sábado, 29 de dezembro de 2018

PALAVRÕES DO BEM

Eu não sei exatamente quando ocorreu essa mudança. Só sei que perdi o ponto exato em que os palavrões deixaram de ser ofensa, chingamento, falta de educação, e passaram a ser considerados elogios ou modo coloquial de se falar. O que lembro é que quando Caetano Veloso lançou o álbum Abraçaço, que trazia a canção A Bossa Nova é Foda, senti um certo desconforto mas, em seguida, aderi. Afinal, Caetano sempre foi irreverente, pop, transgressor e, agora mais do que nunca, atento aos sinais da modernidade. Mas comecei a achar a coisa deveras esquisita quando fui a um show de Johnny Hooker no Cine Joia e as pessoas, que estavam em êxtase com a apresentação, gritavam frases do tipo: Puta que pariu! Vai se fudê! Você é do caralho! Vai tomar no cu! Fiquei me perguntando o que elas gritariam se estivessem detestando... E como meus ouvidos não me dão descanso, passei a perceber essa, digamos, tendência, em todos os lugares. Nos bares, restaurantes, teatros, cinemas, em toda a parte. É um tal de "pra caralho", "do caralho" e até a variação "do grande caralho". Ou seja, o caralho está em todas as bocas... E, quando não pode ser pronunciado, como em programas ao vivo na televisão, as pessoas o substituem por baralho... Merda e bosta já estão definitivamente liberados, mas estes com a significação original mesmo, de chingamento. Quem é muito bom no que faz é pica. O velho e ingênuo "bem feito" foi substituído por "chupa"... Fico lembrando do tempo em que, além de não poderem ser pronunciados, não eram nem ao menos escritos. Eram grafados como uma sequência de símbolos sem significado que a gente subentendia tratar-se de um palavrão. Algo como #*¥@$&#*... Tenho tanto apreço pela língua portuguesa, a considero uma das nossas maiores riquezas. E é com incontida tristeza que a vejo definhar dia a dia. Mas, como já dizia Oscar Wilde, se soubéssemos quantas vezes nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio no mundo...

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