sexta-feira, 1 de junho de 2012



TREZE TIOS

Meus avós paternos, que não cheguei a conhecer, tiveram catorze filhos. Meu pai tinha treze irmãos. E eu tinha, portanto, treze tios...Tia Branca era nossa vizinha. Sua casa ficava ao lado da nossa, na esquina, e os terrenos eram divididos por uma cerca de arame que, com o tempo, foi substituída por um muro de alvenaria. Tia Branca era casada com o tio Arquilau, a quem chamávamos carinhosamente Quilau. Eles passavam a maior parte do tempo na fazenda e, quando vinham para a cidade, era uma festa de galinhas, pintinhos, ovos, frutas e quetais. Uma vez, minha irmã Regina adentrou o quintal da Tia Branca em tal velocidade que esmagou um pintinho, que nem teve tempo de piar... Quando o Quilau ia para a fazenda e tia Branca ficava na cidade eu ia dormir com ela. Na sua cama tinha mosquiteiro! Para mim era praticamente um palco... Nunca esqueço de uma temporada que passei na fazenda deles e o Quilau me deixou dirigir o trator... Foi o máximo! Do outro lado da esquina da tia Branca ficava a loja e a casa do tio Antoninho, que ninguém nunca chamou de Antônio. Acho que herdei dele esse anátema: Não consigo ser Roberto. Até para as crianças sou Robertinho... Tiontoninho, como o chamávamos, tinha um armazém de secos e molhados, a Casa Camargo, onde comprávamos desde mantimentos até ferramentas, pregos, perfumaria e presentes. Tudo o que comprávamos era anotado na caderneta e no fim do mês meu pai acertava... Tiontoninho era casado com a tia Célia, figura ímpar, cuja casa era uma verdadeira mixórdia: Xícaras e pratos guardados nas gavetas e, nos armários, uma incrível miscelânia de cama, mesa e banho, com direito à sua gatinha Pitty dando à luz dentro da forma de pudim... Tia Célia era prendadíssima: Fazia plissé! Ah, e incríveis compotas de tudo o que fosse. Todo ano, na Páscoa, ela fazia deliciosos bombons de doce de leite recheados com nozes, que embalava naqueles papéis de bala com franjas e nos levava de presente. Lembro até hoje do sabor... Tia Morena morava no centro da cidade, em frente à praça. Sua casa tinha dois andares! O que, para nós, significava um edifício. Seu marido, tio Luizinho, era mágico e ventríloquo. Eu adorava visitá-los para tio Luizinho me encantar com seus truques e bonecos. Ele também colecionava gramofones e realejos, que fazia tocar para a nossa alegria... Descer com tio Luizinho até seu porão oficina era das mais encantadoras aventuras que vivia em minha infância. No centro da cidade também morava tio Matuzalino, a quem chamávamos tio Matinhos. Tio Matinhos fazia visitas infindáveis ao irmão – meu pai – que dormia com as galinhas. Quando a hora de ir dormir se aproximava e nada do tio Matinhos ir embora, meu pai soltava sonoros bocejos e ia fechando todas as janelas da casa. Nós corríamos colocar a vassoura virada atrás da porta. E nada do tio se tocar... Um pouco mais longe da minha casa, em direção à entrada da cidade, morava a tia Didi, cujo nome verdadeiro nem eu nem minha irmã Raquel, a quem telefonei pedindo ajuda, conseguimos lembrar. Visitar a tia Didi era o máximo porque ela sempre abria uma gaveta de onde tirava surpresas deliciosas como balas, chocolates e os meus preferidos: Tijolinhos de banana... Tia Didi era casada com tio Eugênio, que era marceneiro e tinha uma oficina de marcenaria em casa. Devido a um problema de artrite ou artrose, tia Didi tinha as mãozinhas engruvinhadas. Já na época era bem velhinha. Devia ser das mais velhas dos irmãos, senão a mais velha de todos.  Tia Maria José, a quem chamávamos tia Mozinha, morava em Cruz Alta e era casada com tio Amado. Tudo o que tia Mozinha fazia para comer era delicioso... Em Cruz Alta morava também o tio Alcides, casado com tia Esmeralda, que ele chamava de Merarda. Sim, tio Alcides trocava o “ele” pelo “erre”. Uma vez, quando eu era bem pequeno, ele chegou para nos visitar dizendo que passara pela Vorta Alegre, ao que o pequeno Robertinho, implacável, corrigiu: É Volta Alegre! Já o Tio Artino, morava em uma fazenda, pros lados de Espumoso e era meu padrinho. Quando se desquitou da madrinha Badina, apelido da tia Garibaldina, tio Artino juntou-se com a Tereza, que todos diziam que era china (em gauchês, mulher da vida) e que ele tirara da zona... Eu não sei se isso era verdade. O fato é que lá em casa a Tereza sempre foi muito bem recebida. Numa das visitas do tio com a Tereza à nossa casa, minha irmã Rita estava usando aparelho ortodôntico e, ao ver o sorriso prateado da Ritinha, a Tereza exclamou: Que coisa mais linda! Quero fazer igual nos meus dentes...Tio Garibaldi também morava em uma fazenda perto de Espumoso e depois mudou-se para o Paraná, onde também morava tio Fernando, que mal conheci e foi o primeiro a falecer. Em Espumoso, onde nasci, moravam também tio João Manuel, tia Leontina e tia Julieta, que foram os tios com os quais menos convivi. Tenho tanto a mais para contar, mas já está muito longo. Hoje seguem firmes e fortes apenas tia Branca e tio Matinhos. Ah! Esqueci de dizer: Chamávamos todos de senhor e senhora e pedíamos a benção a todos eles, assim como a nossos pais. E o tio Matinhos respondia, quando éramos pequenos: Deus te abençoezinho...Meu pai já nos deixou há quinze anos, mas tudo permanece vivo na minha memória... Imaginem a quantidade de primos que eu tenho? Mas isso já é assunto para um outro post...
Na foto, meu pai e minha mãe, no dia do seu enlace.

3 comentários:

  1. Fiquei encantada, que texto mais lindo e que saudade de nossa infancia tao feliz, lembrancas e detalhes perfeitos, tu es o maximo, te amo muito, bjs.

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  2. Texto maravilhoso. Muito vibrante. Riqueza de detalhes que dão vida até para o que já passou. Bjos

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  3. Há tempos não passava por aqui. E sempre me arrependo por ter demorado tanto. Adoro tudo que escreve.

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