CARA DE PAU
O ser humano sempre teve a incrível e obscura capacidade de se fazer passar pelo que não é. E também de mentir descaradamente para os outros em benefício próprio. E ainda teve a “criatividade” de chamar isso tudo de cara de pau. Não é muita cara de pau? Responda rápido: você nunca deu uma de João sem Braço? Nunca se fez de morto pra tirar o corpo fora? Nunca se fez de salame pra ficar pendurado? Confesse: você já tentou roubar um prestígio no supermercado! Vai negar? A cara de pau existe desde que o mundo é mundo. Na antiguidade ela assumiu a forma de um cavalo que os gregos deram de presente aos troianos: o cavalo de pau. E foi evoluindo através dos tempos. No Brasil, a cara de pau ficou no poder por vinte anos usando uma farda. Nos anos noventa, disfarçada de ministra da economia, ela meteu a mão na nossa poupança. E hoje em dia ela está assumida, assimilada e bastante na moda. Aparece semanalmente nas bancas em formato de revista: a caras de pau. Está no congresso em forma de deputados que aprovam leis aumentando o próprio salário; está na televisão transmutada em modelos-atrizes-dançarinas que aspiram ser apresentadoras. E existem mesmo caras de pau feitas de madeira de lei, pois nem os cupins podem com elas. Com tudo isso, tem dias em que a gente tem vontade de parar com tudo o que está fazendo, jogar tudo pro espaço, parar o mundo pra gente descer e depois desejar que tudo o mais vá pro inferno... Calma, você não está sendo vítima da síndrome de Roberto Carlos em ritmo de jovem guarda. Você apenas constatou que toda a paciência tem limite; que todo saco, por maior que seja, um dia arrebenta e que, pra certas coisas, a única saída viável é chutar o pau da barraca. Ninguém mais agüenta ouvir a música de abertura do Fantástico todo o domingo! E a gente ouve isso há mais de trinta anos...Não dá! Só mesmo chutando o balde. Segundo o feng-shui, o balde é um utensílio doméstico que deve ser mantido num canto da área de serviço, limpo, quieto, e fora do alcance das crianças. Pode-se, até mesmo, num surto de criatividade incontrolável, incorporá-lo como acessório de decoração enchendo-o de flores, ou, como faz o Carlinhos Brown, utilizá-lo como um adorno de cabeça. Mas se você ta pouco se lixando pro feng-shui e não agüenta mais o Carlinhos Brown, a melhor coisa a fazer é chutar o balde pra bem longe. É claro que se você fizer isso irão dizer que você está sendo vítima do mal das grandes metrópoles, aquele inimigo sutil e ardiloso que nos pega despreparados e nos coloca em situações bastante constrangedoras: o stress. Quando ele ataca não há Regina Duarte que não rode uma baiana e nem mesmo Danuza Leão que não perca a etiqueta. Seja como for, às vezes é bem desestressante mandar os caras de pau pros quintos dos infernos e dar um belo chute de esquerda no balde, como se esse chute fosse fazer a gente vencedor de um grande campeonato...
Originalmente, esse texto foi escrito para a minha abertura do show Terça Insana Cara de Pau, com as colaborações de Cau Saccol e Odilon Henriques. Aqui eu o refiz e adaptei para o blog.
Ô saudade! Outro dia lembrei-me daqueles telefonemas intermináveis em que passávamos o texto e que, invariavelmente, terminávamos às gargalhadas. Talento seu em dar vida às palavras.
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