quinta-feira, 23 de março de 2017

TRISTE BIXIGA

Os festejos comemorativos dos meus vinte e um anos em São Paulo foram encerrados com um jantar em uma típica cantina italiana do bairro do Bixiga. O que era para ser apenas um brinde com vinho & polpetone acabou se transformando em um resgate do passado . Explico: Na década de oitenta, quando ainda vivia em Porto Alegre, vim estrear um espetáculo na capital paulista e permaneci em cartaz na cidade por três meses. Era o ano de 1987, eu tinha apenas vinte e três para vinte e quatro anos e obviamente saía todas as noites. O destino certo e infalível era o boêmio bairro do Bixiga. Mais especificamente na confluência das ruas Santo Antônio e Treze de Maio. Não apenas para jantar nas cantinas, mas também e principalmente para beber nos bares que lotavam a Treze de Maio. Começando pelo Café do Bixiga, logo em baixo, e terminando com o Café Piu-piu no alto da rua. No meio tinha o Metamorphose - se não me engano era esse o nome. Esse bar tinha um interessante jogo de espelhos formado por vidros espelhados com uma vela acesa de cada lado. A gente se sentava frente a frente com alguém e ficava transformando o rosto de um no rosto do outro. Muito louco... Na Santo Antônio tinha uma livraria que ficava aberta à noite e onde eu sempre passava para ver as novidades. Foi lá que comprei o livro de Glauco Mattoso, Manual do Pedólatra Amador: Aventuras & Leituras de Um Tarado por Pés e descobri que não estava sozinho... Mas dessa vez não foi nada disso o que encontrei por lá: Beeem decadente, o local exibe casas e prédios cobertos de pixações, os bares todos fechados ou transformados em cortiços, e as cantinas fechadas ou vazias. Só o Café Piu-piu persiste no alto da rua. Triste Bixiga. Ó quão dessemelhante... Eu quis rever a Cantina Montechiaro, na rua Santo Antônio, onde costumava ir após os espetáculos, por isso a escolhi para comemorar minha maioridade paulistana. Tinha na memória o salão lotado, com vários artistas de teatro a abrilhantá-lo com suas presenças. Lembro de ter sido apresentado a Lilia Cabral bem garota, que estava no ar em sua primeira novela na Globo. O grupo de teatro ao qual eu pertencia era muito admirado e respeitado e todos queriam nos conhecer. Mas lá se vão trinta anos... O que encontrei foi um salão vazio. Além de mim e do Weidy só havia um senhor solitário em uma mesa e um casal em uma outra. Ainda assim valeu pelo brinde e pelo resgate dessa memória. E também por que descobri, no meio de toda a feiúra reinante, um artista de rua que muito me emocionou...
Nas fotos, obra do artista Orsetti e o salão vazio da Montechiaro provam que estando atento e forte a gente consegue ver beleza em tudo. Até na decadência.

Um comentário:

  1. Amigo querido de tantas passagens, você consegue transformar São Paulo num lugar aprazível, acredito que seja o seu olhar sensível para as coisas, os lugares e a arte que está impregnada em todos os seus poros desde a tenra idade. Fico feliz que ainda estejas comemorando a cidade que escolheu para viver, eu tenho saudade, mas nem tanto.

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