quarta-feira, 30 de outubro de 2024
LONESOME COWBOYS
Nem bem o corpo de Antonio Cícero acabara de esfriar na gélida Suíça e eu já me encontrava na sala de um cinema para assistir ao novo filme de Almodóvar - O Quarto ao Lado - sobre o qual ainda não consegui escrever tal o baque que me causou, e agora fico sabendo da morte do cineasta Paul Morrissey. Não sei os de hoje em dia, mas os jovens da minha época eram muito votados ao cinema. O cinema foi parte da minha formação cultural. Não era mero entretenimento acompanhado de baldes de pipoca e refrigerante como agora. Salas como o Cine Baltimore e o Vogue, em Porto Alegre, nos colocavam em contato não com um ou dois filmes, mas com a obra dos grandes cineastas. Não apenas com os lançamentos, mas toda a cinegrafia dos grandes realizadores. Claro que muita coisa boa, por ser independente demais, alternativa demais, ficava de fora. Os filmes de Paul Morrissey, por exemplo. Quando fui morar em Paris no começo dos anos noventa é que tive o prazer de aprecia-los. Eu só conhecia o cult Mixed Blood de assistir em vídeo ainda em Porto Alegre, graças à maravilhosa locadora Espaço Vídeo, que foi responsável pelo preenchimemto de importantes lacunas da minha cultura cinéfila. Nesse filme, Marília Pera arrasava com a traficante latina Rita La Punta, em mais uma de suas inesquecíveis atuações. Mas, voltando a Paris do começo dos anos noventa (e aos filmes de Morrissey), comecei pela trilogia Flesh, Trash e Heat nos quais a beleza de Joe Dallessandro é celebrada microscopicamente e frame a frame. Recém-chegado do sul do Brasil, com minha cabecinha ainda se abrindo para a grandeza do mundo, tudo me encantava, me estupefava, me colocava em xeque. Viva o cinema! Depois veio Lonesome Cowboys, a incursão satírica de Morrissey e Andy Warhol pelo western americano e outros de que não me lembro agora. Era tanto cinema, tantos cineastas e filmes, tanta coisa inédita para mim, todo um mundo a descobrir, toda uma Paris efervescente e etc. Morrissey foi o parceiro de Warhol em suas incursões pela sétima arte. Tudo o que saía da Factory de Andy Warhol vinha envolto em glamour, mas um glamour nada mainstream, era um glamur que abrangia "do Hight Society ao Underground", para citar meu personagem cult da terça Insana, Emiliano Salvatori. Alguém comentou esses dias numa postagem minha de rede social que "os anos oitenta estão acabando", o que concordei e acrescentei: os noventa também. E é normal que assim seja, para a frente é que se anda. Mas que dá dó, dá... Nas fotos, os cowboys solitários Morrissey & Warhol e Joe Dalessandro no cartaz de Trash.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
MUNDO PISTACHE
De repente o mundo foi invadido por pistaches. Lembro que desde criança esse sempre foi meu sabor preferido de sorvete. Mas era só isso, um sabor de sorvete. Depois, já adulto, vim a conhecer o pistache em si, propriamente dito, salgadinho e com a casca entreaberta, que a gente passa mais tempo descascando do que comendo… Até que, de uns tempos para cá, o pistache entrou na moda e agora tudo é de pistache. Virou febre. O sorvete, que já era de pistache, ganha um banho de pistache moído, como se fosse empanado em pistache. Bolos, tortas, doces, picolés, mousses, macarons, mil folhas, brigadeiros, canolis, biscoitos, tudo, absolutamente tu-do de pistache. Ele atingiu o seu auge, seu paroxismo, sua apoteose. Essa saborosa oleaginosa foi promovida, elevada à décima potência, virou uma espécie de Bruno Mars da gastronomia. E já aponta para a banalização: a Bauduco lançou waffle recheado de pistache, o Habibs tem casquinha de pistache e a Cacau Show tem agora o festival do pistache. Chegou no camelô, como gosto de dizer. Ou “virou bunda”, como dizia meu saudoso amigo Marcelo Pezzi… (Na decoração e na moda ele já virou nome de cor e está em todas as paletas: De vestidos, bolsas e sapatos até estofados, paredes e cortinados). Lembram do tomate seco, que bombou no começo dos anos 2000? Até sushi de tomate seco fizeram! Pois é, to só esperando o temaki frito e a pizza doce de pistache. Como diria minha personagem Betina Botox, vamos dar um tempo pro pistache?
P.S. Me permiti esse texto leve & bem humorado para dissipar as brumas em que me encontro envolto desde ontem após assistir ao novo filme de Almodóvar, O Quarto ao Lado. Não é para os fracos como eu. Mas, mesmo assim, imperdível.
Na foto, sorvete libanês banhado em pistache da Bachir.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
OLHOS FELIZES
Quando um poeta morre uma luz se apaga ou uma estrela passa a brilhar no firmamento? Uma porta se fecha ou uma janela se abre para o infinito? É uma flor que murcha e se despetala ou uma semente que germina e desabrocha em nova floração? É tudo isso e muito mais. Pra sempre e mais um dia, para citar o próprio. Antonio Cícero morreu hoje na Suíça, onde se submeteu a uma morte assistida; uma eutanásia, em bom português. Por aqui esse ainda é um assunto tabu. Somos cristãos demais, medrosos demais, conservadores demais. Mas aos poetas tudo é permitido. Eles transformam a própria existência em poesia. A própria morte também... (A carta de despedida que ele deixou para os amigos já circula na internet e é pura poesia). Quem me conhece sabe o leitor voraz que sou. Mas sabe também que sempre preferi a prosa à poesia. (Exceções feitas a Mario Quintana, Álvares de Azevedo, Fernando Pessoa, Baudelaire e Cecília Meirelles, entre outros). Só que a minha geração, que foi jovem nos anos oitenta, deve muito do seu contato com a poesia à música popular brasileira. E foi através dela, mais especificamente dos discos de Marina Lima, que tive contato com a obra de Antonio Cícero, irmão da cantora e compositora. Versos como "existe alguém pra quem eu sempre retorno; ninguém no mundo faz o que ele me faz; tanto romance, tanta graça e pornô: é o meu amor" ficaram gravados pra sempre na minha memória e na de muitos que foram jovens naquele tempo. Mas não vamos falar em tempo, poetas são atemporais. Cheguei a viver no mesmo tempo de Mario Quintana, um dos meus prediletos. E mais, vivi na mesma cidade que ele e o encontrava, não raro, pelo centro de Porto Alegre. Na Rua da Praia, na Praça da Alfândega, na sede da Companhia Jornalística Caldas Júnior, onde minha irmã Rita, recém formada jornalista, trabalhava. Depois ele partiu, mas seus versos ficaram, os vários autógrafos e dedicatórias que ele me deu ficaram também... Poetas são perenes, constantes, infindáveis. Seus olhos vêem o mundo pela lente da poesia: "Eu gosto de olhar o mundo, não ligo pro que dizem, meus olhos são felizes" dizia Cícero no segundo LP de Marina. Poetas não deixam de existir, tão somente transmutam em verso. Antonio Cícero não morreu. Apenas fez jus ao título que lhe deu a Academia Brasileira de Letras: tornou-se, de fato, imortal... "As coisas não precisam de você. Quem disse que eu tinha que precisar? Dorme, meu menino, dorme. Não vou prender você, não sou sua residência. Você ainda vai ser fogo e depois ausência... Só vou te contar um segredo: nada de mal nos alcança; pois tendo você, meu brinquedo, nada machuca nem cansa... Fecha aspas.
Nas fotos, Cícero só e acompanhado da irmã Marina. Meus mais profundos sentimentos a ela.
domingo, 20 de outubro de 2024
GERTRUDE STEIN
Retomei pela enésima vez a leitura de A Autobriografia de ALice B. Toklas, de Gertrude Stein. O leitor pode se perguntar: como assim, a autobiografia de uma pessoa escrita por outra? Pode? Em se tratando de Gertrude Stein, sim, pode. Fico me perguntando o que me faz interromper sempre a leitura dessa obra e mais, o que me faz sempre voltar a ela. Acabo achando, na maior parte das vezes, que o que me atrai nela não é a leitura em si - o estilo, a obra propriamente dita - mas, sim, toda a atmosfera que ela envolve e, principalmente, os personagens. Gertrude viveu em Paris na primeira metade do século vinte e foi uma espécie de ímã, um centro gravitacional em torno do qual circulavam os grandes expoentes da arte moderna que surgia naqueles anos loucos. Isso certamente torna a obra atrativa para mim. Bem mais do que as suas longas frases quase sem vírgulas e as repetições, sim, as repetições que de tanto se repetirem acabam cansando. E que também tornaram célebre a sua frase "uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa... Me cansa também ficar constantemente interrompendo a leitura para ir ao Google verificar quem foi determinado artista ou autor, determinada pintura ou obra literária, posto que o texto é uma enxurada sem fim de citações e eu, curioso que só, preciso saber na hora a quem ou a quê a autora se refere... Mas, elucubrações à parte, o resultado é sempre positivo e desta vez já consegui passar da metade. O mesmo aconteceu quando li uma outra obra desta autora intitulada Paris, França. Nela, a mesma e fascinante entourage de gênios das artes plásticas e da literatura são o principal atrativo para mim. Sabe uma pessoa bem relacionada? Gertrude e Alice, sua companheira de toda a vida, recebiam em seu apartamento térreo da Rue de Fleurus todos os sábados a nata da nata dos artistas que eram atraídos à cidade luz e alguns franceses também. Adoro essa expressão, "a nata da nata", que meu saudoso professor Ivo Bender usava para se referir a nós, seus alunos preferidos... Pois a nata da nata de então eram ninguém menos do que Picasso, Matisse, Braque, Éric Satie, Ernest Hemingway, Juan Gris, Apollinaire, Picabia, Ezra Pound e James Joyce, para citar alguns. As paredes do apartamento da Rue Fleurus eram cobertas do teto ao chão por obras dos grandes expoentes da arte moderna. Dentre elas, o famoso Retrato de Gertrude Stein, de Picasso. Que, quando ele deu por terminado, Gertrude teria dito: Mas não se parece comigo, Pablo. E ele teria respondido: Mas vai parecer, Gertrude... Essa Paris boêmia me fascina e sonho ter participado daqueles salões frequentados por artistas que Woody Allen tão bem retratou em seu filme Meia Noite em Paris. Quem sabe um dia eu, assim como fez Gertrude Stein, ainda acabe trocando São Paulo por Paris definitivamente? Sonhar não custa nada! Enquanto isso não acontece, vou me deleitando com a leitura desta autobiografia...
Nas fotos, Gertrude & Alice na sala do apartamento da Rue Fleurus, o famoso Retrato de Gertrude Stein, de Picasso e a capa da luxuosa edição da autobiografia pela Cosacnaify.
domingo, 13 de outubro de 2024
TOUJOURS EVINHA
Sou fã da cantora Evinha desde a infância. Lembro dela cantando Luciana na televisão, se não me engano em algum daqueles festivais da canção. Lembro também de mim, com uns seis, sete anos de idade, cantando essa cantiga num dos meus teatrinhos no porão da minha casa em Soledade… Faz muito que Evinha vive em Paris, cidade que amo de paixão e onde viveria se tivesse a opção de trocar a minha Sampa por ela. Não posso, não tenho essa opção. Mas sempre que Evinha vem a São Paulo, lá estou eu na plateia a aplaudi-la… Tenho vários de seus LPs e amo quando ela canta Beatles, por exemplo. Já disse aqui, e torno a repetir, ela é o nosso Michael Jackson. Esse fim de semana tive o prazer de vê-la se apresentar aqui em São Paulo no Blue Note, essa casa aconchegante onde a gente vê os artistas de perto enquanto toma um drink e belisca algum petisco. Adoro ir ao Blue Note por isso tudo e também porque é perto da minha casa, vou e volto à pé, e aproveito para apreciar a arquitetura do Conjunto Nacional, que é onde fica a casa, e sua vista impactante da Avenida Paulista. (Eu pensava que o edifício fosse uma criação de Niemeyer. Só recentemente descobri que é de autoria do arquiteto David Libeskind). Mas, voltando a Evinha: nesse show chamado Uma Voz, Um Piano ela se apresenta acompanhada pelo pianista francês Gérard Gambus, que vem a ser o seu marido. Gérard tocou durante muito tempo com Paul Moriat. No show eles nos brindaram com antigos sucessos da carreira dela, algumas do disco que ela fez em homenagem a Guilherme Arantes e composições dos irmãos de Evinha que ficaram famosas nas vozes de outros artistas como, por exemplo, Wanderléa. Adorei que ela abriu o show com a canção Alguém Cantando, de Caetano, que no álbum Bixo ele gravou na voz de sua irmã Nicinha... Felizmente o casal costuma vir sempre ao Brasil (de seis em seis meses, como ela revelou no show) e a gente pode se deleitar com a voz dessa cantora tão amada pelo seu público. A prova desse amor foi a reação calorosa da plateia durante o show e a enorme fila que se formou após a apresentação para cumprimentar e tirar fotografias com a dupla. Eu, claro, aproveitando minha nova condição de idoso, fui um dos primeiros…
Nas fotos, Evinha e Gérard em cena, a Paulista vista da varanda do Blue Note e eu tietando o casal.
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
SEPTEMBER DUMP
O mês de setembro acabou deixando um gostinho de quero mais. Teve a florada dos ipês brancos na Oscar Freire e redondezas, enchendo de graça e beleza as ruas dos jardins; teve a dança vertical do Grupo Ares, coreografada pelo Weidy na fachada do Teatro Paulo Eiró, integrando a programação do Festival de Choro e Jazz; assisti ao espetáculo Gostava Mais dos Pais, com os talentosos Bruno Mazzeo e Lucio Mauro Filho, que ao final faz uma bela homenagem aos comediantes brasileiros, desde os primórdios até hoje em dia. Fiquei tocado quando me vi projetado no telão junto aos colegas da Terça Insana… Conheci, por indicação da newsletter de Joyce Pascowitch, a escritora japonesa Yoko Okawa, de quem já me tornei fã; flanei pela Paulista ao entardecer antes de encontrar Luis Artur Nunes para mais uma de nossas happy hours; e essa, diga-se, foi no agradabilíssimo Los Perros Vinho no Boteco, que vale a pena conhecer; tive o privilégio de assistir ao espetáculo Norma, com Nivea Maria e Rainer Cadete, e fiquei emocionado de ver Nivea no palco pela primeira vez; lá estava também na plateia Walcyr Carrasco, que abordei no melhor estilo tiete e fiz uma selfie avec; tive o desprazer de assistir Datena e Pablo Marçal se engalfinharem em pleno debate político na TV Cultura, uma cena patética digna dos tempos bizarros que vivemos. Deu até saudade de Marta Suplicy mandando Maluf calar a boca e de Aécio Neves dizendo para Dilma “a senhora está sendo leviana” rsrsrs… Fui brindado com a estreia de mais um Woody Allen, dessa vez filmado em Paris, com atores franceses, falado em francês, parecendo ter sido feito sob medida para mim; reencontrei os queridos amigos Tude Bastos e Claudio Murakami para drinks em um bar gay (nem sabia que isso ainda existia) em pleno centro da cidade chamado Lord Byron. Amei a frequência 60 +. Há longevidade na vida gay bohemian! Inesquecível… Bati pernas com o Weidy no Festival Pinheiros, uma feira gastronômica com bandas tocando em diversos palcos, barracas de comida e bebidas, gente bonita e muito sol no domingo de primavera em que fiz foto com o governador do meu estado, Eduardo Leite, de quem sou admirador. Más línguas dirão que é só pela beleza, mas é pelo conjunto da obra… Fui, com meu amigo Edson Cordeiro, assistir ao musical Hairspray, um show de talentos encabeçado por Thiago Abravanel e pelo impagável Lindsay Paulino. Diversão garantida… Nossas orquídeas deram um show de floração simultânea na sacada e a irmã do Weidy, Zelma, que mora na Noruega, veio nos visitar. Assisti, com o coração na boca, à série Monstros, na Netflix, que traz Javier Barden em interpretação impressionante. Vale muito assistir. Para fechar o mês com chave de ouro, fomos assistir nossa amiga Anna Gelinskas arrasar cantando jazz e chanson française acompanhada de um trio (piano, contrabaixo e bateria) no interessante Cine Clube Cortina, no centro da cidade, ao lado da Casa do Porco… Um inesquecível mês de setembro que já entrou para a minha história. Que outubro nos seja leve!
Nas fotos, entardecer na Paulista, uniforme do bar Los Perros, a pista de dança do Lord Byron e a diva Anna Gelinskas.
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