terça-feira, 19 de abril de 2011







TEN CHI
Não vou falar tecnicamente sobre o espetáculo do Tanztheater Wuppertal, de Pina Bausch, porque ficaria pretensioso e chato. Até porque não sou crítico de teatro e entendo muito pouco de dança. E o que Pina faz sempre foi mais do que simplesmente teatro ou simplesmente dança. É dança teatro. Categoria, diga-se de passagem, criada por ela. E exaustivamente imitada no mundo inteiro. Tanto pelos top criadores quanto pelos amadores das mais fubangas companhias de todo o planeta. Mas deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem. Tem música, dança, poesia. Imagens que marcam pra sempre. Não tem como sair ileso de um espetáculo de Pina. É uma experiência, no mínimo, perturbadora. Reveladora. E o mais incrível é que, mesmo não estando mais aqui entre nós, ela continua viva. Graças a Deus. A primeira vez que assisti a um espetáculo de Pina Bausch foi quando morava em Paris, no início dos anos noventa. Era a criação de 1989, chamada Palermo, Palermo. Eu acabara de concluir a faculdade de teatro e cheguei na Europa sedento por assistir a todos aqueles que eu considerava os mestres do teatro: Peter Brook, Ariane Mnouchkine, Tadeusz Kantor, Dario Fo, Eugenio Barba e muitos outros. E de fato assisti a todos. Mas nenhum me impressionou tanto quanto Pina. Era ela a minha nova Deusa do Teatro. Quando a cortina do Théâtre De La Ville se abriu, o que vi foi uma imensa parede de concreto cobrindo toda a boca de cena. Silêncio. Tempo. De repente, do nada, a parede tomba para trás provocando um imenso estrondo e se desfazendo em ruínas, destroços sobre os quais os bailarinos/atores começam então a dançar. Impressionante. Aos poucos, os destroços iam sendo retirados e, sem que se percebesse, o palco ficava limpo outra vez. E o espetáculo seguia com pianos que entravam e saíam de cena, árvores inteiras que desciam de cabeça pra baixo, sequências de imagens inebriantes que até hoje guardo na memória. Quando fui sacudido por toda essa turbulência estética, eu só conhecia Pina do Café Müller, a que assistira em vídeo no Instituto Goethe, de Porto Alegre, nos anos oitenta. Depois, na mesma Paris do início dos noventa, só que na Opéra Garnier, assisti a uma de suas primeiras criações, senão a primeira, Iphigenie Auf Tauris, também impressionante. E mais recentemente, em 2001, assisti aqui em São Paulo, no mesmo Teatro Alfa de Ten Chi, à sua criação inspirada no Brasil, Água. Todos espetáculos grandiosos, com imagens arrebatadoras, música tocante e envolvente e grandes grupos se movimentando sobre a cena. Agora, em Ten Chi, se sobressaem os solos. O espetáculo é uma grande sequência de solos, entremeados por rápidas passagens de pequenos grupos. Dura quase três horas. Mas eu assistiria, de bom grado, a uma ou duas horas a mais. A neve cai incessantemente sobre pedaços de baleias. Neve no mar. Lembra o filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, com a incrível cena da neve na praia. Lembra cafés, cabarés, viagens, amores, desamores, saudades, perdas, desespero, paixão, humor, gargalhadas, felicidade e infelicidade. Lembra, enfim, a vida. Lembra Pina viva. Viva Pina Bausch!

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