quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011


DÉCADENCE

Com licença, sou a Decadência. Com licença o cacete, taí uma coisa que eu nunca peço. Aliás, duas: licença e desculpa. Sempre soube que um dia eu reinaria absoluta. Sem nenhuma elegância. Fui conquistando o meu lugar aos poucos. Comendo pelas beiradas até chegar nas melhores famílias. Eu sempre disse que ia subir. Acabei com os bons modos à mesa, com o respeito aos mais velhos e toda essa babaquice dos tempos áureos. Consegui me infiltrar nas instituições mais sólidas: igreja, família, casamento. Nunca suportei a elegância, o bom gosto e - argh! - o glamour... Felizmente hoje estão todos extintos. E eu desfilo a minha nonchalance pelos hotéis de luxo e coberturas à beira mar. Moro em Brasília, passo férias nos destinos da moda, compro tudo o que há de mais caro e uso do jeito que eu quiser. Falo de boca cheia enquanto como caviar, mastigo de boca aberta o meu foie gras, encho a taça de champanhe até a borda e, depois de engolir, arroto! Ouço música no volume máximo e quero que os vizinhos, parentes e amigos se ferrem! Vim de baixo sem o menor orgulho. Ganhei força nos buracos mais fétidos. Habitei vielas e becos. Cheirei pó nas tampas das piores privadas. Vendi meu corpo pra quem quisesse, por quanto pudesse pagar. Me safei de tudo e de todos. Eu disse que chegava lá... Criei couraças. Dissimulo gestos, olhares e palavras. Já fui cantada por Gainsbourg e Lobão. Filmada por Pasolini e Ettore Scola. Tá pensando o quê? Se mete comigo... Só não sou muito articulada. Não tenho conteúdo, como dizem os bacanas. Por isso, quer saber? Vão todos tomar no cu!
Na foto, Gloria Swanson encarna a estrela decadente Norma Desmond.

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