Está chovendo muito aqui em São Paulo esse verão. Quando digo muito, quero dizer muito mais do que normalmente. Chega a ser um pouco aflitivo, parece que tudo vai desmoronar, afundar. Chuva intensa, caudalosa. Nunca gostei muito de dias chuvosos. Quando criança, não dormia com medo da chuva. Podia ser chuva fraca, sem raio nem trovão. Lembro que me prevenia colocando algodão nos ouvidos e, antes de deitar, fechava bem as janelas, as venezianas, persianas, cortinas, tudo o que pudesse fazer eu fazia para evitar o barulho da chuva, pois com ele não podia dormir. Tinha medo que o vento, a água, as forças da natureza, Deus, enfim, tudo o que eu não podia controlar, me tirassem o teto, a segurança, me descobrindo na minha mais frágil solidão e impotência diante da vida. E eu tombasse ferido, como um anjo caído durante uma chuva de pedra. Chuva de pedra. Anjo caído. Essa imagem me perseguiu durante anos. Quando não tinha jeito, e ela vinha forte, com raios e trovões, chamava minha mãe. Ela, então, queimava galhos bentos em formato de cruz para a chuva passar e ficava comigo até que eu conseguisse dormir... Graças a Deus, esse medo passou com o tempo. Até porque hoje eu não teria mais minha mãe para ficar do meu lado esperando a chuva passar... Mas isso era durante a noite. Porque de dia, a gente adorava brincar na chuva. Fazíamos barquinhos de papel e os jogávamos na enxurrada que corria rente ao meio fio da calçada. No verão, tomávamos banho de chuva. E isso eu continuei fazendo depois de adulto, em Porto Alegre. Morava próximo ao Parque da Redenção e, quando chovia, ia tomar meu banho de chuva no parque... Depois, quando chegava em casa, tomava uma dose de uísque pra esquentar... E os bolinhos de chuva? Que delícia passar a tarde comendo. Ontem choveu muito aqui em São Paulo. Alagou ruas. E hoje continua chovendo. A cidade está em estado de alerta. E eu, em estado de busca, aproveito para remexer gavetas, fotografias, guardados... Que sempre trazem lembranças. Como essa foto que ilustra o post, que foi tirada por meu amigo João Faria, numa noite chuvosa em Paris... À bientôt!
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Está chovendo muito aqui em São Paulo esse verão. Quando digo muito, quero dizer muito mais do que normalmente. Chega a ser um pouco aflitivo, parece que tudo vai desmoronar, afundar. Chuva intensa, caudalosa. Nunca gostei muito de dias chuvosos. Quando criança, não dormia com medo da chuva. Podia ser chuva fraca, sem raio nem trovão. Lembro que me prevenia colocando algodão nos ouvidos e, antes de deitar, fechava bem as janelas, as venezianas, persianas, cortinas, tudo o que pudesse fazer eu fazia para evitar o barulho da chuva, pois com ele não podia dormir. Tinha medo que o vento, a água, as forças da natureza, Deus, enfim, tudo o que eu não podia controlar, me tirassem o teto, a segurança, me descobrindo na minha mais frágil solidão e impotência diante da vida. E eu tombasse ferido, como um anjo caído durante uma chuva de pedra. Chuva de pedra. Anjo caído. Essa imagem me perseguiu durante anos. Quando não tinha jeito, e ela vinha forte, com raios e trovões, chamava minha mãe. Ela, então, queimava galhos bentos em formato de cruz para a chuva passar e ficava comigo até que eu conseguisse dormir... Graças a Deus, esse medo passou com o tempo. Até porque hoje eu não teria mais minha mãe para ficar do meu lado esperando a chuva passar... Mas isso era durante a noite. Porque de dia, a gente adorava brincar na chuva. Fazíamos barquinhos de papel e os jogávamos na enxurrada que corria rente ao meio fio da calçada. No verão, tomávamos banho de chuva. E isso eu continuei fazendo depois de adulto, em Porto Alegre. Morava próximo ao Parque da Redenção e, quando chovia, ia tomar meu banho de chuva no parque... Depois, quando chegava em casa, tomava uma dose de uísque pra esquentar... E os bolinhos de chuva? Que delícia passar a tarde comendo. Ontem choveu muito aqui em São Paulo. Alagou ruas. E hoje continua chovendo. A cidade está em estado de alerta. E eu, em estado de busca, aproveito para remexer gavetas, fotografias, guardados... Que sempre trazem lembranças. Como essa foto que ilustra o post, que foi tirada por meu amigo João Faria, numa noite chuvosa em Paris... À bientôt!
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Hoje faz quinze anos que o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu faleceu. Cada vez que chega uma dessas datas, do tipo aniversário de morte ou nascimento de alguém, me dou conta do quanto a vida está passando depressa. Demais. Eu tive a sorte de conhecer pessoalmente esse que sempre foi um dos meus escritores favoritos. Caio falava a minha língua. A língua de uma geração. Tenho comigo até hoje guardada uma foto dele que roubei de um painel do Clube de Cultura no começo dos anos oitenta. Eu já era fã do Caio e adorava frequentar o bar do Clube de Cultura, na Ramiro Barcelos, em Porto Alegre. Acho que na ocasião estava em cartaz no teatro do Clube a peça Reunião de Família, adaptação que Caio fizera para o romance de Lya Luft, e a produção do espetáculo montou um painel com fotos e matérias de jornal para divulgá-la. Discretamente, parei em frente ao painel e peguei a foto do Caio sem que ninguém visse. Ela ficou anos colada na parede do meu quarto em Porto...Quando, em 1990, estava morando em Paris, hospedei em meu apartamento nosso amigo em comum Luiz Arthur Nunes, que havia ganho um prêmio Molière pela peça que escrevera em parceria com Caio, A Maldição do Vale Negro, e aproveitou a passagem da Air France com que o prêmio contemplava os vencedores para dar um giro pela Europa. Depois de ficar uns dias comigo, Luiz foi a Londres, onde encontrou com Caio, e, na volta a Paris, ele me disse: Dei teu telefone pro Caio. Ele está vindo para Paris e vai te ligar. Passa um tempo, Luiz volta para o Brasil, e eu esqueço completamente do que ele me falara. Um belo dia, estou em casa, toca o telefone, eu atendo e escuto: Alô, Roberto? É o Caio. Quase desmaiei...Marcamos de nos encontrar para nos conhecermos. Fui pegá-lo na casa do amigo que o hospedava e passamos uma agradável tarde juntos, passeando, sentando em um café e conversando muito. Eu citava trechos de livros seus que sabia de cor. Contei o quanto seu livro Triângulo das Águas mexeu comigo, e que um dos contos começava assim: Acabei de me masturbar. E ele: Eu escrevi isso? Uma noite ele foi jantar em minha casa e depois saímos para beber no Duplex, que na época já era o meu bar favorito em Paris. Lá pelas tantas ele me pergunta: Robertinho, posso mesmo dormir na tua casa? Claro, Caio, respondi. E ele: Então vamos encher o cú de Brahma! Adorável...Quando voltei ao Brasil nos encontramos diversas vezes no Rio e em São Paulo. Tive o prazer de conhecer seu apartamento da rua Hadock Lobo, onde agora seríamos vizinhos, pois moro na Franca com a Hadock. No meu aniversário de trinta anos, que comemorei em Porto Alegre, ele estava presente. Já debilitado pela doença, Caio tinha voltado a morar lá. A última vez que o vi foi em um show de Fito Paez, na Reitoria da UFRGS. Ele estava com a Mary Mezzari, sentados na fila em frente à minha. Quando Fito começou a cantar a segunda música ele me perguntou: E aí, já dá pra dizer se ele é Jacira? Querido... Quando ele morreu, não tive coragem de ir ao enterro. Sinto muito não tê-lo conhecido antes, convivido mais. Todo mundo dizia que Caio tinha um pé na fossa. E era isso que eu adorava, pois também tinha. Sem falar no seu humor, deliciosamente ácido. Amanhã, dia 26, vou homenageá-lo na Mini Mostra Caio, que o Mini Teatro, da Praça Roosevelt, está organizando. Apresentarei seu texo A Lenda das Jaciras, pelo qual tenho verdadeira paixão. Quem estiver em São Paulo, não perca. À meia noite. E pra encerrar, um trecho da Lenda: “Jacira que é Jacira nasce Jacira, vive Jacira e morre Jacira. No fundo, achando que Telmas, Irmas e Irenes são tão Jaciras quanto elas. E talvez tenham razão!”
Na imagem que ilustra o post, a foto que roubei do Clube de Cultura.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Não é propriamente de cerveja que desejo falar aqui, mas do universo masculino/heterossexual comumente relacionado a ela pela publicidade. Eu não sou grande apreciador das loiras geladas - sempre preferi vinho e champanhe - mas não consigo entender por que os comerciais insistem em associar cerveja a bofes que só pensam em futebol, praia e mulher. E são, na maioria dos casos, machistas e preconceituosos. Eu fico me perguntando, a cada nova campanha que vejo na TV, se os seus criadores ignoram que gays e mulheres também bebem cerveja. Será que nunca foram, por exemplo, a um barzinho destinado a meninas gays pra ver os montes de garrafas sobre as mesas? Principalmente naqueles que tem música ao vivo... Isso sem falar que relacionam o consumo de cerveja a atletas de alta performance, como se fosse possível se consumir cerveja e manter a forma. E os comerciais que comparam os bebedores de cerveja a guerreiros? Por Deus, qual é o link possível? Outra coisa que não consigo entender é o que leva garotas bonitas a participarem dessas campanhas machistas, geralmente usando muito pouca roupa e sendo retratadas como burras. O cachê, dirão alguns. Mas, pelo que eu me lembre, dos tempos em que fazia publicidade, os cachês andam bem mixurucas. Principalmente para desconhecidos, que, aliás, participam diariamente de milhares de testes para pegar um filme aqui e outro acolá. E a Ivete Sangalo? Bom, essa, pelo jeito, não teria o menor pudor de vender a mãe, se fosse o caso. Pois todas as suas músicas são transformadas em jingles de campanhas publicitárias sem o menor constrangimento. Algumas campanhas beiram o absurdo, com rapazes que preferem ser deixados sobre um iceberg em alto mar, após um naufrágio, a serem salvos sem poder levar as suas cervejas. Outros cavam um buraco que atravessa a terra até o Japão para buscá-las!! E a bebabilidade? E a churrascabilidade? E o Zeca Pagodinho dizendo que a bola procura o craque? Só se o craque a que se refere for a droga... Gostaria muito de conhecer um desses criadores de campanhas de cerveja. Só pra saber se pensam assim mesmo ou se tudo não passa de – odeio essa palavra – Marketing. Essa relação equivocada do consumo de cerveja com o grau de masculinidade deve certamente influenciar meninos a começarem a beber mais cedo para afirmar sua macheza... As musas de Hitchcock nunca imaginariam que sua alcunha pudesse um dia servir a propósitos tão pouco nobres... Mil vezes a canção do RPM!
Na foto, Grace Kelly em Janela Indiscreta, do mestre Hitchcock.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
domingo, 6 de fevereiro de 2011
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
CARA DE PAU
O ser humano sempre teve a incrível e obscura capacidade de se fazer passar pelo que não é. E também de mentir descaradamente para os outros em benefício próprio. E ainda teve a “criatividade” de chamar isso tudo de cara de pau. Não é muita cara de pau? Responda rápido: você nunca deu uma de João sem Braço? Nunca se fez de morto pra tirar o corpo fora? Nunca se fez de salame pra ficar pendurado? Confesse: você já tentou roubar um prestígio no supermercado! Vai negar? A cara de pau existe desde que o mundo é mundo. Na antiguidade ela assumiu a forma de um cavalo que os gregos deram de presente aos troianos: o cavalo de pau. E foi evoluindo através dos tempos. No Brasil, a cara de pau ficou no poder por vinte anos usando uma farda. Nos anos noventa, disfarçada de ministra da economia, ela meteu a mão na nossa poupança. E hoje em dia ela está assumida, assimilada e bastante na moda. Aparece semanalmente nas bancas em formato de revista: a caras de pau. Está no congresso em forma de deputados que aprovam leis aumentando o próprio salário; está na televisão transmutada em modelos-atrizes-dançarinas que aspiram ser apresentadoras. E existem mesmo caras de pau feitas de madeira de lei, pois nem os cupins podem com elas. Com tudo isso, tem dias em que a gente tem vontade de parar com tudo o que está fazendo, jogar tudo pro espaço, parar o mundo pra gente descer e depois desejar que tudo o mais vá pro inferno... Calma, você não está sendo vítima da síndrome de Roberto Carlos em ritmo de jovem guarda. Você apenas constatou que toda a paciência tem limite; que todo saco, por maior que seja, um dia arrebenta e que, pra certas coisas, a única saída viável é chutar o pau da barraca. Ninguém mais agüenta ouvir a música de abertura do Fantástico todo o domingo! E a gente ouve isso há mais de trinta anos...Não dá! Só mesmo chutando o balde. Segundo o feng-shui, o balde é um utensílio doméstico que deve ser mantido num canto da área de serviço, limpo, quieto, e fora do alcance das crianças. Pode-se, até mesmo, num surto de criatividade incontrolável, incorporá-lo como acessório de decoração enchendo-o de flores, ou, como faz o Carlinhos Brown, utilizá-lo como um adorno de cabeça. Mas se você ta pouco se lixando pro feng-shui e não agüenta mais o Carlinhos Brown, a melhor coisa a fazer é chutar o balde pra bem longe. É claro que se você fizer isso irão dizer que você está sendo vítima do mal das grandes metrópoles, aquele inimigo sutil e ardiloso que nos pega despreparados e nos coloca em situações bastante constrangedoras: o stress. Quando ele ataca não há Regina Duarte que não rode uma baiana e nem mesmo Danuza Leão que não perca a etiqueta. Seja como for, às vezes é bem desestressante mandar os caras de pau pros quintos dos infernos e dar um belo chute de esquerda no balde, como se esse chute fosse fazer a gente vencedor de um grande campeonato...
Originalmente, esse texto foi escrito para a minha abertura do show Terça Insana Cara de Pau, com as colaborações de Cau Saccol e Odilon Henriques. Aqui eu o refiz e adaptei para o blog.