quarta-feira, 23 de outubro de 2024
OLHOS FELIZES
Quando um poeta morre uma luz se apaga ou uma estrela passa a brilhar no firmamento? Uma porta se fecha ou uma janela se abre para o infinito? É uma flor que murcha e se despetala ou uma semente que germina e desabrocha em nova floração? É tudo isso e muito mais. Pra sempre e mais um dia, para citar o próprio. Antonio Cícero morreu hoje na Suíça, onde se submeteu a uma morte assistida; uma eutanásia, em bom português. Por aqui esse ainda é um assunto tabu. Somos cristãos demais, medrosos demais, conservadores demais. Mas aos poetas tudo é permitido. Eles transformam a própria existência em poesia. A própria morte também... (A carta de despedida que ele deixou para os amigos já circula na internet e é pura poesia). Quem me conhece sabe o leitor voraz que sou. Mas sabe também que sempre preferi a prosa à poesia. (Exceções feitas a Mario Quintana, Álvares de Azevedo, Fernando Pessoa, Baudelaire e Cecília Meirelles, entre outros). Só que a minha geração, que foi jovem nos anos oitenta, deve muito do seu contato com a poesia à música popular brasileira. E foi através dela, mais especificamente dos discos de Marina Lima, que tive contato com a obra de Antonio Cícero, irmão da cantora e compositora. Versos como "existe alguém pra quem eu sempre retorno; ninguém no mundo faz o que ele me faz; tanto romance, tanta graça e pornô: é o meu amor" ficaram gravados pra sempre na minha memória e na de muitos que foram jovens naquele tempo. Mas não vamos falar em tempo, poetas são atemporais. Cheguei a viver no mesmo tempo de Mario Quintana, um dos meus prediletos. E mais, vivi na mesma cidade que ele e o encontrava, não raro, pelo centro de Porto Alegre. Na Rua da Praia, na Praça da Alfândega, na sede da Companhia Jornalística Caldas Júnior, onde minha irmã Rita, recém formada jornalista, trabalhava. Depois ele partiu, mas seus versos ficaram, os vários autógrafos e dedicatórias que ele me deu ficaram também... Poetas são perenes, constantes, infindáveis. Seus olhos vêem o mundo pela lente da poesia: "Eu gosto de olhar o mundo, não ligo pro que dizem, meus olhos são felizes" dizia Cícero no segundo LP de Marina. Poetas não deixam de existir, tão somente transmutam em verso. Antonio Cícero não morreu. Apenas fez jus ao título que lhe deu a Academia Brasileira de Letras: tornou-se, de fato, imortal... "As coisas não precisam de você. Quem disse que eu tinha que precisar? Dorme, meu menino, dorme. Não vou prender você, não sou sua residência. Você ainda vai ser fogo e depois ausência... Só vou te contar um segredo: nada de mal nos alcança; pois tendo você, meu brinquedo, nada machuca nem cansa... Fecha aspas.
Nas fotos, Cícero só e acompanhado da irmã Marina. Meus mais profundos sentimentos a ela.
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Belo post meu amigo. Antonio Cícero será sempre imortal.
ResponderExcluirAmém, Odilon!
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