terça-feira, 29 de dezembro de 2020

ÇA ME MANQUE

A foto que ilustra o post é do Instagram de Marie Anne Bruschi (@marieannebruschi), que tem um site de dicas de Paris. A visão desta imagem me encheu de melancolia e saudade. Ela reúne duas coisas que amo: Paris e grafitti. E ainda explicita o meu sentimento na frase grafitada: Eu te amo, em francês. Nada mais contemporâneo (a pichação ao lado) e cotidiano (a toalha estendida na janela). Tenho sido presenteado com verdadeiros tesouros nesse meu longo período de abstinência da Cidade Luz. Outro deles foi a descoberta do site drive and listen, dica do meu amigo Guilherme Rezende, através do qual você pode passear pelas ruas de Paris – ou da cidade que escolher – ouvindo uma rádio local ou os ruídos da rua. Esse foi quase lisérgico! E assim me abasteço dessa cidade que amo e que me faz tanta falta... Desde o ano de 2007 eu não ficava tanto tempo sem ir a Paris. Cinco anos! Uma eternidade para quem, como eu, é um eterno apaixonado. Tenho questões com a cidade até hoje não resolvidas, desde que morei lá no início dos anos noventa, o que me faz querer sempre voltar para ela... Outra coisa que me transporta para lá é a série Dix Pour Cent, do Netflix, cuja quarta temporada aguardo ansiosamente. Sem falar em Emmily in Paris... O título do post, Ça Me Manque, quer dizer literalmente isso me falta, sinto falta disso. Mas o sentido é de saudade mesmo, palavra que nós brasileiros temos o privilégio de ter na nossa inculta e bela Língua Portuguesa. Que bom que o ano já está terminando. Torço para que em 2021 eu consiga matar isso que está me matando: A saudade da minha amada Paname...

domingo, 27 de dezembro de 2020

RÉVEILLON

(Encontrei esse conto - de 1987 - inacabado em meus guardados. Resolvi terminá-lo agora e postar aqui.) Na penúltima noite do ano descolei 1g de cocaína. Importante ter cocaína na penúltima noite de um ano em que provavelmente estaria sozinho na última noite. Depois de um certo tempo – champanhe no gelo – ele chegou. Muita conversa entre bolhas, discos e pó de champanhe. E aquele desejo de ver o líquido se espalhando, as bolhas nos pelos, molhando o tapete...Assim como veio se foi. Montado na minha vespa deixei-o à porta de sua casa, me vendo partir com olhos tristes & coração descompassado. Era o fim do começo da noite. A penúltima do ano. Vento quente no corpo em movimento. Uniformemente acelerado... Uísque e fumaça no bar vazio. Tempo. Eu cheio do vazio do bar cheio. Um olho bate no meu. Mais uísque entre conversas sem sentido, segundas intenções seguidas de corridas de vespa pela noite da cidade, em direção aos prazeres do sexo. Morava num edifício da Avenida Ipiranga, um JK vazio com vista para as luzes brilhantes da noite. Dormiu ao meu lado, o rádio ligado, depois de transar. Verbo intransitivo. Pé ante pé, fechei a porta devagar, para não fazer barulho... Porto alegre não fazia jus ao nome. Andava sendo, no máximo, um porto melancólico. Ou um porto vazio. Alegre, definitivamente, não... O ronco do motor da vespa em movimento rasgava a Avenida Independência de alto a baixo. Rua da Praia que não tem praia. Pit stop na velha usina para um cigarro. Uísque na garrafinha de bolso. Fotografias embaralhadas na memória. Lembranças da pequena cidade do interior. O paralelepípedo em frente à casa tão polido que se confundia com a cerâmica do piso da área de entrada visto da porta. Pequenas observações que o pai respondia com críticas em tom de ironia. A neblina da madrugada fria envolvendo a praça em inusitado fog. Gostava quando tinham visitas em casa e tinha de dormir no sofá do escritório do pai. Bem na frente da casa, rente à calçada, vozes e passos passando na madrugada. Um certo medo de que abrissem a porta cujo trinco não fechava direito... A sombra de um presente tão incerto que se confunde com passado. Ou já teria de fato passado e agora era só memória? Do centro até Petrópolis, de lá para o Menino Deus e de novo para o Bom Fim. Isso nunca teria fim? Vontades de Avenidas Paulistas, Nossas Senhoras de Copacabana, Avenues des Champs-Élysées sufocadas no peito. Mochila nas costas, vespa na estrada, skate no pé. O jato do avião que corta o céu até se desfazer em espuma rala. O navio que cruza os mares. Movimento. Uniformemente acelerado. Em direção a. Sair da inércia, sair daqui. Rumo a qualquer lugar. Amigos partindo para outros lugares. Alguns para outras vidas. Não dava mais para ficar. O momento tratava-se de ir em frente, ir embora. Quanto vazio era capaz de conter uma cidade grande com ares de interior? Já ouvira falar de lugares ainda menores que comportavam o mundo. Expandiam horizontes, mudavam cabeças, faziam a gente crescer. Certamente mereceria ter acesso a esses pequenos paraísos. Vinha sendo bom através da vida. Da pouca vida que já tivera, pouco mais de uma vintena de anos... A professora de história do ginásio era a única pessoa da cidade que já tinha ido à Europa. Isso era tanto para a sua infância que mal conseguia conceber. Será que um dia iria também? E para quais países? A Grécia sim, definitivamente. O berço da civilização. Paris de noites iluminadas... E a estranha sensação de já conhecer a Cidade Luz sem nunca ter estado nela? Depois de fechar cuidadosamente a porta do JK, saí numa madrugada clara, de muitas estrelas e lua, ainda um pouco descompassado. Sobrou uma linha para cheirar na noite seguinte (aquele desejo de ver o líquido se espalhando, as bolhas nos pelos, molhando o tapete) e um certo aperto no coração... Maio de 1987/ Dezembro de 2020.

sábado, 19 de dezembro de 2020

BODAS DE AÇO

Hoje meu blog completa onze anos de existência. São as nossas bodas de aço. Quero muito que o tempo passe depressa e cheguem logo as bodas de pedras preciosas. Aço é uma coisa tão dura e fria que não me inspira praticamente nada. Mas esse também foi (está sendo) um ano duro e um bocado frio. Vai ver que esse metal representando os onze anos do blog não é mera coincidência... Todo ano eu conto aqui que desde o início decidi relacionar os anos de vida do blog com as bodas de casamento, posto que o que tenho com ele não deixa de ser uma relação. Confesso que nesse ano de 2020 nosso casamento passou por uma espécie de crise. Estive bem menos presente do que de costume, me expressei com menor frequência e quase cheguei ao ponto de abandoná-lo. Mas a minha persistência foi maior - taurino - e consegui atravessar a má fase com galhardia, sem que me faltasse vocabulário... Aço frio de um punhal foi teu adeus para mim, entoava Orlando Silva, o cantor das multidões. Não crendo na verdade implorei, pedi... O aço dos meus olhos e o fel das minhas palavras acalmaram meu silêncio, mas deixaram suas marcas, devolve Fagner contemporaneamente. E eu sigo tergiversando, diletante escriba das coisas boas que vivo, vejo, sinto, percebo. Há de haver algum sentido nisso tudo ou, ainda que não haja, fica o testemunho registrado na nuvem de uma época sujeita a chuvas e trovoadas. Agradeço a todos que me seguem, me leem, me comentam. Sem vocês eu estaria pregando ao vento em um mundo deserto de almas negras. Que bom que eu os tenho comigo, ainda que virtualmente... E a vida segue em frente e nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo, aço, aço, aço, aço, para terminar citando Milton. Longa vida ao meu blog! Et bonne année à tous! Na foto, Tarcísio Meira na novela Cavalo de Aço.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

BARES

Eu devia ter quinze para dezesseis anos quando descobri os bares como alternativas para a vida real. Eram lugares mágicos, como se fossem festas permanentes, para as quais eu nem precisava de convite: Era só chegar e curtir o momento. Verdadeiras janelas, portais que se abriam no cotidiano e me transportavam para o mundo da minha imaginação. Eu já consumia muita literatura, então o meu imaginário estava repleto de drinks, escritores, intelectuais e suas discussões filosóficas em mesas de cafés e restaurantes. Um dos primeiros desses lugares encantados que me lembro de ter frequentado foi o Café Paris, em Porto Alegre. Ficava no último andar de um shopping center. Na verdade, um centro comercial, como eram chamados à época. Não sei se era tão grande como eu o tenho na minha memória. Mas lembro do encantamento que sentia toda vez que entrava lá e era conduzido a uma mesa, geralmente na companhia de meus amigos Marcel e Elenara. Marcel é aquele meu amigo de infância já falecido, muitas vezes mencionado aqui no blog. E Elenara era minha colega no Colégio Mauá, a única menina gay assumida em toda a escola. Ficávamos horas lá bebendo muitas garrafas de cerveja e beliscando bolinhos de queijo. Isso foi no final dos anos setenta... No início dos oitenta, me lembro com carinho e saudades do Pimgou, em Soledade (Assim mesmo, com M antes do G). Eu já morava em Porto Alegre, mas passava as férias e todos os feriados por lá. O Pimgou era uma mistura de salão de beleza durante o dia e bar no turno da noite. O proprietário era o Luiz Ângelo, o mais famoso cabeleireiro da cidade. O nome do estabelecimento, se não me engano, era uma junção da primeira sílaba dos sobrenomes do Luiz e do sócio e namorado André. Lembro de passar as noites bebendo vinho com meus amigos Paulo, Carminha, Celeste e, claro, Marcel. Curioso é que o bar ficava em frente ao hospital da cidade, então a gente não podia se empolgar demais nos decibéis vocais... Ah! Acabei de lembrar que antes do Pimgou eu cheguei a frequentar o bar do Villablanca Hotel em Soledade. Ainda bem pirralho, eu pedia uma beberagem chamada Coquetel ao Por do Sol, cuja receita eu nem posso imaginar o que continha... Em 1987 eu vim para São Paulo com um espetáculo de teatro chamado Império da Cobiça. Ficamos em temporada aqui na Pauliceia por três meses e foi quando eu conheci e me tomei de amores pelo Ritz... Quando morava em Paris ia todas as noites ao Duplex, que já mereceu post aqui no blog. Aliás, quando conheci Caio Fernando Abreu em Paris, levei-o ao Duplex para apresentar meu bar preferido e ele adorou. Hoje, meus favoritos na Cidade Luz são o Fumoir e o Petit Fer à Cheval. E o que dizer do bar do Instituto dos Arquitetos do Brasil, em Porto Alegre, o famoso Espaço IAB? Muitas noites de bebedeira com meus amigos Eduardo Serrano, Marcelo Pezzi, Marione Reckziegel, Claudia Rudiger e tantos outros... Sem falar no eterno Ocidente, onde tudo acontecia e desconfio que até hoje ainda acontece na capital gaúcha... Também gosto muito de bares de hotéis. Quando em turnês com espetáculos, eu sempre dava uma paradinha no bar do hotel antes de subir para o quarto. O do Plaza San Raphael, em Porto Alegre, ficava aberto a noite inteira! Um luxo... Aqui em Sampa, além do Ritz, gosto muito de ir ao Frank, no lobby do Maksoud Plaza. Já frequentei muito o Igrejinha, quando era do meu amigo Ricardo Kanazawa. E, mais recentemente, o Regô, dos queridos Luiz Macella e Marcelo Murakami.... Que bom que existem esses oásis. Não apenas pela bebida em si, mas pelo tanto de pessoas interessantes que neles conhecemos. Incluindo, évidemment, os bartenders, com quem sempre aprendo muito... Claro, tem gente chata também. Mas assim é a vida, né? Infelizmente não existe apenas gente legal. Também não deixa de ser por isso que eu bebo! Rsrsrs. Acho que vou ficar velhinho sem deixar de me sentar ao balcão do Ritz para beber o meu Manhattan... Santé! Na foto, o balcão do Le Petit Fer à Cheval, um dos meus preferidos em Paris.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

OUTROS DEZEMBROS

A chegada do mês de dezembro me encheu de lembranças de dezembros passados. É que esse está sendo o dezembro de um ano muito atípico e nada parecido com os meus cinquenta e sete dezembros anteriores. Sempre adorei esse mês, e esperava por ele praticamente o ano inteiro. Para mim ele sempre teve bons significados: A chegada das férias, do verão, do Natal, do fim do ano. Os discos dos meus artistas preferidos saíam em dezembro. Parentes e amigos de outras cidades se reencontravam. Casa cheia. Os dias mais longos, a noite que custava mais a cair. Os entardeceres. Muitas festas de confraternização, de amigos, da firma, muitas formaturas, presentes, brindes... Meu pai sempre mandava pintar a casa no mês de dezembro, para o Natal. Até hoje relaciono cheiro de tinta com o Natal... Esse ano está sendo tristemente diferente. A ideia de se reunir, festejar, comemorar o que quer que seja soa esdrúxula. E, no mínimo, inconsequente... Lembro de dezembro de 1990, quando morava em Paris: Meu primeiro dezembro frio. Meu primeiro Natal fora de casa, longe da família. Dezembro de 1981, já morando em Porto Alegre e de férias em Soledade. Organizando com minha amiga Rosaura nossa festa de révéillon Eles Quase Usam Black-Tie, quando percorria a cidade com ela na garupa da minha bicicleta Solange... Dezembro do ano 2000, quando passei o Ano Novo em Miami chez minha irmã Rita: Decoramos a parte externa da casa, enchemos a piscina de balões e incacreditavelmente fez frio e a festa teve de ser do lado de dentro. Dezembro de 1973, quando ganhei de Natal minha bicicleta Monareta e na noite de Natal mesmo um amigo bateu atrás e quebrou a luzinha trazeira que nunca repus... Mais recentemente, dezembro de 2018, quando Weidy e eu fomos passar o Natal em Ilhabela e assistimos ao show de Zizi Possi na pracinha do centro. Dezembro de 2008, quando passei o Ano Novo em Munique: Weidy estava em cartaz lá com um dinner show que ele coreografara - e no qual dançava também - cuja grande atração musical era nosso amigo, o cantor Edson Cordeiro. Esse sim, meu mais frio dezembro, com direito a fontes e lagos congelados... Nunca pensei que fosse me tornar um velho saudosista assim tão cedo, mas essa situação de confinamento sem fim está fazendo isso comigo. De modo que estou louco para que esse dezembro termine logo e venha o próximo, o de 2021. Quem sabe festejaremos com fogos? E eu volte a ter dezembros aguardados o ano inteiro... Na foto eu, Narciso de piscina, em dezembro de 2019.

sábado, 5 de dezembro de 2020

DEZEMBRO PANDÊMICO

Minha gatinha Lina elegeu o armário do quarto como seu novo point. Dorme horas por dia lá dentro, entre camisas, calças, meias e camisetas. Ignora solenemente os meus apelos: Filha, não tem nada a ver o que você está fazendo. O momento é de sair do armário. Você precisa fazer o seu outting! Alheia à minha militância, segue entocada em sono profundo. Sabe que até a invejo? Bem que eu queria ter um local assim para mim, meio útero materno para me refugiar... A memória, essa, não para. Não sei com que mecanismos de busca, quando vejo ela já foi lá atrás, no passado distante, e me trouxe coisas das quais eu nem me lembrava. Uma saída para cavalgar no campo com meu pai, cumprindo a lida campeira diária em plenas férias de verão. Preciso dizer que era um custo para ele me convencer a acompanhá-lo. Quando conseguia, lá íamos nós, um silêncio perturbador tomando conta do carro até chegarmos à fazenda. Montávamos nossos cavalos, o meu era sempre um bem mansinho, que o menino era da cidade, gostava de teatro, essas coisas. Andávamos campo afora quando chegamos a um pequeno cemitério familiar, bem comum nos pampas gaúchos. Achei graça em não sei que detalhe de um túmulo e subi na grade para ver mais de perto quando bati com a cabeça numa casa de marimbondos e um deles me picou no meio da testa. Não lembro de mais nuances desse episódio, mas a dor, ah! Essa eu lembro até hoje... Meu saudoso amigo Marcelo Pezzi e eu andando de carro pelas ruas de Soledade com Nina Simone no toca-fitas cantando My Baby Just Cares For Me... Eu, tendo experiências com drogas alucinógenas e morrendo de medo de voltar para casa e ser descoberto pelos meus pais ou irmãs. Horas sentado no meio-fio da calçada esperando o barato cessar... A primeira vez que estive frente a frente com um artista famoso, na Feira da Criança, em Porto Alegre, com meu tio Nerinho. Fomos até lá para curtir a feira e pegar um autógrafo de Carlos Leite, o comediante que fazia o personagem Beleza num programa de humor... Meu quarto de menino em Soledade. A casa da minha vó. A casa do meu tio Dinarte em Cruz Alta, da qual lembro de detalhes como a luz da rua entrando pelo vitral por cima da porta quando íamos dormir, o pé direito altíssimo, os filmes que meu tio passava em super 8... Assisto com incontida euforia à reprise da novela Sassaricando, no canal Viva. Grandes atores, estrelas do teatro dando um show a cada capítulo. Um veaudeville filmado. Por que não temos mais isso hoje em dia? Não temos mais tantas coisas hoje em dia... Cadê a Lina? Dorme tranquila dentro do armário. Já lá se vai quase um ano dessa palhaçada... Bom dezembro a todos! Na foto, Carlos Leite, o Beleza.

domingo, 22 de novembro de 2020

LÁ VOU EU

Ando sem texto. Descontextualizado. Mudo. Tartamudo. Isso é péssimo para quem, como eu, tem um blog de escrita. Num apartamento, perdido na cidade, tentando acreditar que as coisas vão melhorar. Tenho a sensação de que nada acontece misturada com a sensação de que só acontecem coisas horríveis. Mas, como cantava o Premê, é sempre lindo andar na cidade de São Paulo... O mês de novembro, penúltimo do ano, se aproxima do fim. O ano se aproxima do fim. Luto para evitar a sensação de que todos nós, o país, o mundo, também nos aproximamos do fim... Na medida do impossível tá dando pra se viver. Ando paranóico, com medo de sair de casa. Receio voltar a frequentar os lugares e ser contaminado pela falta de noção das pessoas. Pela primeira vez na vida não fui votar. Para evitar aglomerações. Sinto falta do balcão do Ritz, dos teatros, dos restaurantes. Quero minha vida de volta... Busco no fundo de mim a pessoa otimista que sempre fui. Minha alegria quarentenada. Minha felicidade espontânea em isolamento. Por sorte encontro resquícios de ilusão e até uma certa ingenuidade esquecida num canto da alma. E logo sou atraído pela beleza de um ipê ou jacarandá florido. O ronronar manhoso da minha gatinha Lina. Um canteiro de flores em meio às pedras, um dia de sol, um grafite que desponta no mar de concreto e fel. Como cantou Criolo, aqui ninguém vai pro céu. Mas sigo na crença de que existe sim amor em SP. Ou, como escreveu Caio: Não deu pra Sampa. Ainda. Vou ficando por aqui. E que Oxalá e Tupã me alumiem... Na foto, Sampa sob o Minhocão.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

SEGREDOS

Felizmente o mês de novembro chegou trazendo alguma flexibilização para a minha já interminável quarentena. Eu, que não aguentava mais ficar sem frequentar ambientes culturais, fui presenteado com mais uma exposição d'Osgemeos, esses artistas mundialmente famosos de cujo trabalho sou fã há muito tempo. Essa já é a terceira exposição da dupla que visito. A primeira foi na Faap. Depois teve a Ópera da Lua e agora esses Segredos muito bem guardados na Pinacoteca. Há quanto tempo eu não entrava em um museu, não visitava uma sala de exposições! Cheguei a ficar emocionado lembrando do quão rica era a minha vida cultural antes dessa pandemia. Será que um dia tudo voltará ao normal? Já começo a duvidar... A visitação é super concorrida, já tinha comprado os ingressos há mais de um mês. Dá uma pequena felicidade, mas ainda não consigo relaxar completamente para apreciar as obras. Fico preocupado que as pessoas cheguem muito perto, não toco em nada, limpo as mãos o tempo todo, aquela paranoia já devidamente instalada no cérebro que me impedade de ser completamente eu... Mas já é um respiro e tanto! A obra desses meninos é plena de lirismo e poesia. São pequenos universos mágicos, sonoros, cinéticos, luminosos e brilhantes que são capazes de abrir brechas no cotidiano nos transportando para outras dimensões. Ou mega esculturas infláveis que brincam com a noção de proporção ocupando o vão de dois andares da Pinacoteca. E os personagens urbanos, sempre nos trazendo a dura realidade dos trens de subúrbio, das favelas, do trânsito, do caos. Como na obra Jabaquara, em que dois desses personagens são separados do público que os observa por uma tela de arame que envolve todo o quadro. Para além das pinturas e esculturas, a exposição traz desenhos, esboços, anotações, pequenos cadernos de notas e rabiscos, fotografias, roupas e objetos pessoais dos artistas. São várias salas numa sequência lúdica que conduz o visitante através do curioso universo desses geniais criadores. Riquezas de detalhes como as estampas das roupas dos personagens são por vezes enaltecidas com lantejoulas que acrescentam mais encanto às obras, molduras de led ou neon e até mesmo bordados feitos em parceria com a mãe deles. Dá vontade de ficar muito tempo viajando nas sutilezas dessa encantadora exposição. O quadro que mais amo, A Ópera da Lua, está presente. Nele um pequeno homenzinho amarelo dorme sobre o topo de um farol em pleno mar que reflete a lua. Como eu dizia, puro lirismo e poesia. O catálogo, à venda na saída, é um belo cofee table book com muitas imagens da exposiçã e da obra em geral e uma entrevista com Osgemeos em português e em inglês. Vale os setenta e cinco reais. Ah! A exposição fica na Pinacoteca até o dia 22 de fevereiro de 2021. Se você estiver em São Paulo ou passar por aqui, não deixe de visitar. Ingressos somente com antecedência pelo site da Pinacoteca. Nas fotos, a entrada de Segredos e os gêmeos em si autorretratados no catálogo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

DIA NACIONAL DO LIVRO

Não sei o que seria de mim sem os livros, esses meus companheiros inseparáveis de trajetória. Desde muito cedo me acenaram com possibilidades infinitas. Quando eu ainda era criança e não conhecia nada do mundo e nem da vida, me abriram janelas com vistas para novos horizontes. Uns possíveis, outros nem tanto. Mas já era um alento para quem se sentia tão só e limitado no mundo... Depois, na juventude, me apresentaram a quimera, a metáfora, a possibilidade de transformar os sonhos em realidade... Na idade adulta me brindaram com cultura, conhecimento e auto-conhecimento. Hoje, nessa antessala da velhice em que me encontro (embora ainda adolescendo tardiamente), isolado em casa por conta de uma pandemia, são a minha melhor companhia. Creio ter vivido muito mais através deles do que da minha própria vida. Amo-os. Sem eles eu não vivo. De Lobato a Murakami, passando por Clarice, Caio, Bivar, Quintana e todos os clássicos e contemporâneos... Hoje é o Dia Nacional do Livro e venho aqui homenageá-lo. Que cada vez mais pessoas se interessem por eles. Que o acesso a eles seja cada vez mais amplo e plural. Que o hábito da leitura seja plantado cada vez mais cedo na vida das pessoas. Só assim teremos alguma chance de sair dessa e nos tornarmos um país melhor. E, para terminar citando Caetano Veloso: "Os livros são objetos transcendentes. Mas podemos amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarro. Domá-los, cultivá-los em aquários, em estantes, gaiolas, em fogueiras, ou lançá-los para fora das janelas"... Nas fotos, meu exemplar autografado de O Crepúsculo do Macho, de Fernando Gabeira, um dos que eu lia quando ainda engatinhava na vida.

sábado, 17 de outubro de 2020

RECONECTE-ME

Outubro, antepenúltimo mês do ano, reconecte-me por favor! Ando tão sem palavras... Observo Lina, minha gatinha, que dorme enrodilhada, parecendo um croissant. Sempre penso em perguntar ao Google por quê os gatos dormem tantas horas por dia e acabo esquecendo. Lina, reconecte-me para que a partir de hoje texto não me falte... Dona Fernanda Montenegro fez aniversário e noventa por cento dos meus colegas de profissão postaram fotos com ela nas redes sociais. Me senti tão excluído. Será que só eu não tenho foto com Fernanda Montenegro? Assisti a inúmeras peças protagonizadas por ela. Admiro-a como a grande dama do teatro que é. Mas sempre fui mais Marília Pera. Com Marília eu tenho foto. Marília, reconecte-me, quero acabar de escrever o que me cabe... Tenho assistido de maneira viciada à série australiana Please Like Me, de e com Josh Thomas. Ela me faz sentir jovem novamente. Humor cáustico, politicamente incorreto, às vezes cruel e muito, muito irônico. Adoro ironias. Principalmente nesses tempos ao pé da letra que estamos vivendo, onde tudo tem de ter imagem e legenda. Fico pensando como serão os adultos da Austrália, se os jovens já são assim. Ah, e a série tem no elenco a maravilhosa Hannah Gadsby, do viralizado stand up comedy Nanette, do qual já falei aqui. A trilha sonora é uma delícia e estou escrevendo ao som dela. Tem no YouTube. Josh, reconecte-me ainda que mais não seja porque sou comediante também... O dono da lavanderia, que é gaúcho como eu, me perguntou quando eu iria ao sul novamente. Ele já está atendendo sem máscara, ainda que detrás de uma placa de acrílico. Disse que não tenho coragem de entrar num avião e que, para mim, a quarentena ainda não acabou. Ele me respondeu: Não precisa ter tanto medo assim da pandemia, isso é muita política também. E eu: Não vou arriscar minha vida por causa de política. Ele: Ah, é. A gente tem que se cuidar. Deus, reconecte-me, lutando contra as misérias do cotidiano. Reconecte-me por isso... (Livremente inspirado no poema de Maiakovski). Na foto, Josh e seu cãozinho.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

RATCHED

Queria muito encerrar o mês de setembro com uma imagem glamurosa. Por isso não resisti quando me deparei com essa foto da musa Sharon Stone no seriado Ratched, do Netflix. Confesso que tive muita dificuldade quando comecei a assistir. Logo no início do primeiro episódio há uma matança muito cruel de vários padres. Sangue e tortura são coisas que a princípio não consigo visualizar impunemente. Desisti de seguir assistindo. Quando comentei com meu amigo Luís Artur Nunes, que estava devorando a série e queria muito comentá-la comigo, ele disse que eu era muito delicado. Respirei fundo, me enchi de coragem e, para não me sentir tão mariquinhas, retomei. Ainda bem! Logo na sequência do assassinato dos padres começam cenas de grande beleza plástica e direção de arte impecável. Eu já sabia o que me esperava, tanto para o belo quanto para o horrível, pois conheço e sou fã de tudo o que é criado por Ryan Murphy. Já tinha passado por maus bocados em American Horror History... Mas dessa vez ele se superou. A série se baseia na história da enfermeira Ratched, do filme Um Estranho no Ninho. E, apesar do horror de muitas cenas, tudo o mais é envolto em estonteante beleza e glamur. A começar pelos cenários deslumbrantemente art-déco, passando pelos figurinos e cores de fazer inveja a Almodóvar, até as contagiantes interpretações dos atores, impecavelmente escalados para cada um dos personagens que compõem essa trama sinistra. Nem preciso dizer que assisto só durante o dia, tal o meu cagaço! Rsrsrs... São somente oito episódios, de modo que estou poupando e assistindo petit à petit, para que o deleite se prolongue um pouco mais. Espero que o mês de outubro que amanhã se inicia nos seja assim também: Envolto em beleza e glamur, posto que coisas horríveis não nos faltam nesse momento sombrio que estamos vivendo. E é sempre bom lembrar que a realidade é muito maior do que a que nos é apresentada diariamente, focada principalmente nos problemas. Além e apesar de tudo, há muitas coisas boas acontecendo no mundo. Bom outubro a todos!

domingo, 20 de setembro de 2020

VETERANOS

Com a reprise de Mulheres Apaixonadas no Canal Viva, me deparei com a saudosa Carmen Silva fazendo o papel da fofíssima avozinha maltratada pela neta vilã vivida por Regiane Alves. Fiquei pensando no recém-surgido movimento/hashtag eu quero veteranos na TV e em quantos deles já nos deixaram, como a queridíssima Carmen. E lembranças me invadiram... Quando ainda morava em Porto Alegre recebi o convite de Claudio Hemmann - outro saudoso veterano - para dirigir a comédia A Ciumenta Velha, de Joaquim Alves Torres, que seria apresentada na abertura do Festival de Teatro de Canela e cuja protagonista seria Carmen. Eu adorava a trajetória dessa atriz, que ficara famosa em papéis televisivos sem deixar de morar em Porto Alegre. Hoje isso ocorre com maior frequência; à época, pelo menos para mim, era inédito. Começamos as leituras e, logo no primeiro encontro, Carmen, sempre adorável, me chamou a um canto da sala e disse, muito espontaneamente: Escute, eu tenho idade para ser sua avó. Mas eu sou uma atriz que gosta muito de ser dirigida. Portanto, pode me dizer Carmen faça assim, Carmen não faça assado, não precisa se inibir. Olha que fofa! Num segundo momento os ensaios passaram a ser na casa dela, na zona sul da cidade. Em uma determinada cena de briga do casal, o ator que fazia seu marido na peça, José Baldissera - outro que já nos deixou - avançava para ela com uma bengala enquanto a xingava de velha aos gritos. Carmen tinha dois cachorrinhos que, toda vez que a cena era repetida, atacavam o ator para defender a sua dona. O ensaio parava na hora e ríamos muito... Outra feita ela me chamou numa sala contígua para me mostrar os troféus que ganhara ao longo da carreira: Eu tenho vários troféus gays. Este aqui, por exemplo, é o gato gay, que ganhei numa boate, revelou enquanto pegava uma escultura de um gato coberto de purpurina e com enormes cílios de plumas... Adorable! Por motivos alheios à nossa vontade, a peça não chegou a estrear, alguma burocracia da organização do festival frustrou nosso projeto. Tínhamos também, como o galã da montagem, o querido Bira Valdez que, apesar de ainda não ser veterano à época, nos deixou precocemente logo em seguida. A mocinha era Mirian Tessler, de quem nunca mais ouvi falar. Alguém de Porto Alegre saberia me dar notícias dela? Enfim, esse relato é uma singela homenagem a uma veterana atriz que já não está mais entre nós. Mas que merece ser lembrada para sempre... Ah! Quanto ao movimento/hashtag, eu não apenas quero veteranos na TV como também quero estar na TV, posto que já sou veterano... Um grande beijo, Carmen Silva, onde você estiver. Um dia estrearemos a nossa Ciumenta Velha in the sky with diamonds! Na foto, Carmen com um de seus adoráveis cãezinhos.

sábado, 12 de setembro de 2020

CAIO DE NOVO NO FRONT

Se fosse vivo, o escritor Caio Fernando Abreu completaria hoje 72 anos de idade. Conheci Caio quase no fim da vida dele, em 1991 (ele viria a falecer em 1996). Muito já contei aqui no blog das poucas (porém intensas) coisas que vivi com ele. Hoje cedo, quando acordei, fiquei pensando no quê eu poderia relatar no post que não soasse repetitivo. Lembrei então de um episódio que - creio - ainda é inédito por aqui. Quando morava no Rio de Janeiro trabalhando como assistente de direção de Luís Artur Nunes, eu vinha de vez em quando a São Paulo para ver os amigos e assistir a espetáculos de teatro. Numa dessas vezes encontrei com Caio e, depois de bebermos em um bar e passarmos um tempo no apartamento dele da rua Haddok Lobo, fomos assistir ao espetáculo Tudo de Novo no Front, de Aimar Labaki, em uma boate da rua Brigadeiro Luís Antônio. Acho que até já citei esse fato aqui antes, mas não me detive a contar os detalhes. Quando estávamos dando um tempo chez Caio, nosso amigo Ivan Mattos, que morava com ele na ocasião, chegou em casa com os convites nos chamando para ir com ele conferir a peça. Ao chegarmos no local da apresentação percebi, lendo o programa do espetáulo, que um dos integrantes do elenco era um rapaz gaúcho que eu conhecera quando fui integrante do júri do Festival de Teatro de Pelotas. A peça era uma espécie de instalação performática na qual cada um dos personagens circulava pelo espaço interagindo com os espectadores. Quando esse menino de Pelotas veio interagir conosco, ficamos o tempo inteiro tentando desconcentrá-lo, no intuito de fazê-lo sair do personagem. E Ivan completava, se referindo a mim: Ele te conhece de Pelotas, não precisa fazer personagem conosco... Lembro que nos divertimos muito e depois que o espetáculo acabou fomos tomar uns drinks no Ritz (Já o Ritz, e isso aconteceu em 1992). O que eu não sabia e agora sei é que grande parte dos integrantes do elenco daquela peça hoje são meus amigos! Destaco três: Agnes Zuliani, Carlos Fariello e Lili Maniero. Isso aconteceu em um tempo em que a gente andava a pé pela cidade a altas horas da noite. Ah! E não se fotografava quase nada... Sempre que conto histórias destes tempos para pessoas mais jovens, elas invariavelmente me perguntam: Você tem alguma foto desse dia? E respondo: Não, infelizmente não tenho. Naqueles tempos andávamos muito ocupados em viver as coisas; logo, sobrava muito pouco tempo para fotografá-las... Feliz aniversário, Caio querido. Onde você estiver, in the sky with diamonds! Ilustra o post a foto de Caio que roubei do painel de uma peça do Clube de Cultura em Porto Alegre nos anos oitenta.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

LINA FALA

Que bom que o mês de setembro chegou. Para mim setembro é um mês que traz bons augúrios, a perspectiva de renovação, as flores, a primavera, a proximidade das festas de fim de ano... O feriado da independência fazia a segunda-feira parecer um domingo. O calor, impensável nessa época do ano, fazia o inverno parecer verão. Lina, minha gata, estirada sobre as pedras frias do chão, olhava incrédula para a piscina do prédio, cheia de incautos condôminos que se aglomeravam sem máscaras de molho nas suspeitas águas. De tempos em tempos ela me encarava como a me perguntar: O cloro imuniza as pessoas do vírus? E emitia um miado longo, cheio de nuances de entonação, como se conversasse comigo na língua dos gatos. Quando cansei dessa incomunicabilidade, olhei firme nos olhos dela e perguntei: -Por que você não fala comigo na minha língua? Assim talvez eu pudesse saciar a sua curiosidade. Quase caí para trás quando escutei do nada: -Que gente sem noção! - Oi? Quem disse isso? -Eu, ora. Você não pediu para que eu falasse com você na sua língua? A sua língua, que eu saiba, é o português. Ou estou errada? -Não, Lina, pelo amor de Deus, você está certíssima, respondi ainda incrédulo. E ela prosseguiu: -Ando observando que vocês humanos tem sérias dificuldades de se relacionar com os problemas. De viver em comunidade. De pensar no coletivo. Sim, sim, concordei com um gesto de cabeça. E ela: -Aquele dia que vocês me levaram para passear de carro fiquei observando enquanto passávamos pelo Minhocão: Vocês constroem lindos jardins verticais nas fachadas dos prédios e deixam eles morrerem por falta de manutenção! Qual o sentido disso? Vi pessoas andando nas ruas com as máscaras no queixo. Ou com o nariz para fora. De que isso serve em tempos de pandemia? Engoli em seco pois, apesar de Lina estar falando a minha língua, eu sinceramente não tinha respostas para dar a ela. Depois de andar até a cozinha e comer um pouco de ração, ela voltou, parou bem na minha frente e mandou essa: -Quando assisto tevê junto com vocês, não pensem que não me dou conta dos absurdos que vejo. Dos políticos equivocados que vocês elegem para governá-los. De como vocês tratam a natureza. De como se matam uns aos outros em nome de Deus. Vocês devem ter um deus muito cruel. Se ele está, como dizem, acima de tudo e deixa isso tudo acontecer... E, se espreguiçando devagar, subiu na mesa e se aninhou sobre a capa do laptop onde adormeceu sem mais palavras. Fiquei atônito olhando as famílias na piscina. Percebi que entravam na água sem antes tomar a ducha. E a tarde de domingo, digo, segunda, findou como se nada estivesse acontecendo. Como se lá fora não houvesse uma pandemia. Como se aqui dentro uma gata não tivesse falado comigo...

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

FLÂNEUR

Com a morte recente do dramaturgo Antonio Bivar, de quem sou fã declarado, a imagem do flâneur voltou com força às minhas memórias e reflexões. Para quem não sabe, flâneur é o indivíduo que percorre as ruas e as cidades do mundo como se estivesse na sua casa. Livre por excelência, ele esquadrinha detalhes e reentrâncias, comportamentos padrão e outros nem tanto, obviedades e singularidades. Com um olhar um tanto mais afiado e perspicaz que o da maioria, e um desprendimento moral que lhe permite quase tudo, o flâneur é o cronista do mundo para os reles mortais que não o percebem com tanta riqueza e abrangência de detalhes... Bivar era assim, esse era o seu melhor personagem. Tanto que fazia da própria vida ficção ao narrá-la em vários volumes de uma biografia. Que eu sempre acompanhei com grande interesse... Me ocorre agora o livro, para mim cult, de João do Rio, A Alma Encantadora das Ruas. Nele o nosso dândi tropical percorre desde os salões mais elegantes da aristocracia até os mais infectuosos bas-fonds. E descreve as ruas como libertárias e democráticas por natureza. Nelas desfilam todos os tipos e profissões, todos as manifestações populares e festas, todo o horror que permeia os buracos e vielas junto aos cais de todos os portos. Sempre me identifiquei muito com esse tipo, eu que flano pelas cidades sempre em busca do novo, do insólito, do insuspeito. E mesmo na minha própria cidade, atento que sou, procuro encontrar o que ainda não vira, sentira, vivenciara. (Adoro o mais que perfeito. Rsrsrs). Com a pandemia e o consequente isolamento social, tenho me sentido muito limitado nessa que era a minha atividade preferida. Mas não há quarentena capaz de confinar a alma de um flâneur. Ou, para citar a Carmen de Bizet, nul ne peut apprivoiser. Mesmo entre quatro paredes, meu espírito segue errante, andarilho por natureza. Busco na música e na literatura a expansão de universos que os limites geográficos me impedem de percorrer. E, no final do dia, sentado à varanda contemplando o sol se pôr, sorvo uma taça de vinho enquanto deixo o pensamento - esse sim livre que só - voar longe em busca de outras paragens... Que a Terra nos seja leve! Na foto, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, o João do Rio, nosso dândi tropical e flâneur por excelência.

domingo, 23 de agosto de 2020

MURAKAMI ET MOI

Hoje terminei a leitura de mais uma obra de Murakami: O Assassinato do Comendador, volume 2. Fiquei grande parte do domingo ensolarado e frio pensando porque ainda leio essas histórias. Já perdi as contas de quantos livros deste autor eu já li. As tramas se confundem na minha memória, na verdade são parecidas entre si, mas não consigo deixar de acompanhar com interesse cada nova empreitada literária deste que é um fenômeno da literatura mundial. Começo como quem não quer nada, tá, ok, mais um Murakami. Quando vejo estou envolvido até a medula e tenho uma necessidade urgente de desvendar o mistério por trás de cada reviravolta na trama. Nem dá para dizer que haja reviravoltas, mas as histórias tem a força de me levarem junto com elas. Há sempre um buraco, um portal, uma passagem que desvenda uma realidade paralela. Ou talvez perpendicular. Taí, gostei, realidade perpendicular. Acabo de cunhar a expressão, se é que ainda não existe. Preguiça de conferir no google... Murakami tem o poder de me levar junto nas aventuras. E elas invariavelmente se encaixam no que estou vivendo. Parece que foram escritas para me fazer crescer, me esclarecer e me dizer coisas. Como no teatro mágico de O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. Preciso entrar, preciso conferir e desvendar. Ando ausente, eu sei. Distante, isolado numa casa no alto da montanha, como o personagem sem nome de O Assassinato do Comendador. Talvez seja isso que eu precise aprender. Me isolar como no alto de uma montanha. Criar um personagem sem nome. Ou, talvez, ser um personagem sem nome. Entrar no universo paralelo ou perpendicular de onde sairei mais resistente, fortalecido e, quiçá, mais sábio. Os dias se extendem lentos, vazios e repetitivos. O futuro nunca foi tão incerto, mesmo o futuro próximo. Parece que vivo uma espécie de futuro do pretérito. Que poderia ou não se realizar... Desculpem se soo enigmático, hermético talvez. Perco um pouco a capacidade de me relacionar. Mas isso faz parte uma busca maior. Quem sabe eu talvez me encontre e possa me compartilhar com vocês que me lêem. Por enquanto, fica a dica da leitura de mais um Haruki Murakami. Aliás, dois: O Assassinato do Comendador volumes 1 e 2. Na foto, o escritor e seu gatinho de estimação. Aliás, gatos sempre estão presentes nas histórias de Murakami.

sábado, 1 de agosto de 2020

LINA


Oi! Eu sou a Lina, uma gatinha rajada. Hoje é meu aniversário de seis meses e por isso eu pedi ao meu pai que me deixasse escrever aqui no blog dele. Eu tenho dois pais, o Roberto e o Weidy. Semana que vem, o dia dos pais vai ser uma festa para mim. Vou comemorar com dois enquanto muitos felinos como eu não tem nem ao menos um... Falando em pais, fiquei chocada com a reação de alguns humanos pelo fato da Natura ter colocado o Thammy, filho da Gretchen, na campanha de dia dos pais. Só por ele ser um homem trans. Que atraso! Nós gatos somos bem mais evoluídos neste aspecto. Aliás, em vários outros também... Mas isso não vem ao caso agora. Hoje é um dia festivo para mim. Graças aos meus pais eu tenho um lar, cheio de amor e outras delícias. Nasci na rua, mais especificamente dentro de um carro abandonado, onde minha mãe deu à luz quatro gatinhas. Minhas três irmãs e eu fomos recolhidas pelas donas do pet shop que fica aqui perto. Elas castraram minha mãe e a devolveram à rua onde ela mora. E colocaram nós quatro para adoção. Claro que devidamente vermifugadas, castradas e vacinadas. Meus pais já tinham encomendado ao pet shop uma gatinha que fosse exatamente como eu sou: Rajada feito um tigrinho. E dengosa. Portanto, fui planejada e muito desejada. Como sou até hoje, dia do meu aniversário de seis meses. Mas já estou me repetindo, não? Rsrsrs... É que ainda não tenho muita prática com a escrita. Eu raramente fico sozinha em casa, meus pais estão sempre comigo. Eles dizem que estão em isolamento social por causa de uma pandemia. Ainda não entendi direito o que isso quer dizer, mas sei que gosto muito de tê-los sempre comigo. Nós brincamos, dormimos, assistimos televisão, tomamos sol na sacada, a vida aqui em casa é bastante animada. Fico só imaginando como será depois que a pandemia passar... Toda vez que vão sair de casa eles colocam máscaras, ficam muito engraçados. E quando chegam limpam tudo com álcool e ficam um tempão lavando tudo que compraram com água e sabão. Esses humanos... Bom, por enquanto é isso. Talvez eu volte a praticar a escrita aqui no blog, se o meu pai deixar. Quem sabe até eu me torne uma gata escritora? Ou uma escritora gata... Agora vou curtir o dia do meu aniversário. Bom mês de agosto a todos!


domingo, 26 de julho de 2020

DIA DO ESCRITOR



Ontem foi o dia do escritor. Um dia desses, por si só, já mereceria um post. Mas não fui capaz de fazê-lo. Fiquei refletindo sobre essa profissão que tanto me encanta, com a qual flerto tanto, sonho tanto e que ainda não consegui transformar em realidade. Cheguei à conclusão que escrever me fascina porque ler me fascina. Os livros me descortinaram possibilidades quando o meu mundo ainda nem janelas tinha. Quanto mais cortinas! Ler me expande. Escrever me limita: À forma, à gramática, aos temas. Ainda assim, amo escrever. Não é à toa que mantenho esse blog há tanto tempo. Embora ande escrevendo bem menos do que outrora... Também fiquei pensando nos escritores e escritoras que admiro. No quanto me influenciaram e ainda me influenciam. Pensei nos vivos, como Murakami, Mark Levy, Ruy Castro, e nos que já nos deixaram, como Clarice e Caio e, mais recentemente, Antonio Bivar, um dos meus preferidos... Lembrei da viagem a Key West que fiz com minha irmã Rita e da visita que fizemos à casa de Ernest Hemingway. E, claro, me veio à lembrança o aposento da casa que mais me enlevou: A sala de trabalho do escritor. Saí de lá sonhando em ter um lugar no mundo só para escrever... Curiosamente, esse período de quarentena tem me feito ler e escrever menos do que lia e escrevia habitualmente. Embora já tenha lido nesses poucos meses mais do que muita gente leu a vida inteira. Inclua-se até mesmo um best-seller, logo eu, tão avesso a esse tipo de leitura. Mas nada como superar preconceitos, não é verdade? Trata-se de Garota Exemplar, de Gillian Flynn, que vale ser citado aqui pela incrível capacidade da autora de prender a atenção do leitor com incontáveis reviravoltas na trama. Lembrei do teatro mágico de Hermann Hesse em O Lobo da Estepe. Da concierge Renée de A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery. Do Trem Noturno para Lisboa, de Peter Bieri, sob o pseudônimo de Pascal Mercier. E, évidemment, não poderia deixar de lembrar e citar O Saci, de Monteiro Lobato, responsável por despertar em mim a paixão pelos livros logo cedo... Quando dei por mim, o dia do escritor chegara ao fim e eu não havia escrito nada. Trato de reparar, nesse domingo cinzento, minha falha de ontem. Espero que mesmo atrasada, esta minha singela homenagem desperte em alguém o hábito da leitura e da escrita. Ou de um dos dois, pelo menos. E eu já terei cumprido feliz o meu intento. Um grande viva a todos os escritores! Nas fotos, a musa Clarice Lispector e a sala de trabalho de Ernest Hemingway em Key West.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

TOUJOURS VANIA






Há coisas que a memória guarda em algum canto secreto e a gente não esquece nunca. Eu devia ter uns dezessete anos e morava em Porto Alegre. Me lembro que sempre que passava em frente ao IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) eu entrava na livraria - aquele lugar me fascinava – e ficava um bom tempo dando uma geral nas novidades. Tinha até uma conta no meu nome. As vendedoras, sabendo do meu amor pelos livros, me vendiam a prazo e à medida que podia eu ia pagando em suaves prestações. Mas, fora isso, eu tinha um prazer secreto nessas visitas: Disfarçado a um cantinho, eu folheava atentamente o livro Homens, da fotógrafa Vania Toledo. Estávamos no começo da década de oitenta e Vania, ousada, publicara um ensaio de nus masculinos. E todos famosos, personalidades da música, do teatro, das artes em geral. Não havia como salvar as fotos, printar, procurá-las no Google. Ou a gente comprava o livro ou ia admirá-lo na livraria. Lembro até hoje da icônica foto dos irmãos Sergio e Claudio Mamberti. De Ney Matogrosso na banheira. De Caetano em pé encostado a uma porta em nu frontal. Hoje Vania partiu. Mais uma perda enorme, incomensurável. Ela fazia parte daquela turma de pessoas talentosas, modernas, antenadas e descoladas que eu venho amando desde os anos oitenta. Da qual também fazia parte o seu amigo Antônio Bivar, que nos deixou semana passada. E Caio Fernando Abreu e tantos outros. Eu sempre encontrava com ela no almoço de Natal do Ritz. Nesse último, ano passado, quando nos cumprimentamos eu agradeci a ela por ter aceitado fazer parte do meu projeto Caio em Revista e ela respondeu: Mas vamos fazer logo! Só projeto, projeto não dá! Vamos fazer! É isso aí, Vania. Vamos fazer... Não quero encher o mês de julho de tristeza, por isso prefiro ressaltar o glamour e a alegria de Vania que, felizmente, estão registrados em suas obras. Ela e o Bivar já devem estar no esquenta para a grande balada que farão in the sky with Diamonds...
Nas fotos, minha amiga Claudia Wonder, Cazuza e Nuno Leal Maia clicados por Vania e eu com Vania em si na abertura da exposição Tarja Preta.

domingo, 5 de julho de 2020

TRISTE DOMINGO




Estava tudo indo bem. Quer dizer, bem na medida do possível ante as circunstâncias. Mas, enfim, o domingo esteve com sol, o frio deu uma trégua, nem parecia mais tão aquela coisa toda que estamos vivendo. Até que, no fim da tarde, veio a má notícia: Antônio Bivar se foi. Partiu. Sucumbiu ao malfadado vírus. Que raiva. Mais um dos muito bacanas, muito legais, muito inteligentes e criativos que nos deixa. Pobre do teatro brasileiro. Pobre da nossa cultura. Pobres de nós... Só estive com Bivar uma vez. Pela ocasião do lançamento do livro Aos Quatro Ventos, no qual ele conta mais uma parte da sua vida. Sim, ele contava sua vida toda em livros, uma espécie de reality show em folhetim. Eu adorava acompanhar as aventuras dele pelo mundo e pelas décadas. Fora toda a dramaturgia, Alzira Power, Cordelia Brasil e tudo o mais. Amei Bivar desde que tive consciência de que ele existia, nos discos de Maria Bethânia. Drama, cujo show ele dirigiu, e no qual Bethânia recitava textos de sua autoria que sei de cor. Não fosse esse nosso imenso e difícil amor, não fosse esse abismo entre nós, eu te convidava a dançar o meu último bolero. Eu devia ter quinze anos quando ouvia isso e ficava encantado... Mantive uma relação virtual com ele via Messenger desde que descobri, lendo uma de suas biografias, que ele escrevera um texto para Walmor Chagas que nunca foi montado. Me empenhei bastante no sentido de levar essa obra inédita à cena, mas, infelizmente, não aconteceu. Ainda. Amo suas parcerias com Rita Lee, nas mais variadas formas. Ou plataformas. Suas colaborações nas revistas AZ e Around, de Joyce Pascowitch. A maneira simples e bem humorada como ele relata tudo o que viveu, as pessoas interessantes com quem conviveu. Maria Della Costa lhe encomendando uma peça na qual ela pudesse usar vários vestidos bonitos... É dele a biografia de Yolanda Penteado, uma das melhores que já li... Quem me conhece ou segue o blog sabe da minha adoração por ele. É só digitar Bivar no campo de busca do blog e os posts sobre ele pipocam. Estou muito triste e chateado. De tanto ouvir falar em “novo normal” estou me sentindo um “velho anormal”. É um tal de reinventar-se, todo mundo se reinventando o tempo todo, via live ou fake live. Não acredito que “vamos sair dessa melhores”. Estamos vivendo o crepúsculo do pouco de bom que chegamos a ser... Vai em paz, Bivar. E, quando chegar lá, abra a janela e deixe entrar o ar puro e o sol da manhã...
Nas fotos, Bivar on the road e comigo no lançamento de Aos Quatro Ventos.

domingo, 28 de junho de 2020

ZEZÉ ET MOI



Ontem foi o aniversário de Zezé Motta. A diva completou setenta e seis anos de idade. Digo diva no sentido maior e mais adequado que o termo - hoje tão desgastado - possa ter. Pois Zezé é merecedora dele. Fiquei pensando no quanto admiro essa grande artista. E no quão antiga é a minha paixão por ela. Eu devia ter treze anos de idade quando assisti ao filme Xica da Silva no cinema de Soledade. Que coincidentemente se chamava Cine Teatro Zezé, em homenagem à filha do proprietário, Maria José. Não sei como consegui entrar na sala de projeção, pois à época havia forte censura e quase tudo era proibido para menores de dezoito anos. Sei que foi amor ao primeiro frame. A figura de Zezé me encantou de tal maneira  que começou ali uma admiração que se mantém através de décadas. Lembro que no ano seguinte fui morar em Porto Alegre e, mal chegando na cidade, fui até um cinema que exibia a película e roubei um cartaz, que emoldurei e pendurei na parede do meu quarto. Estávamos em 1978 e naquele mesmo ano Zezé se apresentou no Teatro Leopoldina com a Banda Mar Revolto da Bahia. Eu já tinha catorze anos, mas parecia um menininho de dez ou doze no máximo. Fiquei bastante impressionado com a performance de Zezé ao vivo no palco, principalmente cantando Postal de  Amor, de Fagner, em que ela interpretava uma louca que chegava a babar em cena. Inesquecível... Depois do show fui ao camarim, tirei uma foto com minha ídola, que vestia um robe de seda vermelho que nunca esqueci.  No dia seguinte mandei as fotos do show para revelar e justamente a foto minha com ela não saiu. Não tive dúvida, voltei ao local da apresentação e a esperei na saída dos artistas, na garagem do teatro, onde finalmente obtive minha primeira foto com Zezé. E assim foi em todas as vezes que estive com ela. Hoje tenho fotos com Zezé ao longo de minhas diversas idades, fases, cabelos longos e curtos, pintados e grisalhos... Tudo isso é para homenagear essa dama da canção, das telas e do teatro. Numa das inesquecíveis vezes que estive com ela, no aniversário de Marília Pera - outra grande diva, já saudosa - elas brindaram os presentes na festa com um dueto de Sem Fantasia, de Chico Buarque, que as duas cantavam na peça Roda Viva, do mesmo autor, em que atuaram juntas. Desejo longa vida a essa mulher de inestimável importância na cultura brasileira e na minha modesta vidinha. Como ela canta em Prazer, Zezé: Uma rainha, uma escrava, uma mulher. Uma mistura de raça e cor, uma vida dura mas cheia de sabor...
Nas fotos, a primeira, feita em 1978 na garagem do Teatro Leopoldina em Porto Alegre e a última, em outubro de 2016, feita no Ritz, aqui mesmo na Pauliceia.

sábado, 20 de junho de 2020

NOITE DE SÁBADO



Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, cantou Lulu Santos na década de noventa do século passado. E agora, na segunda década do século vinte e um, fechado em casa para se manter isolado do contágio de um vírus numa pandemia, o que se pode esperar de um sábado à noite ou de um outro dia qualquer? Não saberia responder aqui. Mas, enquanto espero, procuro fazer com que meus sábados e outros dias quaisquer sejam únicos. Especiais. Ou absolutamente comuns. Mas que tenham significado. E haja criatividade e animação para preenchê-los... Tenho um pouco de vergonha de confessar, mas há ícones da cinegrafia mundial a que nunca assisti. E tenho procurado, especialmente agora que se tem todo o tempo do mundo disponível para tal, preencher essas lamentáveis lacunas. Foi assim que dia desses assisti a Scarface, essa joia de Brian de Palma que tem Al Pacino como protagonista. Um primor. Roteiro, cenários, a trilha sonora surpreendentemente moderna e eletrônica e, claro, a interpretação de Pacino como o cubano Toni Montana, com sotaque impecável. Sem falar na beleza inebriante da então iniciante Michelle Pfeiffer. Ainda bem que assisti agora. Se tivesse assistido na época em que foi lançado talvez não tivesse apreciado tanto... Outra maravilha que me fez companhia recentemente foi A Época da Inocência, de Martin Scorsese. Protagonizado por Daniel Day-Lews, também traz no elenco Michelle Pfeiffer e Winona Ryder ainda bem menininha. De encher os olhos... E para que ninguém aqui fique pensando que vivo só de passado, vale lembrar que a série The Politician, de Ryan Murphy, estreou a segunda temporada. E devo dizer que está ainda melhor do que a primeira. Quem bota para quebrar nessa segunda edição é Bette Midler, mais sacudida do que nunca. Amo. Que saudade que estava de ver essa atriz brilhar... No mais, saudade de uma aglomeração bem animada. E de uma plateia lotada. E de um bar cheio de amigos tomando bons drinks... Bom inverno a todos!
Nas fotos, Al Pacino em Scarface, Pfeiffer e Day-Lews no filme de Scorsese e Bette Midler arrasando em The Politician.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

EU

Terminei hoje a leitura de Eu, a autobiografia de Elton John. Essa foi a terceira obra que li desde que começaram os dias de isolamento social. Primeiro foi Metrópole à Beira Mar, de Ruy Castro, e depois A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert. Durante esse período tenho me envolvido mais com o que leio do que normalmente acontece. Passo na companhia dos livros grande parte das minhas manhãs. Ocorre que vou me apegando aos personagens e, quando o livro se aproxima do final, começo a poupá-lo para que a convivência se estenda por mais alguns dias... Com o livro de Elton John isso foi ainda mais acentuado, posto que sou fã deste astro do rock desde a mais tenra idade. Ele sempre representou para mim uma imagem positiva de artista bem sucedido, que gostava das mesmas coisas de que eu gostava, tais como música, piano e figurinos extravagantes. Inclua-se aí, diga-se passagem, altas doses de plumas e paetês... Isso sem falar que minha infância inteira foi embalada por seus hits Skyline Pigeon, Goodbye Yellow Brick Road e Crocodile Rock. Eu tinha implicado um pouco com o filme Rocketman, achei-o negativo e muito focado nos problemas, como se ele não tivesse tido uma vida de glamour e alegrias também. Agora que li a história desse artista contada por ele próprio e soube que o filme foi um projeto pessoal dele, produzido por seu marido David Furnish, entendo completamente e acho que até gosto da película. Não vou ficar contando fatos por ele relatados. Quem se interessar que leia, garanto que é leitura das mais agradáveis. Para além de todas as extravagâncias, barracos, excentricidades, escândalos e esbórnias, Eu revela uma história de sofrimento, crescimento, aprendizado e – por mais que eu não goste muito do termo – superação. Fora as deliciosas fofocas envolvendo celebridades amigas como Freddie Mercury, Rod Stewart, John Lennon, Gianni Versace, Lady Gaga, a família real inglesa e muitos mais. E um monte de fotos das mais variadas épocas da vida desse longevo rockstar. Que uma leitura das boas me caia logo às mãos para que eu possa sair do luto em que já me encontro...
Nas fotos, a capa de Eu e Elton conversando com a amiga Melina (era assim que ele chamava Freddie Mercury) no backstage de um show.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

NUDEZ

Meu amigo Tude Bastos tem o saudável hábito de tomar banho de sol como veio ao mundo no terraço da casa dele, que fica em um condomínio fechado na zona norte de São Paulo. Além disso, ele também faz caminhadas nas redondezas. Vestido, evidentemente. Pois não é que dia desses, quando voltava da caminhada diária, foi abordado por um vizinho que se disse incomodado pela sua nudez? Meu amigo argumentou que dentro do seu espaço privado cada um pode se vestir – ou, no caso, se despir – como bem entender. E quem não quiser ver que não fique olhando. O vizinho ofendido disse ser delegado de polícia. Tude encerrou a conversa sugerindo então que ele fosse consultar o código penal. Como os ânimos andam exaltados e as pessoas procurando briga por qualquer motivo, meu amigo achou por bem fazer um cercadinho de tecido ao redor do seu solário e tudo ficou resolvido. Fiquei pensando sobre o ocorrido e me dei conta do quanto a nudez ainda é um tabu aqui neste fim de mundo em pleno século vinte e um. Lembro que quando morei na França, há trinta anos, via pessoas tomando sol nuas em praias e parques públicos em vários países da Europa. Na piscina em que eu nadava em Paris, eram mulheres que limpavam o vestiário masculino, circulando tranquilas entre homens sem roupa. Eu acredito na teoria de que a história, a sociedade, a humanidade, evoluem em espiral. Por isso, de tempos em tempos, temos a sensação de estar andando para trás, como é o caso do Brasil de hoje. É quando ondas conservadoras tentam a todo custo cercear liberdades individuais, reprimir expressões artísticas e culturais libertárias e proibir tudo o que não esteja de acordo com determinados padrões ou dogmas pré-estabelecidos. O bom é que quando completa a volta, a espiral torna a andar para frente e a gente conquista mais espaços e liberdades. E o que dá esperança de viver tempos melhores é que o movimento da espiral é ascendente... Assim, logo, logo, meu amigo poderá retirar o cercadinho do solário e bronzear seu corpo nu sem incomodar voyeurs involuntários...
Na foto eu, como vim ao mundo, pela lente do fotógrafo Leekyung Kim.

terça-feira, 19 de maio de 2020

SINAL FECHADO

A pandemia levou meu sorriso. E, junto com ele, levou meu assunto. Quem dera a responsável por isso tivesse sido a Rita, como na canção de Chico Buarque. Não quero mais falar, conversar, participar de lives, assistir a lives e nem tenho tido vontade de escrever. Levei o isolamento social ao pé da letra. Tenho evitado até mesmo me olhar no espelho do banheiro. Fiquei mais bicho do mato do que já era...
Há dias em que o parágrafo acima resume meu estado de espírito durante esse tempo de confinamento. Felizmente, outro tipo de ideias e sentimentos também me invadem, alternadamente, quando, por exemplo, admiro entardeceres da sacada do apartamento enquanto bebo vinho e ouço música. E assim vou levando...
Quando saio à rua rapidamente para fazer compras e vejo os lugares todos fechados, vazios, as pessoas usando máscaras, tenho a sensação de estar vivendo em uma daquelas peças do teatro do absurdo, como O Rinoceronte, de Ionesco...
No começo, duvidei. Mas quando vi a porta de ferro do Ritz abaixada, a ficha caiu. Aquilo não fechava desde 1981! Não tinha mais como negar, o confinamento já era uma realidade. A Rua Augusta vazia à luz do meio-dia. Uma fila serpenteando em frente ao supermercado fazia o Santa Luzia parecer um aeroporto. Nem uma única flor ornamentava os jardins e suas alamedas desertas...
Me vem à memória os versos da canção Sinal Fechado, de Paulinho da Viola. Um diálogo travado rapidamente por duas pessoas que, em seus carros, esperam o sinal abrir para seguirem seus rumos:
-Olá, como vai?
-Eu vou indo e você, tudo bem?
-Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro. E você?
-Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo. Quem sabe?
Meu esforço nesse momento está concentrado em não perder este meio de comunicação e de contato: Meu blog. Me recuso a deixá-lo morrer. Mesmo que apenas uma vez por mês eu hei de dar as caras por aqui. Ainda que tenha pouco a dizer...
-Me perdoe a pressa. É a alma dos nossos negócios.
-Qual! Não tem de quê. Eu também só ando a cem...
Na foto, entardecer na sacada do apartamento.

domingo, 3 de maio de 2020

PASSAGEM DAS HORAS

O título do post se refere a um poema de Fernando Pessoa que adoro e que levei à cena nos idos anos oitenta, na faculdade de teatro em Porto Alegre; com Angel Palomero, Naira Scavone e o saudoso Fernando Severino no elenco. Mas não é sobre os versos de Pessoa que pretendo discorrer aqui, e sim sobre do que se trata o nosso momento. Precisamente, a passagem do tempo. Das horas, dias, semanas, meses. E nesse passar, o mês de maio chegou. Um dos meus preferidos do ano. Principalmente quando estou em Paris. Saudades, né minha filha? Rsrsrs. Três coisas tem me mantido bastante atento e, ao mesmo tempo, distraído: A série mexicana La Casa de las Flores, no Netflix, a reprise da novela Brega & Chique, no Canal Viva, e a leitura do romance A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert. A seguir, pílulas sobre cada um dos três.

ALMODÓVAR MEXICANO – Estou apaixonado pela série La Casa de las Flores. Uma espécie de novela mexicana, bem ao estilo de Maria do Bairro, com toques de Almodóvar. Quando digo “toques” de Almodóvar estou sendo super discreto. O correto seria dizer “desbragadamente inspirada” em. Primeiro, pelo tom debochado e cômico com que o diretor aborda os temas dramáticos. Depois, por uma série de fatores que preenchem os episódios: Bichas, travestis, transexuais, ninfomaníacos, órfãos, michês, streapers, traficantes, viciados, adúlteros e, evidentemente, cenários com cores saturadas. Sem falar na exaltação à cafonice e ao kitsch, que adoro... As atrizes, como sempre acontece nesse tipo de produção, dão shows de interpretação. E nos brindam com lágrimas, ataques de nervos, rompantes de luxúria & frenesi. A trilha sonora, evidentemente, um deleite à parte. Com direito a uma cena de dublagem do clássico brega da dupla Pimpinela, Siga Seu Rumo, por aqui imortalizada na performance de Marisa Orth junto à banda Vexame...

VALE A PENA REVER – O Canal Viva reprisa às 14:30 a novela Brega & Chique, que causou frisson nos anos oitenta pela performance de Marília Pera como a milionária finíssima que, da noite para o dia, se vê sem marido e sem tostão. Por outro lado, a personagem de Glória Menezes, pobre e cafona à la mort, acorda milionária por uma herança deixada pelo falecido marido que elas, evidentemente, não sabem tratar-se do mesmo. E, diga-se de passagem, não morreu. Um veaudeville de encher as tardes. Serve também para constatar o quanto as novelas brasileiras ainda eram artesanais pouquíssimo tempo atrás. Interpretações teatrais, cenários fake, captação de noturnas que mostrava quase nada, e, claro, erros de texto que passavam batido. Isso cá entre nós ainda acontece. (Emoji de carinha chorando de rir). Mas o talento dos atores, ah! Saudades, né minha filha?

ROMANTISMO A GO GO – Minha história com o romance A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, é curiosa. Já tentei diversas vezes ler essa obra e sempre acabava desistindo. Primeiro foi quando morava em Paris e, para praticar o idioma, resolvi ler no original. Desisti nos primeiros capítulos com uma dúvida: Seria o motivo a língua francesa ou eu não tinha gostado mesmo? Acho que o idioma francês não deve ter sido a razão, pois na mesma ocasião, li obras ainda mais complexas como Calígula, de Camus, e A Idade da Razão, de Sartre, no original e não tive nenhum problema de compreensão. De volta ao Brasil, mais duas tentativas que deram em nada. Até que finalmente, ano passado, vi uma edição bonita e acessível na Livraria Cultura e resolvi adquirir. Pois não é que agora, com a pandemia e o consequente isolamento social, retomei a leitura e estou adorando? O livro é a minha cara. Boemia, amizades entre homens que beiram a homoafetividade e paixões platônicas. Quer mais? A história se passa em Paris. Com riqueza de detalhes, nomes de ruas, de bares, restaurantes e cafés. Que, claro, assim que lá voltar irei conferir. Só me resta dizer o quê? Saudades, né minha filha...
Desejo que o mês de maio seja mais leve para todos, apesar de tudo! Vamos em frente na certeza de que dias melhores virão.
Nas fotos, a família baphônica de A Casa das Flores, Marília Pera como Rafaela Alvaray e a capa da edição do romance de Flaubert.

domingo, 26 de abril de 2020

57 ENTRE 4 PAREDES

Ontem foi o dia do meu aniversário. Um aniversário diferente, confinado durante uma pandemia. Como disseram vários amigos ao me cumprimentar, inesquecível. E será mesmo. Mas de uma maneira positiva. Eu, que adoro comemorar o dia dos meus anos, de preferência viajando ou recebendo os amigos em casa, o fiz de maneira especial. Só com Weidy e Lina, nossa nova gatinha de estimação. Passei o dia inteiro comemorando. Fiz comidinhas especiais, Weidy fez um bolo lindo para mim, tomei champanhe, tomei banho de sol na sacada, falei com minhas irmãs por vídeo conferência, com direito a parabéns a você, velas e tudo o mais. Muitos amigos e admiradores me desejaram os melhores votos, me senti querido e importante para várias passoas. Gostei especialmente de uma coisa que me desejou a amiga Agnes Zuliani: Noites arrebatadoras. Ah! Que maravilha. Que privilégio já tão distante, ainda mais agora, em tempos de pandemia... Me dei conta de que a comemoração do aniversário é um estado de espírito. Não importa o local, a quantidade de pessoas, poder ou não sair para a rua. É uma conexão que faço comigo mesmo, revendo minha trajetória, agradecendo por estar vivo, festejando todos os benefícios de que desfruto nessa minha estada aqui na Terra. Ouvi muita música, escutei meus antigos ídolos com novos ouvidos, fiz dublagens e postei nos stories do meu Instagram, enfim, comemorei à altura. Brinquei muito com a Lina, quem tem animaizinhos de estimação sabe que quando são filhotes fervem como crianças, até cansar e cair no sono. A coisa mais linda do mundo... Lembro agora do meu aniversário de cinquenta anos, que passei sozinho em Florianópolis. Weidy estava em Brasília, trabalhando na Copa das Confederações, e fiz questão de ter a experiência de estar só em um lugar que amo durante a entrada em tão significativa idade. Foi maravilhoso. Algumas pessoas disseram “puxa, que triste estar só numa data tão especial”. E respondia a todas elas: Foi uma opção minha. E estou adorando. Aquele também foi um aniversário inesquecível... Como quase todos os meus são. Exatamente porque faço com que o sejam. E assim será, até quando Deus, o Universo, o Bem, a Energia Suprema me permitam. Sou extremamente grato por esta experiência que tenho o prazer de vivenciar: A minha vida. E vou confessar, sem nenhum vestígio de culpa ou soberba: Meu mundinho brut rosé é sensacional...
Nas fotos, eu em dois aniversários especiais: O primeiro e o atual.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

BONS DRINKS EM PARIS

Sou apaixonado pelo livro Les Cocktails du Ritz Paris, que ganhei de presente do meu amigo João Faria. Costumo dizer que ele é um pequeno tesouro, pois além de ser esteticamente lindo, traz revelações, histórias e receitas que são verdadeiras preciosidades para quem, como eu, se interessa pelo fascinante mundo da coquetelaria. Meu amigo João mora há muitos anos em Paris, onde foi barman de estabelecimentos notáveis como o China Club e o Le Fumoir, um dos meus bares preferidos da Cidade Luz. Voltando ao livro, ele me apaixona por diversos motivos. Primeiro porque a cada vez que o manuseio, leio ou releio, sempre acabo aprendendo alguma coisa nova de francês. Agora, com esse isolamento social que nos obriga a ficar em casa, a retomada da leitura me revelou o verbo concocter, que não conhecia, e que significa inventar, elaborar cuidadosamente. Outro elemento motivador da minha paixão pela obra são as belíssimas e divertidas ilustrações da artista Yoko Ueta. Logo no prefácio o autor revela possuir uma vasta coleção de publicações sobre o assunto, cuja leitura o fez tomar a decisão de escrever sua própria versão dos fatos e curiosidades que envolvem a criação de coquetéis clássicos e contemporâneos. Ah, já quase me esquecia de referir, o autor do livro, Colin Peter Field, vem a ser o barman do Bar Hemingway, do icônico Hotel Ritz de Paris. Já nas primeiras páginas ele presenteia os leitores com a planta baixa do bar com o número de cada mesa. Quem, como eu, gosta de bares, sabe que este é um segredo revelado a poucos habitués, para que possam comentar uns sobre os outros discretamente, referindo-se apenas aos números das mesas... Outro presente que o livro dá aos leitores é o trecho de uma carta do escritor Ernest Hemingway para o barman do Ritz da época, na qual ele revela ter experimentado um Bloody Mary – com detalhes da receita – na China, em 1947. Bem antes da data que o dito barman revela ter inventado o drink para o próprio Hemingway, nos anos cinquenta... Eu não sabia – e adorei saber – que a criação de um dos meus coquetéis preferidos, o Manhattan, é atribuída a Jenny Churchill, mãe do primeiro-ministro inglês Winston Churchill. Que as inglesas mandam ver nos drinks, isso eu já sabia... Ainda não tive o prazer de conhecer o bar do Ritz. O hotel esteve fechado para reformas de 2012 a 2016, época em que frequentei Paris com certa regularidade. Mas é sem dúvida uma das primeiras coisas que quero fazer quando voltar à Capital Francesa. Enfim, há muito o que dizer sobre este pequeno tesouro que guardo com muito carinho entre os meus objetos de charme preferidos. Uma brochura impecável, coberta de um tecido que parece ser um linho dourado, e fartamente ilustrada. Um verdadeiro coffee table book! Merci beaucoup, João, pelo adorável cadeau.
Nas fotos, a capa do livro e uma petite dégustation das ilustrações de Yoko Ueta.