anos voam, já deve fazer mais de dez anos certamente... Para além do realismo, do hiper-realismo ou do surrealismo, Daltro Borowski apresenta estilo e linguagem próprios, originais. É isso que salta aos olhos e encanta os admiradores da sua obra singular. Parabéns à belíssima galeria Guion Arte pela iniciativa de divulgar o trabalho desse grande artista brasileiro. Quem mora ou está de passagem por Porto Alegre não deve deixar de visitar. Nas fotos, duas de suas impressionantes obras que compõem a mostra.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

AINDA ESTOU AQUI

O filme de Walter Sales é lindo. Potente. Intenso. Relevante. Necessário. Não tem como assistir a essa obra e ficar ileso. Não tem como não se envolver. Pelo menos quem ainda tem um mínimo de memória do que foi o período histórico que o filme aborda. Digo que ele é, entre outras coisas, necessário, porque vem num momento em que o mundo, totalmente dividido, polarizado, flerta com extremismos e apoia ditaduras, tanto de direita quanto de esquerda. Adoro os filmes de Walter Sales, eles são invariavelmente plenos de sensibilidade. O cineasta tem a fineza de não ser panfletário na sua belíssima obra. Ainda Estou Aqui transborda afeto. É impossível não se ver espelhado naquela família, naquelas relações, naqueles almoços e jantares, nos pequenos prazeres do dia a dia. (Fala-se tanto em defender a família, como se alguém fosse contra). Pois essa linda família apresentada no filme foi cruelmente ferida, mutilada pelo afastamento do pai. Quando isso acontece, me transportei imediatamente para a minha infância. Eu tinha sete anos de idade e cursava a primeira série do primário. Não tinha a menor noção do que estava acontecendo no país. Era uma criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar seu sonho infantil. E brincava dizendo que o nome do presidente do Brasil era “Garrafa Azul Médici”… Fiquei, além de muito tocado e triste, feliz com esse filme. Num país notadamente sem memória como o nosso, sempre é bom dar uma refrescada. E, quem sabe, provocar revisões e ressignificar conceitos e ideologias. Isso tudo sem falar nas interpretações irretocáveis de Fernanda Torres, Selton Mello e todo o maravilhoso elenco. E, claro, Fernanda Montenegro que, em participação especial, entra muda, sai calada e arrasa como a personagem de Fernanda Torres na velhice com Alzheimer. Os figurinos de Claudia Kopke e toda a direção de arte são precisos na reconstituição da época. E ricos em detalhes como a poncheira de cristal sobre a mesa de festa. Fora a trilha sonora, que a gente sai do cinema com ela na cabeça. Parece que estamos folheando antigos álbuns de retratos. Que guardam, graças a Deus, nossas memórias... Não deixem de assistir! Na foto, o cartaz do filme e a belíssima arquitetura do Conjunto Nacional.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CAIO EM NOVEMBRO (E SEMPRE)

O mês de novembro chegou acelerado, rumo ao fim de mais um ano que passou voando. Me pergunto se vai ser para sempre assim ou se vai acelerar cada vez mais. Acho que mais do que isso eu não daria conta. Tipo áudio do whatsapp na velocidade 2; ou aqueles avisos de comercial de remédio que dizem em ritmo frenético: Esse medicamento é contraindicado em caso de suspeita de dengue; se persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado... O bom é que novembro trouxe de volta a cartaz meu espetáculo solo Caio em Revista, que estreou em maio em curtíssima temporada no Teatro Viradalata, e agora reestreou no pequeno e adorável Mi Teatro. O Mi Teatro parece uma casinha de boneca, acolhe o ator e a plateia em uma espécie de comunhão; uma relação que eu ainda não havia experimentado em quase quarenta anos de carreira no teatro. Fica-se tão próximo do público, fala-se olhando nos olhos dos expectadores. Foi muito emocionante para mim. Fiquei lembrando de quando vi Rubens Correa fazendo Artaud em seu antológico solo no porão do Teatro Ipanema no Rio. A gente se sentia desnudado pelos olhares intensos e penetrantes desse saudoso e maravilhoso monstro sagrado do teatro. Guardadas todas as devidas proporções, evidentemente... Não me lembro se já falei aqui no blog, mas vale relembrar: Meu solo Caio em Revista, com direção do mestre Luís Artur Nunes, reúne textos inéditos de Caio Fernando Abreu, que foram escritos especialmente para revistas paulistanas dos anos oitenta, principalmente a AZ e a Around, de Joyce Pascowitch. Nessas publicações ele se permitia ser leve, engraçado e irônico, sem aquela densidade e profundidade características de seus escritos em livros. Mas com muita crítica e ironia afiada. Alguns destes textos ele assina com o pseudônimo feminino Nadja de Lemos. E, nesse momento do espetáculo, me transformo em cena, à vista da plateia, na ferina personagem feminina, alterego do escritor, que discorre sobre conceitos como Naja, Sexo e Gentalha. Um deleite! Quem conheceu Caio pessoalmente sabe que ele era divertidíssimo. Quem o conhece apenas da literatura o associa às densas profundidades da alma. E tudo isso se amalgama no ser humano maravilhoso que ele era. Que bom que deixou vasto legado para gerações futuras. Se é que as gerações futuras se interessarão... Interrompo a temporada para uma viagem já previamente agendada e retorno ao palco do Mi Teatro no dia 19/11 onde fico até 17/12, sempre às terças-feiras, às 20 horas. Essa pequena joia que é o Mi Teatro pertence à atriz e empresária Mara Carvalho e está sob a batuta da multitalentosa Patrícia Vilela, que vem a ser a nossa produtora (com sua companhia e produtora Colaatores) e assistente de direção. Venham se despedir de 2024 conosco! Digo conosco porque teatro, mesmo quando se trata de um espetáculo solo, nunca se faz sozinho. Somos uma equipe, um time, uma família. Que o mês de novembro nos seja leve... Nas fotos de Rafa Marques o Narrador/Caio e seu ferino alterego Nadja de Lemos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

LONESOME COWBOYS

Nem bem o corpo de Antonio Cícero acabara de esfriar na gélida Suíça e eu já me encontrava na sala de um cinema para assistir ao novo filme de Almodóvar - O Quarto ao Lado - sobre o qual ainda não consegui escrever tal o baque que me causou, e agora fico sabendo da morte do cineasta Paul Morrissey. Não sei os de hoje em dia, mas os jovens da minha época eram muito votados ao cinema. O cinema foi parte da minha formação cultural. Não era mero entretenimento acompanhado de baldes de pipoca e refrigerante como agora. Salas como o Cine Baltimore e o Vogue, em Porto Alegre, nos colocavam em contato não com um ou dois filmes, mas com a obra dos grandes cineastas. Não apenas com os lançamentos, mas toda a cinegrafia dos grandes realizadores. Claro que muita coisa boa, por ser independente demais, alternativa demais, ficava de fora. Os filmes de Paul Morrissey, por exemplo. Quando fui morar em Paris no começo dos anos noventa é que tive o prazer de aprecia-los. Eu só conhecia o cult Mixed Blood de assistir em vídeo ainda em Porto Alegre, graças à maravilhosa locadora Espaço Vídeo, que foi responsável pelo preenchimemto de importantes lacunas da minha cultura cinéfila. Nesse filme, Marília Pera arrasava com a traficante latina Rita La Punta, em mais uma de suas inesquecíveis atuações. Mas, voltando a Paris do começo dos anos noventa (e aos filmes de Morrissey), comecei pela trilogia Flesh, Trash e Heat nos quais a beleza de Joe Dallessandro é celebrada microscopicamente e frame a frame. Recém-chegado do sul do Brasil, com minha cabecinha ainda se abrindo para a grandeza do mundo, tudo me encantava, me estupefava, me colocava em xeque. Viva o cinema! Depois veio Lonesome Cowboys, a incursão satírica de Morrissey e Andy Warhol pelo western americano e outros de que não me lembro agora. Era tanto cinema, tantos cineastas e filmes, tanta coisa inédita para mim, todo um mundo a descobrir, toda uma Paris efervescente e etc. Morrissey foi o parceiro de Warhol em suas incursões pela sétima arte. Tudo o que saía da Factory de Andy Warhol vinha envolto em glamour, mas um glamour nada mainstream, era um glamur que abrangia "do Hight Society ao Underground", para citar meu personagem cult da terça Insana, Emiliano Salvatori. Alguém comentou esses dias numa postagem minha de rede social que "os anos oitenta estão acabando", o que concordei e acrescentei: os noventa também. E é normal que assim seja, para a frente é que se anda. Mas que dá dó, dá... Nas fotos, os cowboys solitários Morrissey & Warhol e Joe Dalessandro no cartaz de Trash.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

MUNDO PISTACHE

De repente o mundo foi invadido por pistaches. Lembro que desde criança esse sempre foi meu sabor preferido de sorvete. Mas era só isso, um sabor de sorvete. Depois, já adulto, vim a conhecer o pistache em si, propriamente dito, salgadinho e com a casca entreaberta, que a gente passa mais tempo descascando do que comendo… Até que, de uns tempos para cá, o pistache entrou na moda e agora tudo é de pistache. Virou febre. O sorvete, que já era de pistache, ganha um banho de pistache moído, como se fosse empanado em pistache. Bolos, tortas, doces, picolés, mousses, macarons, mil folhas, brigadeiros, canolis, biscoitos, tudo, absolutamente tu-do de pistache. Ele atingiu o seu auge, seu paroxismo, sua apoteose. Essa saborosa oleaginosa foi promovida, elevada à décima potência, virou uma espécie de Bruno Mars da gastronomia. E já aponta para a banalização: a Bauduco lançou waffle recheado de pistache, o Habibs tem casquinha de pistache e a Cacau Show tem agora o festival do pistache. Chegou no camelô, como gosto de dizer. Ou “virou bunda”, como dizia meu saudoso amigo Marcelo Pezzi… (Na decoração e na moda ele já virou nome de cor e está em todas as paletas: De vestidos, bolsas e sapatos até estofados, paredes e cortinados). Lembram do tomate seco, que bombou no começo dos anos 2000? Até sushi de tomate seco fizeram! Pois é, to só esperando o temaki frito e a pizza doce de pistache. Como diria minha personagem Betina Botox, vamos dar um tempo pro pistache? P.S. Me permiti esse texto leve & bem humorado para dissipar as brumas em que me encontro envolto desde ontem após assistir ao novo filme de Almodóvar, O Quarto ao Lado. Não é para os fracos como eu. Mas, mesmo assim, imperdível. Na foto, sorvete libanês banhado em pistache da Bachir.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

OLHOS FELIZES

Quando um poeta morre uma luz se apaga ou uma estrela passa a brilhar no firmamento? Uma porta se fecha ou uma janela se abre para o infinito? É uma flor que murcha e se despetala ou uma semente que germina e desabrocha em nova floração? É tudo isso e muito mais. Pra sempre e mais um dia, para citar o próprio. Antonio Cícero morreu hoje na Suíça, onde se submeteu a uma morte assistida; uma eutanásia, em bom português. Por aqui esse ainda é um assunto tabu. Somos cristãos demais, medrosos demais, conservadores demais. Mas aos poetas tudo é permitido. Eles transformam a própria existência em poesia. A própria morte também... (A carta de despedida que ele deixou para os amigos já circula na internet e é pura poesia). Quem me conhece sabe o leitor voraz que sou. Mas sabe também que sempre preferi a prosa à poesia. (Exceções feitas a Mario Quintana, Álvares de Azevedo, Fernando Pessoa, Baudelaire e Cecília Meirelles, entre outros). Só que a minha geração, que foi jovem nos anos oitenta, deve muito do seu contato com a poesia à música popular brasileira. E foi através dela, mais especificamente dos discos de Marina Lima, que tive contato com a obra de Antonio Cícero, irmão da cantora e compositora. Versos como "existe alguém pra quem eu sempre retorno; ninguém no mundo faz o que ele me faz; tanto romance, tanta graça e pornô: é o meu amor" ficaram gravados pra sempre na minha memória e na de muitos que foram jovens naquele tempo. Mas não vamos falar em tempo, poetas são atemporais. Cheguei a viver no mesmo tempo de Mario Quintana, um dos meus prediletos. E mais, vivi na mesma cidade que ele e o encontrava, não raro, pelo centro de Porto Alegre. Na Rua da Praia, na Praça da Alfândega, na sede da Companhia Jornalística Caldas Júnior, onde minha irmã Rita, recém formada jornalista, trabalhava. Depois ele partiu, mas seus versos ficaram, os vários autógrafos e dedicatórias que ele me deu ficaram também... Poetas são perenes, constantes, infindáveis. Seus olhos vêem o mundo pela lente da poesia: "Eu gosto de olhar o mundo, não ligo pro que dizem, meus olhos são felizes" dizia Cícero no segundo LP de Marina. Poetas não deixam de existir, tão somente transmutam em verso. Antonio Cícero não morreu. Apenas fez jus ao título que lhe deu a Academia Brasileira de Letras: tornou-se, de fato, imortal... "As coisas não precisam de você. Quem disse que eu tinha que precisar? Dorme, meu menino, dorme. Não vou prender você, não sou sua residência. Você ainda vai ser fogo e depois ausência... Só vou te contar um segredo: nada de mal nos alcança; pois tendo você, meu brinquedo, nada machuca nem cansa... Fecha aspas. Nas fotos, Cícero só e acompanhado da irmã Marina. Meus mais profundos sentimentos a ela.

domingo, 20 de outubro de 2024

GERTRUDE STEIN

Retomei pela enésima vez a leitura de A Autobriografia de ALice B. Toklas, de Gertrude Stein. O leitor pode se perguntar: como assim, a autobiografia de uma pessoa escrita por outra? Pode? Em se tratando de Gertrude Stein, sim, pode. Fico me perguntando o que me faz interromper sempre a leitura dessa obra e mais, o que me faz sempre voltar a ela. Acabo achando, na maior parte das vezes, que o que me atrai nela não é a leitura em si - o estilo, a obra propriamente dita - mas, sim, toda a atmosfera que ela envolve e, principalmente, os personagens. Gertrude viveu em Paris na primeira metade do século vinte e foi uma espécie de ímã, um centro gravitacional em torno do qual circulavam os grandes expoentes da arte moderna que surgia naqueles anos loucos. Isso certamente torna a obra atrativa para mim. Bem mais do que as suas longas frases quase sem vírgulas e as repetições, sim, as repetições que de tanto se repetirem acabam cansando. E que também tornaram célebre a sua frase "uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa... Me cansa também ficar constantemente interrompendo a leitura para ir ao Google verificar quem foi determinado artista ou autor, determinada pintura ou obra literária, posto que o texto é uma enxurada sem fim de citações e eu, curioso que só, preciso saber na hora a quem ou a quê a autora se refere... Mas, elucubrações à parte, o resultado é sempre positivo e desta vez já consegui passar da metade. O mesmo aconteceu quando li uma outra obra desta autora intitulada Paris, França. Nela, a mesma e fascinante entourage de gênios das artes plásticas e da literatura são o principal atrativo para mim. Sabe uma pessoa bem relacionada? Gertrude e Alice, sua companheira de toda a vida, recebiam em seu apartamento térreo da Rue de Fleurus todos os sábados a nata da nata dos artistas que eram atraídos à cidade luz e alguns franceses também. Adoro essa expressão, "a nata da nata", que meu saudoso professor Ivo Bender usava para se referir a nós, seus alunos preferidos... Pois a nata da nata de então eram ninguém menos do que Picasso, Matisse, Braque, Éric Satie, Ernest Hemingway, Juan Gris, Apollinaire, Picabia, Ezra Pound e James Joyce, para citar alguns. As paredes do apartamento da Rue Fleurus eram cobertas do teto ao chão por obras dos grandes expoentes da arte moderna. Dentre elas, o famoso Retrato de Gertrude Stein, de Picasso. Que, quando ele deu por terminado, Gertrude teria dito: Mas não se parece comigo, Pablo. E ele teria respondido: Mas vai parecer, Gertrude... Essa Paris boêmia me fascina e sonho ter participado daqueles salões frequentados por artistas que Woody Allen tão bem retratou em seu filme Meia Noite em Paris. Quem sabe um dia eu, assim como fez Gertrude Stein, ainda acabe trocando São Paulo por Paris definitivamente? Sonhar não custa nada! Enquanto isso não acontece, vou me deleitando com a leitura desta autobiografia... Nas fotos, Gertrude & Alice na sala do apartamento da Rue Fleurus, o famoso Retrato de Gertrude Stein, de Picasso e a capa da luxuosa edição da autobiografia pela Cosacnaify.

domingo, 13 de outubro de 2024

TOUJOURS EVINHA

Sou fã da cantora Evinha desde a infância. Lembro dela cantando Luciana na televisão, se não me engano em algum daqueles festivais da canção. Lembro também de mim, com uns seis, sete anos de idade, cantando essa cantiga num dos meus teatrinhos no porão da minha casa em Soledade… Faz muito que Evinha vive em Paris, cidade que amo de paixão e onde viveria se tivesse a opção de trocar a minha Sampa por ela. Não posso, não tenho essa opção. Mas sempre que Evinha vem a São Paulo, lá estou eu na plateia a aplaudi-la… Tenho vários de seus LPs e amo quando ela canta Beatles, por exemplo. Já disse aqui, e torno a repetir, ela é o nosso Michael Jackson. Esse fim de semana tive o prazer de vê-la se apresentar aqui em São Paulo no Blue Note, essa casa aconchegante onde a gente vê os artistas de perto enquanto toma um drink e belisca algum petisco. Adoro ir ao Blue Note por isso tudo e também porque é perto da minha casa, vou e volto à pé, e aproveito para apreciar a arquitetura do Conjunto Nacional, que é onde fica a casa, e sua vista impactante da Avenida Paulista. (Eu pensava que o edifício fosse uma criação de Niemeyer. Só recentemente descobri que é de autoria do arquiteto David Libeskind). Mas, voltando a Evinha: nesse show chamado Uma Voz, Um Piano ela se apresenta acompanhada pelo pianista francês Gérard Gambus, que vem a ser o seu marido. Gérard tocou durante muito tempo com Paul Moriat. No show eles nos brindaram com antigos sucessos da carreira dela, algumas do disco que ela fez em homenagem a Guilherme Arantes e composições dos irmãos de Evinha que ficaram famosas nas vozes de outros artistas como, por exemplo, Wanderléa. Adorei que ela abriu o show com a canção Alguém Cantando, de Caetano, que no álbum Bixo ele gravou na voz de sua irmã Nicinha... Felizmente o casal costuma vir sempre ao Brasil (de seis em seis meses, como ela revelou no show) e a gente pode se deleitar com a voz dessa cantora tão amada pelo seu público. A prova desse amor foi a reação calorosa da plateia durante o show e a enorme fila que se formou após a apresentação para cumprimentar e tirar fotografias com a dupla. Eu, claro, aproveitando minha nova condição de idoso, fui um dos primeiros… Nas fotos, Evinha e Gérard em cena, a Paulista vista da varanda do Blue Note e eu tietando o casal.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

SEPTEMBER DUMP

O mês de setembro acabou deixando um gostinho de quero mais. Teve a florada dos ipês brancos na Oscar Freire e redondezas, enchendo de graça e beleza as ruas dos jardins; teve a dança vertical do Grupo Ares, coreografada pelo Weidy na fachada do Teatro Paulo Eiró, integrando a programação do Festival de Choro e Jazz; assisti ao espetáculo Gostava Mais dos Pais, com os talentosos Bruno Mazzeo e Lucio Mauro Filho, que ao final faz uma bela homenagem aos comediantes brasileiros, desde os primórdios até hoje em dia. Fiquei tocado quando me vi projetado no telão junto aos colegas da Terça Insana… Conheci, por indicação da newsletter de Joyce Pascowitch, a escritora japonesa Yoko Okawa, de quem já me tornei fã; flanei pela Paulista ao entardecer antes de encontrar Luis Artur Nunes para mais uma de nossas happy hours; e essa, diga-se, foi no agradabilíssimo Los Perros Vinho no Boteco, que vale a pena conhecer; tive o privilégio de assistir ao espetáculo Norma, com Nivea Maria e Rainer Cadete, e fiquei emocionado de ver Nivea no palco pela primeira vez; lá estava também na plateia Walcyr Carrasco, que abordei no melhor estilo tiete e fiz uma selfie avec; tive o desprazer de assistir Datena e Pablo Marçal se engalfinharem em pleno debate político na TV Cultura, uma cena patética digna dos tempos bizarros que vivemos. Deu até saudade de Marta Suplicy mandando Maluf calar a boca e de Aécio Neves dizendo para Dilma “a senhora está sendo leviana” rsrsrs… Fui brindado com a estreia de mais um Woody Allen, dessa vez filmado em Paris, com atores franceses, falado em francês, parecendo ter sido feito sob medida para mim; reencontrei os queridos amigos Tude Bastos e Claudio Murakami para drinks em um bar gay (nem sabia que isso ainda existia) em pleno centro da cidade chamado Lord Byron. Amei a frequência 60 +. Há longevidade na vida gay bohemian! Inesquecível… Bati pernas com o Weidy no Festival Pinheiros, uma feira gastronômica com bandas tocando em diversos palcos, barracas de comida e bebidas, gente bonita e muito sol no domingo de primavera em que fiz foto com o governador do meu estado, Eduardo Leite, de quem sou admirador. Más línguas dirão que é só pela beleza, mas é pelo conjunto da obra… Fui, com meu amigo Edson Cordeiro, assistir ao musical Hairspray, um show de talentos encabeçado por Thiago Abravanel e pelo impagável Lindsay Paulino. Diversão garantida… Nossas orquídeas deram um show de floração simultânea na sacada e a irmã do Weidy, Zelma, que mora na Noruega, veio nos visitar. Assisti, com o coração na boca, à série Monstros, na Netflix, que traz Javier Barden em interpretação impressionante. Vale muito assistir. Para fechar o mês com chave de ouro, fomos assistir nossa amiga Anna Gelinskas arrasar cantando jazz e chanson française acompanhada de um trio (piano, contrabaixo e bateria) no interessante Cine Clube Cortina, no centro da cidade, ao lado da Casa do Porco… Um inesquecível mês de setembro que já entrou para a minha história. Que outubro nos seja leve! Nas fotos, entardecer na Paulista, uniforme do bar Los Perros, a pista de dança do Lord Byron e a diva Anna Gelinskas.

sábado, 28 de setembro de 2024

COUP DE CHANCE

O novo filme de Woody Allen, Golpe de Sorte em Paris, me levou de volta ao cinema. É claro que fui no primeiro dia e, naturalmente, na primeira sessão. Só Woody Allen e Pedro Almodóvar ainda conseguem fazer isso comigo… A cada nova película lançada por esses dois cineastas me transformo naquele jovem morador do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, que corria para o Cine Baltimore para assistir a mais um Felinni, um Bergman, um Fassbinder ou um Jabor… Mas voltando a Golpe de Sorte, mais uma vez Woody Allen nos brinda com Paris, La Ville Lumière. Só que, diferentemente de Meia Noite em Paris, em que mostrava personagens que eram turistas americanos na cidade, nesse novo filme ele traz personagens que são parisienses. E mais: ricos. Consequentemente, a cidade se transforma em um cenário completamente diferente daquele. No lugar dos cartões postais mostrados no primeiro, vemos uma Paris sofisticada e nada turística. A começar pelo encontro dos personagens centrais, que não se viam desde os tempos de colégio, em plena Avenue Montaigne, em frente ao Théâtre des Champs-Élysées. E se para nós mortais Paris em si já é chic, imagine a Paris dos parisienses ricos… Não pretendo fazer aqui uma análise crítica da obra, nem caberia, pois não sou crítico de cinema. E também, sendo fã incondicional de Woody Allen como sou, ficaria no mínimo um tanto suspeito e totalmente parcial. Quero contar algo excepcional que aconteceu logo que saí da sala de cinema... Caía sobre Sampa City uma chuva fininha, fazendo jus à alcunha de Terra da Garoa. Bem em frente ao cinema tem um ponto de ônibus e me joguei no primeiro que vi, que já estava parado ali, em plena Avenida Paulista no final de uma tarde de primavera. Assim que paguei e me sentei, sentou-se ao meu lado uma senhora que já foi logo dizendo: Esse filme que acabamos de assistir eu já tinha visto um outro igualzinho durante a pandemia, na Netflix! Oi? Ah, a senhora também estava no cinema? Respondi espantado. Sim, prosseguiu a denunciante, quando o filme começou eu já lembrei de tudo! Até o final, o que aconteceu com a mãe dela, o detetive, tudo! Mas não se trata de um remake, defendi. A obra é inédita, escrita e dirigida por Woody Allen. Igualzinho, insistiu a idosa. A senhora está sugerindo que ele plagiou um filme já existente? Não sei, não lembro o nome do filme, mas vou perguntar pra uns amigos meus que assistem muito Netflix! Eu assisto muito Netflix e não vi esse filme, tentei dissuadi-la. Igual, igualzinho, repetia ela como em um transe. Fiquei me perguntando o que se passava na cabeça daquela mulher, que espécie de hater era ela, assim, toda real, física e sem a proteção do anonimato das telas digitais... Felizmente meu ponto chegou e desci do ônibus deixando a velha a blasfemar sozinha. Ela, qual Mia Farrow, só estava interessada em denegrir a imagem do gênio da sétima arte. Ainda bem que sempre teremos Paris (e sempre teremos Woody Allen). Sobem créditos finais ao som de Dave Brubeck Quartet… Na foto, o ator Melvil Poupaud em cena de Golpe de Sorte em Paris.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

MEU CARO AMIGO

Perdoe, por favor, a minha ausência aqui no blog. Não é que eu não tenha nada para contar, compartilhar ou mesmo ostentar, como muitos fazem por aqui. Felizmente a cidade segue interessante e eu, interessado. Você me conhece muito bem e sabe da minha interioridade ricamente povoada com a qual me auto-satisfaço. Tenho cá meus recantos, meus livros, discos e drinks que aprecio com boa música e luzes indiretas. Do lado de fora também não posso me queixar: as opções são tantas que não cabem no orçamento. Sei que você conta com minhas inserções blogueiras para se atualizar e se inspirar desde que se mudou daqui. Mas a verdade é que ando um tanto refratário, impermeável à inspiração. E a escrita sem ela corre o sério risco de se tornar maçante. Quando não pueril, mecânica, irrelevante. Cá entre nós isso é tudo o que não queremos na vida… Saiba, meu caro amigo, que as suas visitas físicas aqui na Pauliceia também me fazem muita falta. Você era minha companhia mais assídua para assistir a shows e peças de teatro. Mesmo quando já não morava mais aqui. Venha mais, por favor… Sigo lendo bastante. Agora mesmo terminei a leitura de uma autora japonesa que você vai adorar: Yoko Ogawa. Comecei por um volume com três novelas: A Piscina, Diário de Gravidez e Dormitório (essa última é no mínimo perturbadora). Ela tem mais três romances traduzidos para o português: O Museu do Silêncio, A Fórmula Preferida do Professor e A Polícia da Memória (veja se você os encontra aí na Soterópolis). Estou louco para ler todos, assim como estou contando os dias para a estreia do novo Woody Allen rodado em Paris, falado em francês e com atores franceses… Ando alternando estados de humor, transito entre o entusiasmo e a preguiça, a esperança e o desalento, fico feliz e triste, cozinho, lavo louça, organizo armários e arquivos, não faço nada, durmo, perco o sono, faço ginástica, revejo antigas fotografias, álbuns com recortes de meus trabalhos na imprensa, separo roupas e objetos para doação (uns eu doo de fato, outros não consigo), vejo e revejo incontáveis vezes todas as temporadas de Emilly in Paris (aloka), me esforço para ficar a semana inteira sem beber (às vezes só consigo me segurar até a quinta-feira; cá entre nós, outras vezes só até quarta), sou compreensivo com as pessoas e suas manias, ideologias, crenças, pautas e militâncias. Se bem que às vezes tenho vontade (lá no fundo) de fazer o Datena e dar cadeiradas por aí. Rsrsrs… Felizmente esse ano tem feito bastante frio e, nessas ocasiões, minha gatinha dorme grudada em mim. Passo horas do dia fazendo carinho nela... Sinto falta de amigos com quem conversar, rir, sair e me divertir. E de alguma festa pra espantar o tédio. Assim eu não ia ficar tão macambúzio, meditabundo, ensimesmado… Espero que a gente se reencontre logo. Te abraço e te beijo com saudades. Axé e à bientôt!

domingo, 4 de agosto de 2024

JUNTOS & AO VIVO

A recente divulgação massiva da mega turnê dos irmãos Maria Bethânia e Caetano Veloso, retomando a dupla que fizeram quarenta e seis anos atrás, me pos a pensar no quanto o tempo passou depressa de lá para cá... Sim, eu assisti ao antológico show dos irmãos que virou LP gravado ao vivo. Corria o ano de 1978 do século passado, eu contava verdes quinze aninhos de idade e fiz minha irmã Rita me levar ao Teatro Leopoldina para assisitr àquele encontro que eu não podia perder por nada no mundo... Lembro até hoje do quanto me encantaram os figurinos e a cenografia: Tudo remetia ao mar, à terra, conchas, troncos, bandeiras, pipas, tudo bege, tudo cru; e, claro, as performances de Caetano e Bethânia que, juntos e ao vivo, eram algo totalmente fora do jamais imaginado por mim... Lembro também do quanto me surpreendeu o repertório do show, com Bethânia cantando O Leãozinho, sucesso de Caetano, e ele cantando Carcará, hit da irmã; os duetos Maninha e João e Maria, de Chico Buarque, e Meu Primeiro Amor, de Cascatinha e Inhana; Caetano se declarando para a irmã em Maria Bethânia, de Nelson Gonçalves, e Bethânia arrebatadora as allaways em Falando Sério, hit do rei Roberto Carlos... Fiz fotos com a minha Olympus Trip 35 (com flash na cara dos artistas) e obriguei a Rita a ir comigo no camarim para pegar os autógrafos. Lembro que Bethânia recebia os fãs toda linda num quimono de cetim vermelho todo bordado e Caetano, encolhido a um cantinho, parecia morrer de frio no inverno gaúcho com um blusão de lhama... A tal divulgação massiva a que me referi no começo do post, e com massiva quero dizer em todas as plataformas (digitais ou não) possíveis, me fez pensar não apenas na rapidez da passagem do tempo, mas também, e sobretudo, no quanto não me interessam esses mega shows de agora. Nos quais a gente não vê nada nem ouve nada direito. Quem se dispõe a ir até os grandes espaços onde são apresentados acaba assistindo a tudo por um telão de LED. Se é para ver no telão, prefiro a tela da minha TV no conforto da minha casa. Aquela emoção de ver os artistas de perto, em um teatro, sentado em uma poltrona e depois ir até o camarim é algo que ficou no passado. Uma pena. Mas, como tudo hoje em dia, o show biz precisa faturar... Fico com minhas memórias! Na foto, Bethânia e Caetano pela lente da minha Olympus.

sábado, 20 de julho de 2024

UIVO POÉTICO-MUSICAL

Existe vida em Marte? Esse é um dos questionamentos levantados por Cida Moreira e Helio Flandres no show Uivo, a que assisti essa semana na adorável casa de shows Bona aqui em São Paulo. A pergunta refere-se à canção Life on Mars, de David Bowie, e o título do show, evidentemente, ao poema de Allen Ginsberg. É por aí que o roteiro de Cida e Helio trafega, trazendo junto Angela Ro Ro, Jards Macalé e Wally Salomão, composições do próprio Helio mais Eduardo Dusek, Brecht/Weill e muito mais. Cida no piano, Helio no trompete, harmônica e violão. Impossível não embarcar nessa viagem repleta de referências a todos os rebeldes & malditos (para citar a famosa coleção da editora L&PM dos anos oitenta). Cida Moreira, inspiradíssima, diz gostar de dividir o palco com jovens artistas porque quando achou que iria ensinar alguma coisa foi quando começou a aprender. Mesmo assim nos brinda com sua aula magna de atuação musical performática. Helio, reverente à mestra e referência inspiradora, encanta com sua explosão de talento e vigor cênico/musical. Cida, a mestre de cerimônias do cabaret. Helio, o chansonnier. Garçon, mais um drink por favor! Eu vi as mentes mais brilhantes da minha geração destruídas pela loucura, diz o poema de Ginsberg. Cida enaltece os representantes da contracultura, contra tudo, contra os bonitinhos, os certinhos, os enquadrados. Até que a noite termina com o belíssimo Youcali Tango, de Brecht e Weill, em belíssimo dueto... Tudo já foi dito sobre Cida Moreira, por mim inclusive, minha musa master, salve, salve! Mas é preciso que se diga sobre Helio Flandres: Uma mistura de Chet Baker com Tito Madi; pensando bem, não, porque eles cantavam mais suave e Helio tem vozeirão. Mas não é um vozeirão à la Nelson Gonçalves ou Orlando Silva e sim um vozeirão moderno, possível e contemporâneo. Sem falar que toca o violão com uma malemolência, as mãos deslizando sobre o instrumento. E os dois (Cida e Helio) tem química, ah como tem… Então assistam, assim que for possível, a esse incrível encontro musical e performático. De preferência em uma casa como o Bona, onde a gente pode beber durante o show. Tenho certeza que serão tocados de forma indelével… Nas fotos, feitas por mim, Cida & Helio em P&B, que acho mais chic.

terça-feira, 9 de julho de 2024

SAMBA-CANÇÃO

Me desculpem, queridos leitores. Sei que ando ausente do blog. Crises. Pessoais. Sociais. Mundiais. Crise é o que não falta, né? Sem falar na crise da terceira idade, que venho vivendo na pele (literalmente rs)... Hoje eu quero a rosa mais linda que houver. Quero a primeira estrela que vier, para enfeitar a noite do meu bem. A verdade é que estou preso na leitura de A Noite do Meu Bem, A História e as Histórias do Samba-canção, do incomensuravelmente superlativo Ruy Castro, salve, salve. O livro - melhor seria dizer o tratado - remete a um Brasil glamurizado pelas referências do cinema americano, do jazz e dos night-clubs, nos quais a vida dos bacanas começava às sete, oito horas da noite e só acabava na manhã do dia seguinte. Nesse interregno desfilavam os maiores talentos musicais possíveis e imagináveis, gente da melhor estirpe, coisa rara nos dias de hoje. Do naipe de Dolores Duran, Dorival Caymmi, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Dick Farney, Johny Alf, Tom Jobim, para citar apenas alguns. As boates bombavam (para usar uma expressão atual) e o Rio de Janeiro tinha tantos jornais vespertinos e matutinos que seria impossível alguém conseguir ler ou assinar todos eles. Não haveria horas suficientes no dia para tanta leitura. Bem diferente de hoje em dia, não? Mas aí já seria assunto para um outro post... O fato é que a leitura desta obra, além de me manter preso a ela, me prendeu também no álbum de Maria Bethânia chamado Recital na Boate Barroco. Ouço esse disco repetidas vezes ao longo do dia. O clima das boates de Copacabana (assunto central da obra de Ruy Castro) está todo nele representado. As letras das canções reforçam tudo o que o livro retrata. Claro que a vida segue e eu também a vivo em toda a sua plenitude de banalidades. Das mais relevantes às mais comezinhas. Vou à academia treinar, faço supermercado, pago contas, cozinho, lavo muita louça e também me propicio alguns pequenos deleites como drinks, shows e peças de teatro. (Por falar em peças de teatro, não aguento mais atores e atrizes globais falando que "os teatros estão lotados, fervendo no Rio e em São Paulo". Lotados para eles. Para os mortais que só fazem teatro eles continuam vazios). Como podem ver, de tédio não morrerei, definitivmente. Não enquanto o sistema capitalista me permitir trocar dinheiro por cultura, arte, gastronomia, turismo (cada vez menos), drinks e toda a sorte de entretenimento... Diferentemente de Dolores Duran e companhia, que morriam cedo de tanto fumar e beber noites afora, eu pretendo esticar a minha permanência por aqui. Pois, como diz o samba-canção Se o Tempo Entendesse, de Marino Pinto e Mario Rossi: "Odeio os ponteiros que correm se estamos perto, odeio os ponteiros que param se estamos longe. As horas torturam quem ama, correndo ou custando a passar. Se o tempo entendesse de amor devia parar"... Por enquanto era isso, queridos leitores. Aos poucos, se Deus quiser, vou voltando a dar as caras por aqui. Bom inverno a todos! Na foto, Dolores Duran, nossa Ammy Winehouse que morreu aos 29 aninhos de pura boemia.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

DIÁRIO DA PRAIA

Viemos passar o aniversário do Weidy na praia, em Camburi, no litoral norte de São Paulo. É uma praia que amo e que frequento há muitos anos, desde que me foi apresentada por minha amiga Cátia, que era garçonete do Ritz e se mudou para cá. Desde que vim visitá-la pela primeira vez me apaixonei; hoje a Cátia mora na Austrália e eu continuo vindo para Camburi sempre que posso… A praia nessa época do ano - inverno, teoricamente - é bem mais low profile do que no verão; mais tranquila, menos gente e, consequentemente, menos mau gosto. Uma coisa que adoro em Camburi é que as cadeiras de praia e os guarda-sóis são gratuitos. Você pode usar à vontade e paga somente o que consumir na barraca. Acho digno. Diferente do Rio de Janeiro, por exemplo, onde você mal coloca o pé na areia e já é extorquido… Aqui em Camburi a praia é monitorada e aquelas odiosas caixas de som são proibidas. Foi com incontida felicidade que presenciei um dos monitores da praia abordar um grupo que se instalara perto de mim com uma delas em alto volume logo cedo pela manhã e obriga-los a desliga-la. Ainda existe esperança na humanidade… As mães de família usam biquínis enfiados no rego, com a bunda toda de fora, e todo mundo acha normal. Ninguém tem problema nenhum de explicar para as crianças porque a mamãe ou a titia estão com a bunda de fora. Essas mesmas mamães e titias acham Madonna pornográfica e imprópria para menores. Até concordo, Madonna nunca foi Xuxa para baixinhos; mas aí é uma questão de controlar o que as crianças podem ou não assistir; pelo menos ela não fica se expondo na praia, impondo suas partes pudendas a quem quiser apreciar… Em um passeio que fizemos a um parque de cachoeiras na praia de Boiçucanga, que fica aqui ao lado de Camburi, encontramos um grupo de rapazes gays bem jovens, provavelmente estudantes universitários, que me surpreenderam pela simpatia e bom gosto. Me pediram para fotografa-los e, quando pensei que me dariam um iPhone última geração, um deles me entregou sua máquina fotográfica! Achei chic e vintage. Esse mesmo grupo, ao nos encontrarmos pela segunda vez, ouvia Evinha no celular. De novo chic e vintage. De novo esperança na humanidade… Comemoramos o niver do Weidy com fogueira, cachorro-quente, bolo, espumante, paçoca e pé-de-moleque. Bem no estilo festa junina, já que ele faz anos no dia de São João... E assim passam os dias, com muito sol e temperatura amena, e as noites, com muitas estrelas, lua cheia e vento tépido. Mais ou melhor eu não podia esperar… Nas fotos, registros do meu celular à beira-mar.

domingo, 16 de junho de 2024

ADIEU, FRANÇOISE HARDY!

Abro o instagram pela manhã e uma postagem dos artistas/fotógrafos franceses Pierre et Gilles apresentava uma imagem belíssima da cantora Françoise Hardy ainda jovem ao som de seu hit Comment te Dire Adieu. Volto no tempo não sei quantas casas... Eu morava na rua Garibaldi, em Porto Alegre. Meu professor Alziro Azevedo morava na Santo Antônio, paralela à minha rua. Alziro tinha uma invejável coleção de LPs. Dentre eles, um especial para mim, de Françoise Hardy. Eu já era louco por ela desde a mais tenra idade, quando escutava La Question, trilha sonora de alguma novela da minha infância, na rádio Cristal de Soledade, provavelmente no rádio da Variant do meu pai estacionada em frente à nossa casa. Ou no meu toca-fitas, que registrava tudo o que a rádio tocava, inclusive alguns comerciais... Depois, muito depois, já na Paris dos anos noventa, eu descobri que a canção Comment te Dire Adieu, que eu amava na versão de Jimmy Somerville com os Comunards, era também um hit dela dos anos sessenta... Pois o saudoso professor Alziro me emprestou esse LP de Françoise Hardy que gravei em fita K7 (mileniuns, por favor, dêem um Google) e essa fita me acompanhou por muito tempo no Walkman (Google again) por onde quer que eu fosse... Françoise Hardy nos deixou essa semana. Todos os meninos e meninas da minha idade choram a sua partida. Tous les garçons et les filles de mon âge font ensemble des projets d'avenir. Et les yeux dans les yeux et la main dans la main... O mundo anda chato, careta e dividido. Direitos a duras penas conquistados estão correndo o risco de serem extintos. Tentativas de retrocesso encontram cada vez mais espaço para se estabelecer. E a cidade de Paris está cada vez mais distante do meu sonho de jovem: Ano que vem fará dez anos que não a visito... Ícones do pensamento liberal e progressista nos deixam a cada dia. Artistas perdem cada vez mais importância na sociedade de consumo. O que será que vamos idolatrar no futuro? Ou quem? Jovens milionários? Influencers? Tiktokers? Tenho até medo de imaginar... Para terminar citando Françoise Hardy, espero ter o coração feliz sem medo do amanhã... Na foto, la jeune Françoise par Pierre et Gilles.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

SOUVENIRS DE PARIS

Nunca se falou tanto em Paris na mídia como agora que as Olimpíadas se aproximam. Só que para mim isso começou há muitos anos... Aliás, pode-se dizer que tudo já foi dito sobre Paris. Não apenas dito, mas também cantado, pintado, fotografado e filmado. Ela está em Hemingway e em Cole Porter; em Toulouse Lautrec, Man Ray e Gertrude Stein; está em Stanley Donen, Richard Quine e Woody Allen. E também na memória de todos os que nela moraram, namoraram, viveram um grande amor ou mesmo a visitaram apenas uma única vez. Paris é de fato inesquecível. Com suas belezas e feiúras… Recentemente me caiu às mãos um romance de Julio Verne chamado Paris no Século Vinte. O autor, famoso por suas antecipações do futuro, das invenções e da tecnologia, antevê em pleno século dezenove o que se tornaria a capital francesa no século seguinte. Com espantosa fidelidade! Entre os romancistas contemporâneos me encantam muito Paula McLain e seu Casados com Paris, livro que retrata o amor, a traição e a ambição do jovem Ernest Hemingway e sua primeira esposa nos anos loucos da Paris do início do século passado; e também Marc Lévy, com o romance P. S. de Paris, que narra as aventuras amorosas de uma atriz inglesa e um escritor americano que buscam mudar suas vidas na Cidade Luz… Não me canso de rever o filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen, assim como Cinderela em Paris e Quando Paris Alucina, ambos protagonizados por Audrey Hepburn e, claro, a série Emilly in Paris… Queria muito enjoar da cidade ou, como dizemos no Sul, “pegar nojo” de Paris. Assim não sentiria tanta falta de visitá-la, de flanar pelas suas ruas e redescobri-la a cada vez que lá voltasse. Queria implicar com seus garçons, geralmente mal humorados e sem paciência para qualquer tentativa de alteração do cardápio, com seus edifícios de seis andares sem elevador, com sua ausência de ar condicionado em pleno verão… Mas não posso, não consigo, é mais forte do que eu. Fico com as cerejeiras em flor, os gatos nas vitrines e telhados, os telhados, os barcos que deslizam pelo Sena, os acordeonistas de rua, os museus, teatros e galerias, os parques e jardins; os cafés com mesas na calçada, as coupes de champagne, os entardeceres em frente à Tour Eiffel... Sigo amando essa cidade que me arrebatou no começo dos anos noventa e, mesmo sem vê-la há nove anos, me mantenho fiel ainda que à distância… Espero que as Olimpíadas passem logo, a mídia esqueça um pouco da cidade e a multidão de estrangeiros vindos de todos os cantos do mundo a desocupe para que ela volte a ser só minha. Mesmo que seja apenas na minha imaginação… Nas fotos, eu novinho na Paris dos anos noventa, a Place des Voges e o Canal Saint Martin iluminado ao entardecer.

domingo, 14 de abril de 2024

O CIRCO CHEGOU

Essa semana que passou fui assistir ao espetáculo Cabaré Coragem, do Grupo Galpão, no Sesc Belenzinho. Era uma quinta-feira à noite, eu estava cansado dos ensaios da semana, essa unidade do Sesc é longe pra caramba, andei, peguei metrô, fiz baldeação na República, andei mais e finalmente cheguei. O importante aqui é que: Valeu a pena! Assim que o espetáculo começa, ou antes mesmo dele começar, a gente é levada a entrar no clima pelos atores que já circulam, oferecem bebidas, se comunicam com a plateia. A música é constante e super envolvente, descontrai, faz rir, não tem como não se entregar para a proposta. Que deleite esse espetáculo! Cida Moreira, que participou do processo de criação, já havia me antecipado que era o máximo. Pois é: Emociona, encanta, transporta para lugares recônditos da memória e, sobretudo, diverte. Uma troupe afinada e talentosíssima se reveza em textos, canções e instrumentos. Eu, que nasci e cresci no interior do Rio Grande do Sul, tive a sensação de que o circo havia chegado à minha pequena cidade. Ou que o velho teatro de lata estava outra vez em cartaz. Ou ainda que o meu teatrinho de garagem tinha voltado a cartaz... Eles sempre chegavam trazendo esse encantamento, essas surpresas, alegrias e emoções. E tudo o que eu via, assim que chegava em casa tentava reproduzir... Nunca esqueço de uma vez que vi passar um elefante em frente à minha casa, em Soledade, anunciando a chegada de um circo... Cabaré Coragem vai de Brecht e Weill a Calcinha Preta e Valeska Popozuda. Passando por Boris Vian, Rita Lee e Caetano Veloso. Inês Peixoto é a mestre de cerimônias, que conduz com maestria e versatilidade o show de variedades que a troupe apresenta, cantando, dançando e interpretando com talento que enche os olhos e a alma. Teuda Bara, a decana da toupe, personifica a propriétaire que, do alto da sua sabedoria e experiência, procura espremer o que pode de seus sonhadores artistas. Poético, singelo e pungente. Tão bom, mas tão bom quando um espetáculo de teatro consegue fazer isso com a gente. Comigo, pelo menos. Assisto a tantas coisas (cada vez menos) que deixam tanto a desejar. Já andava sedento dessa comunhão, dessa catarse. Todos os outros atores, Antonio Edson, Eduardo Moreira, Lydia del Picchia, Simone Odornes e Luiz Rocha tem seus momentos, encantam, surpreendem, realizam façanhas e arrancam aplausos sem ter fim. Fui às lágrimas com Teuda Bara cantando Mamãe Coragem, de Caetano, gravada por Gal. E também com a canção Perigosa, de Rita Lee, sucesso das Frenéticas, grupo do qual fazia parte minha saudosa amiga Lidoka. Que noite inesquecível de quinta-feira! Com direito a vinho, conhaque e cachacinhas... Longa vida ao cabaré do Grupo Galpão! Nas fotos, Teuda Bara, Inês Peixoto, Eduardo Moreira, Antonio Edson e a troupe toda agradecendo os merecidos aplausos.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

ABRIL A MIL

O mês de abril chegou me levando de volta à sala de ensaio! Graças a Deus. Já estava tendo síndrome de abstinência do palco...Retomei os ensaios do meu solo Caio em Revista que vai estrear no dia onze de maio aqui em São Paulo, no teatro Viradalata. Já não era sem tempo! Venho trabalhando neste projeto desde o ano de 2017. Foi quando comecei a pesquisar os textos, depois adaptei-os para o teatro, confeccionei o roteiro e veio a pandemia que fez com que tudo parasse. Em 2022 iniciamos o processo de montagem com ensaios alternados na casa do meu diretor Luís Artur Nunes e na minha. Em seguida começamos a apresentar os ensaios para amigos, ainda nas nossas casas. Nesse meio tempo, dois produtores nos inscreveram em editais e em prêmios nos quais não fomos contemplados. Até que no início desse ano eu disse para mim mesmo que de 2024 não passaria. E não passou! Arregacei as mangas e resolvi fazer o que fosse possível para tirar esse projeto da gaveta e jogá-lo no palco. Graças às contribuições inestimáveis de Luís Artur, Patrícia Vilela, Alexandra Golik, Émerson Brandt, Guto Lacaz, Mareu Nietsche, Claudia de Bem, André Omote, Cabral e Gerardo Franco consegui levantar o mínimo indispensável para a realização desse sonho, ainda que em caráter de work in progress... Sem falar que, para que eu tivesse acesso aos textos, totalmente inéditos em livro e apenas publicados em revistas dos anos oitenta, me abriram seus guardados Cida Moreira, Luiz Henrique Campos, Samuel Oliveira, Odilon Henriques, Marcos Breda e Humberto Vieira. Inestimável também tem sido a colaboração de Sylvia Moreira e Celso Frateschi nos cedendo o espaço do seu lindo Teatro Ágora para os ensaios. Como se pode ver, teatro definitivamente não se faz só, mesmo quando num caso como este, se trata de um monólogo... O que quero dizer aqui é que tenho andado afastado do blog, escrevendo pouco, por este nobre motivo: Em maio estarei de volta aos palcos! E, evidentemente, minha cabeça agora está totalmente voltada para isso. Logo darei mais notícias por aqui. E logo mais, no dia 25 próximo, irei comemorar meus sessenta e um anos de idade em Foz do Iguaçu, a convite de minha irmã Raquél. Volto em cima da hora de estrear. A gente vai se falando... Bom mês de abril a todos! Na foto, eu ensaiando Caio em Revista no palco do Teatro Ágora.

quarta-feira, 20 de março de 2024

SONATA DE OUTONO

Nasci em um dia de outono. Hoje começo, portanto, a viver o meu sexagésimo primeiro outono... É algo a ser celebrado. O outono é uma estação amena, de temperaturas agradáveis. (Pelo menos vinha sendo assim até aqui. Agora, com as mudanças climáticas, o aquecimento global, tudo pode ser esperado). Ainda assim, uma estação do ano que não nos expõe a rigores climáticos como os do inverno e do verão. De uns anos para cá tenho me identificado mais com essa época do ano. Acho que estou a viver o outono da minha vida. O sol aquece sem queimar. A luz outonal dos dias é clara e incide de maneira a ressaltar as cores e texturas das coisas. As folhas vão amarelando até avermelhar e se desprender das árvores voando num balé aéreo em direção ao chão. Les feuilles mortes, de Jacques Prévert... Quando fui morar em Paris, no começo dos anos noventa, cheguei na cidade em pleno outono. Os plátanos davam um show de beleza nas ruas. Bem, tudo era beleza e deslumbramento para mim naquela época. Mas a primeira imagem da Paris outonal ficou impressa na minha memória. Como um cartão postal de dias felizes... Espero que o outono que hoje inicia nos aqueça o coração. Nos traga esperança e força para ir em frente. Nos anime a semear sempre, para ter melhores colheitas futuras. Se trata de renovação, de deixar caírem as folhas mortas para novos brotos desabrocharem. Teremos também a Páscoa que, para além da chocolataria que nos engorda, simboliza o renascimento do criador. Enquanto escrevo essas linhas minha cabeça é invadida por uma profusão de memórias de outonos passados, que não caberiam aqui nesse post. E de canções, como a de Roberto Carlos, que diz: "as folhas vão caindo e eu choro baixinho; mas tenho a esperança que ela vai voltar; as folhas quando caem, nascem outras no lugar"... Bom outono a todos!

quarta-feira, 6 de março de 2024

PERFECT DAYS

Ao me sentar diante do computador para escrever esse post devo confessar que ainda não sei muito bem o que vou dizer. É sobre o filme Dias Perfeitos, de Win Wenders, a que assisti ontem à tarde. Uma tarde quente de verão, abafada mesmo, com um vento que anunciava a chuva que estava por vir. O filme começou e foi, aos poucos, me transportando para uma outra dimensão. Acho que é isso, mas poderia ser também outra realidade, outro tempo, outras possibilidades de se viver. Quem espera encontrar ação ou aventura nos filmes, por favor, não vá porque não tem. Nem romance ou suspense. Nem mesmo uma história com começo, meio e fim. Mas do que se trata então? Trata-se de um poema filmado. Poesia feita de imagens e de sons. Acompanhamos o dia a dia do personagem Hirayama, funcionário da companhia de banheiros públicos de Tóquio. Sua rotina. Sua maneira de observar o mundo em volta. Seus rituais, seus hábitos, seus gostos particulares. Sua maneira de se relacionar com os outros. O filme tem um ritmo próprio, diferente do que estamos acostumados. E a vida, no filme, também tem seu próprio ritmo. Para começar, quase tudo no universo do personagem é analógico: Os livros que lê, as fitas K7 em que escuta suas músicas; a máquina fotográfica com a qual registra sua visão da cidade; o som da vassoura da vizinha varrendo a calçada, que o desperta todas as manhãs... Hirayama não vive preso ao celular, oh, libertação suprema! Imagino que a maioria das pessoas não tenha tempo para dedicar duas horas das suas atribuladas rotinas a esse filme. Ocupadas que estão com coisas importantíssimas como expor as próprias vidas nas redes sociais, por exemplo. Mas é uma pena que assim seja. Perdem muito. O filme abre uma janela no cotidiano. Nos arranca da nossa vaidade, do nosso egoísmo autocentrado. Nos dá a percepção da nossa própria futilidade... Termina com Hirayama dirigindo seu furgão da companhia de banheiros públicos ao som de Felling Good, na voz de Nina Simone. Emocionado, ele ri e chora. Em silêncio, como fica durante quase todo o tempo do filme. A trilha sonora, diga-se, é maravilhosa... Quando a sessão acabou, um temporal varria a cidade e a enxurrada cobria as calçadas da Rua Augusta, que tinha se transformado em uma grande cachoeira. Fiquei parado na porta do cinema esperando a chuva acalmar. Os carros parados em fila tentavam subir em direção à Avenida Paulista. Muitos desistiam, retornavam e desciam a Augusta de volta. O que tornava o caos ainda maior. Me veio à mente a música de Éric Satie. Alguns textos de Caio Fernando Abreu. São Paulo sendo São Paulo. Eu sendo eu. A vida sendo ela própria... Na foto, o ator Kõji Yakusho, que vive Hirayama, no cartaz de Dias Perfeitos.