quarta-feira, 26 de junho de 2019

JOIA DE CORAL

A felicidade não manda avisar quando vai chegar. A ninguém. A ninguém. Canta Gal no iPad, na varanda de frente para o mar de Ilhabela. E é a mais pura verdade. Ela chegou em pleno inverno, no meio da semana, em uma Ilhabela quase que reservada exclusivamente para nós. Chegamos no domingo, justamente quando todos começavam a voltar para São Paulo depois do feriado prolongado de Corpus Christi. Viemos passar o aniversário do Weidy junto ao mar... O bom de se estar aqui nessa época do ano é que os lugares que normalmente são cheios de gente ficam vazios para nós. Um paraíso particular. E o melhor: Poucos mosquitos, comparado ao verão. Alugamos um chalé na Praia do Curral que fica no alto da montanha, de frente para o mar. Todos os dias temos um show de por do sol na varanda de casa. Nem dá mais vontade de voltar... Sempre que venho para Ilhabela descubro ou redescubro álbuns de artistas que não ouvia há muito tempo. Agora, nessa temporada, tem sido o disco de Gal dedicado à obra de Ary Barroso, Aquarela do Brasil. O da capa verde. A voz de Gal, à época um cristal, destila a mais pura poesia em versos como "teus lábios, duas joias de coral no engaste sensual de tua boca"... E os dias se sucedem a nos descortinar a beleza inesgotável dessa ilha encantadora. À noite refresca, dá para vestir um moleton. Já os dias são de puro sol e céu de brigadeiro. Gal segue cantando: "O mais lindo luar: tu. A grandeza do mar: tu"... Realmente, a felicidade não manda avisar quando vai chegar...
Na foto, vinho ao por do sol na varanda do chalé.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

DOR E GLÓRIA

O primeiro desejo a gente nunca esquece. O cineasta espanhol Pedro Almodóvar resolveu trazer o dele à tona no filme Dor e Glória, que estreou no último fim de semana. Um dos únicos diretores a me fazer sair de casa para ir ao cinema atualmente, ele sempre me surpreende. Agora maduro e sério, Almodóvar tem se dedicado mais ao drama. É claro que prefiro sua fase boleros, cores e travestis. Mas a inegável evolução desse cineasta que começou alternativo e virou cult também é algo que muito me apraz. O filme é lindo. Triste. Intenso. Por vezes arrastado e até um pouco chato. Mas pleno da essência do artista. Para quem como eu acompanha toda a trajetória, desde os primeiros filmes até esse último, está tudo lá. Ou, pelo menos, a origem de tudo o que ele já filmou está nessa belíssima película. A volta de Antonio Banderas, por muito tempo seu ator fetiche, é um luxo só. Principalmente por ser um filme autobiográfico e Banderas personificar o próprio Almodóvar. Sua infância no seminário, como já mostrada em La Mala Educación, é revisitada com detalhes ainda inéditos para os fãs. Seus problemas de saúde, com as drogas e com as relações, explorados até a raiz. É claro que o humor peculiar a Almodóvar também aparece em vários momentos, ainda que de maneira contida. Como na cena em que a amiga o avisa que foi convidado para uma palestra na Islândia e ele, sem a menor vontade de ir, responde: Não entendo porque gostam tanto de mim na Islândia... Ou quando sua mãe está contando histórias das vizinhas e, ao perceber seu interesse, avisa: Não me olhe com essa cara de contador de histórias. Não quero que mostre minhas vizinhas nos teus filmes! Adorável... Um filme maduro, sério, intenso, dramático. Ou seja, um Almodóvar sem lubrificante. Que vai direto ao ponto. E sem nenhum bolero também. Mas, em compensação, traz na trilha uma linda versão em espanhol de A Noite do Meu Bem, de Dolores Duran. Como disse, sempre surpreendente.
Na foto, criador e criatura no set de filmagem.

sábado, 8 de junho de 2019

RAINHAS DA PESADA

Minha segunda incursão na dramaturgia, Rainhas da Pesada foi um presente meu para o ator Paulo Vicente, que queria comemorar com um espetáculo solo os seus quinze anos de teatro. Estávamos no ano de 1994 e eu, meio sem expectativas profissionais em Porto Alegre, já estava de olho em São Paulo. Inspirado no histrionismo ímpar deste maravilhoso ator/comediante e na sua incrível capacidade de interpretar papéis femininos, escrevi sete monólogos. Em cada um deles, Paulo interpretava uma rainha da história, da mitologia ou da ficção. O roteiro seguia mais ou menos a estrutura do teatro de revista (à época eu estava devorando o livro de Neide Veneziano), com pitadas da chanchada dos filmes de Oscarito e Grande Otelo. Acabei sentindo necessidade de ter dois atores para contracenar com algumas rainhas e para agilizar as trocas de cena. Chamei Vinicius Vilanova e Émerson Guimarães, que faziam os compères da revista, revezando-se em pequenos papéis. Mas nem por isso Paulo Vicente deixou de ter o seu solo... Tivemos o privilégio de contar com a produção da Opus, luxo dos luxos em se tratando de espetáculos locais. Geraldo Lopes ainda estava à frente da produtora e, empolgado com nosso projeto, nos deu carta branca para realizá-lo. Ro Cortinhas e Flavia Aguiar se encarregaram dos figurinos e Fiapo Barth criou os objetos cenográficos. Com um trio da pesada como esse assinando o visual, já dá para ter uma ideia da beleza do resultado. Para arrematar o pacote, a luz precisa e bela de Fernando Ochoa. Rainhas da Pesada nos levou a Salvador, onde faríamos uma temporada de um mês. Com o sucesso que fizemos junto ao público baiano, a temporada foi prorrogada. Na temporada baiana tivemos na luz o auxílio luxuoso de Marga Ferreira, a nossa Marguinha. Uma curiosidade: Como os atores que acompanhavam Paulo Vicente em cena tiveram de voltar para Porto Alegre, adaptei o espetáculo e substituí, eu mesmo, os dois atores... Rainhas da Pesada foi a última peça que dirigi em Porto Alegre. No ano seguinte, meu último na capital gaúcha, escrevi, dirigi e atuei em um show performático musical ao lado de Marione Reckziegel chamado Amor à la Carte. As Rainhas fecharam um ciclo de direções na minha carreira. Ao me transferir para São Paulo acabei me dedicando mais à interpretação. Aqui na Pauliceia dirigi apenas uma remontagem de As Filhas de Lear, do grupo Le Plat du Jour, e alguns shows dos cantores Edson Cordeiro e Laura Finochiaro. Mas as coisas estão sempre em transformação, de modo que nunca fecho portas... Por incrível que pareça não tenho nenhuma foto desse espetáculo. Essa que ilustra o post é de uma matéria de capa do segundo caderno do Correio da Bahia, quando da nossa estreia em Salvador. Já recordações, essas tenho muitas. As melhores... Nunca quis remontar as rainhas, embora tenha recebido convites de outros atores. Elas foram escritas para Paulo Vicente, para serem interpretadas por ele e somente por ele. Durante muito tempo Paulo foi meu ator fetiche. E sem dúvida nenhuma continua sendo um deles...
Na foto, Paulo Vicente como Maria Antonieta.

terça-feira, 4 de junho de 2019

PRINCESA ART NOUVEAU

Sempre que estou sentindo muita vontade de estar em Paris, como agora está sendo o caso, acabo descobrindo algum programa para fazer aqui em São Paulo mesmo que me remeta à capital francesa. No último fim de semana esse programa foi uma visita ao Palacete Dona Veridiana, que fica na esquina da rua de mesmo nome com a Avenida Higienópolis. A construção do século dezenove foi residência da proprietária e atualmente abriga a sede paulistana do Iate Clube de Santos. Fui recebido pelo seu administrador, Augusto, que com muita simpatia me mostrou as dependências enquanto me colocava a par de alguns detalhes da vida da ilustre moradora. Dona Veridiana da Silva Prado, uma dama da alta sociedade paulistana, era uma mulher totalmente à frente de seu tempo. Ficou mal vista e mal falada pela conservadora São Paulo de então por ter tido a coragem de se separar do marido e por abrir as portas de sua casa para receber artistas, políticos e intelectuais em memoráveis saraus que deviam sacudir a ainda tímida Pauliceia... Depois de passar uma temporada na frança, Veridiana encantou-se com os salões de Paris e decidiu que construiria o seu próprio salão por aqui. Munida de uma planta feita por um arquiteto francês voltou trazendo no navio quase todo o material com o qual construiria o seu sonho: Mármores, vitrais, tijolos, lustres, esquadrias e tudo o mais. E, obviamente, tombou com a caipirada... Visitar essa relíquia hoje em dia é um pouco como conhecer um Hôtel Particulier francês. Só que lá eles são inteiramente conservados e muitos viraram museus abertos à visitação, como é o caso do Musée Jacquemart-André, um dos meus preferidos. Aqui no palacete em questão pouco do original foi mantido, houve reformas, adaptações para a instalação do clube, e o que restou para ser visto foi basicamente o andar térreo. Os aposentos superiores nem se pode visitar. Mas ainda assim há muitas coisas lindas para se ver como o jardim com fonte e lago de carpas, os cisnes negros, a pintura de Almeida Junior no teto de um dos salões e a Diana de Brecheret no hall de entrada. A mansão de estilo renascentista francês, que em 2001 foi tombada pelo Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo, já recebeu hóspedes ilustres como o imperador Dom Pedro II e a Princesa Isabel. Grande incentivadora das artes, Veridiana da Silva Prado faleceu em 1910, aos oitenta e cinco anos, em seu palacete. Seu primogênito, Antônio da Silva Prado, foi o primeiro prefeito de São Paulo. Saí de lá com vontade de voltar no tempo e ser amigo dela. Para ter o privilégio de frequentar essa casa que abrigou tantas histórias...
Nas fotos, as entradas frontal e lateral da casa, recanto em um dos salões e a Diana de Brecheret no hall principal.

sábado, 1 de junho de 2019

ELECTRA

O mês de junho chegou trazendo uma novidade quente: Electra, o novo álbum de Alice Caymmi. Alice é uma cantora que me chamou a atenção desde a primeira vez que a ouvi cantar. O sobrenome de peso dispensa apresentações. E o enorme talento faz jus à cepa da qual ela descende. Me encantei de cara pelo segundo álbum da jovem cantora, cujo título era Rainha dos Raios, extraído da canção Iansã, de Gil, que Maria Bethânia gravara no antológico álbum Drama. No terceiro álbum ela descambou para um pop meio eletrônico meio comercial sobre o qual nem posso opinar porque me recusei a prestar atenção. Agora, com esse belíssimo Electra, ela reafirma a que veio. Tipo mostra como é que se faz. E como faz bem! Alice lembra Maysa, mas não somente ela: Tem toques de Ângela Ro Ro e pitadas da tia Nana Caymmi... O álbum - todo em piano e voz - resgata pérolas da música popular brasileira em versões totalmente autorais. Que deleite ouvir Alice cantando Fracassos, de Fagner. Ou Diplomacia, de Maysa. Ou Me Deixe Mudo, de Walter Franco. Ou a irreconhecível Pelo Amor de Deus, de Tim Maia... Ela se apropria das canções e as recria de tal forma que passam a parecer suas. Faz tempo que me apaixonei por essa jovem cantora e venho dizendo: Alice Caymmi é a melhor coisa da música popular brasileira atual. Se não for a única. Cheia de potência, vibrante, emocional, intensa, para dizer o mínimo. Mas sou suspeito para falar, pois já sou fã. E fã, sabe como é... Tia Nana, que alfinetou a sobrinha na polêmica entrevista que concedeu ao Estadão quando do lançamento do álbum com músicas de Tito Madi (outra joia rara), deve estar muito feliz e contente com esse resgate. O pianista Itamar Assiere encorpa as composições, conferindo-lhes relevância e profundidade. Ainda que Alice resolvesse cantar algo como, sei lá, Claudinho & Buchecha, ao som do piano de Itamar soaria magnífico... Ouvindo essa beleza de álbum não há como não lembrar do icônico Voz e Suor, de sua tia Nana e Cesar Camargo Mariano. Com Electra, Alice mostra que pode fazer o que bem entender com o vozeirão que Deus lhe deu. E deixa claro que quem sai aos seus não degenera...
Na foto, a capa do álbum. A meu ver a única referência ao mito grego do título. Louco pra assistir ao show!