sábado, 21 de julho de 2018
JE SUIS NANETTE
Nem só de machismo e piadas preconceituosas se alimenta o stand up comedy. Aliás, isso que se pratica por aqui com o nome de stand up nada mais é do que uma deturpação do estilo. Nós brasileiros adoramos nos apropriar de formatos de sucesso, esvaziando-lhes o conteúdo para depois preencher com toda sorte de bobagens... Mas vamos falar do que presta: Hannah Gadsby. Seu show Nanette, exibido no Netflix, lança uma luz sobre as brumas do mau gosto que insistem em turvar nossa visão. Quem caiu na besteira de cancelar o Netflix porque ele exibiu a série O Mecanismo não vai poder apreciar essa pérola do humor contemporâneo. Chamar de humor o que Hannah faz é redutor. É muito mais. Fora a sua competência para fazer rir, que é inquestionável, fora todo o seu conteúdo, que é de grande relevância, e fora também a sua construção dramatúrgica, que é impecável, o que mais me pega nessa comediante é a sua habilidade em conduzir o público - que está ávido por risadas - até a sua dor mais profunda. E, uma vez lá, exibir a ferida e chafurdar nela para então devolvê-lo ao conforto de teatro dizendo: É por isso que eu preciso deixar a comédia. Minha história precisa ser contada da maneira certa... Adoro comediantes que fazem isso. Que ousam reverter as expectativas da plateia, surpreender, sacudir, fazê-la pensar sobre o que a faz rir. Hannah Gadsby o faz com maestria. Ela diz que uma das suas maiores qualidades é a resiliência, a capacidade de vergar-se e não quebrar. E só quem sentiu na pele a dor do preconceito e da discriminação na infância e na adolescência é capaz de entendê-la completamente. Ela encerra dizendo que ninguém pode com uma mulher que foi destruída e se reconstruiu. E é isso mesmo: Precisamos todos nos reconstruir. Independente de gênero, orientação sexual ou classe social. Pois essa maneira cruel pela qual fomos construidos já está provado que não deu certo. O que temos aqui não nos serve mais... Não se engane pensando que possa ser chato. É extremamente divertido de se assistir. Mas, por favor, assistam com os olhos, os ouvidos e o coração bem abertos. E tem que assistir até o fim. Se não, não vale. Fica a dica.
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