quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010


TEATRO

Essa noite eu tive um sonho. Não, não era um sonho de valsa. Sonhei que o teatro tinha deixado de existir. Que eu acordava pela manhã, tomava café e ia para o trabalho. E quando eu saía de lá, à tardinha, eu ia pra casa, tomava um uísque pra relaxar, jantava, assistia um pouco de televisão e ia dormir. E todos os dias eram iguais. Não havia a menor possibilidade de mudanças. Não havia a perspectiva do sonho, da ilusão, do encantamento, da diversão. Todas as pessoas eram chatas. Reclamavam das próprias vidas e falavam mal das vidas das outras. Tinham as cabeças iguais, gostavam todas das mesmas coisas: de novela, de big brother, de futebol, da Veja, da Caras, do Faustão, do Amaury Junior, do Pedro Bial, da Beyoncé, da Ivete, da Claudinha Leite, de churrasco, de temaki, de confit, de chutney, de relish, de pilates e do Jesus Luz. Ah, e claro: do CQC e de satnd-up comedy. Vestiam todas as mesmas roupas, tinham o mesmo corte de cabelo, o mesmo silicone, as mesmas tatuagens e o mesmo botox. E quando, por acaso, viam alguma coisa diferente, elas não gostavam, torciam o nariz, falavam mal. E o gosto dessas pessoas todas ia ficando cada vez pior, péssimo. Elas foram todas emburrecendo, eu inclusive. E, atônito, eu não podia fazer nada pra mudar aquela triste realidade. Eu pensava: eu sou um ator! Eu faço teatro! Eu quero falar para as pessoas que existe muito mais beleza, poesia, graça e magia do que elas imaginam! Mas o teatro tinha deixado de existir. Sem ele eu não tinha um canal de comunicação com as pessoas, com o mundo em si. E pior: me dei conta que não era só o teatro que havia deixado de existir. Toda e qualquer forma de expressão artística também. Olhei em volta e percebi que os grafittis tinham desaparecido dos muros. Até aquele painel dos Gêmeos, belíssimo, ali da 23 de Maio. Tudo sumiu, desapareceu como por encanto. E a cidade ficou fria, cinza e sem personalidade, pois, antes disso tudo, o Kassab já havia retirado os luminosos e as TVs gigantes que faziam da Paulista a nossa Times Square. Não tinha mais shows de música nem espetáculos de dança. Nem música ao vivo existia mais. (Ta, essa era a parte boa do sonho). A Pinacoteca e a Sala São Paulo agora eram dois templos evangélicos. A Bienal, imensa e vazia, funcionava como estacionamento e o Paulo Borges estava desempregado. Então me dei conta de que não podia viver sem o teatro. Que naquele mundo quadrado, sem estética, sem conceito e sem direção de arte, não havia lugar para mim. Quando me deparei comigo mesmo abordando os motoristas dos carros no sinal da Paulista com a Augusta, com o rosto pintado de purpurina, eu acordei num sobressalto. Acordei e pensei: Que bom que foi só um sonho. Aliás, um pesadelo. Que bom que existe o teatro, que eu posso fazer teatro. Que bom que as pessoas vão ao teatro e gostam. Ou não. Que bom que eu vou ao teatro e gosto. Bem, eu, geralmente, não gosto. Mas vou.
Luz em resistência. Cai o pano. The masquerade is over.

Mentira, gente. Não sonhei nada disso. É pura ficção. Achei que o blog tava precisando um pouco de. A realidade é bem diferente, né?

sábado, 20 de fevereiro de 2010


HORÁRIO DE VERÃO

Hoje é o último dia do horário de verão, que eu, particularmente, adoro. É quando mais nos aproximamos da Europa, cujos dias, nessa época do ano, duram até quase dez horas da noite. E é uma delícia ficar na rua, sentado no terraço de um café, num happy hour prolongado que se estica e faz a gente pensar que o dia não vai mais acabar...Para me despedir, então, desse período do ano que tanto aprecio, resolvi fazer um programa bem verão: Aproveitando que o sábado está ensolarado e com uma temperatura agradável, peguei a bicicleta e fui até a Vila Madalena, passando pelo beco dos grafittis bem devagar, para poder admirar o trabalho dos artistas de rua que tornam a nossa vida urbana bem mais aprazível. Depois parei em uma loja de antiguidades muito legal, para dar uma olhada em uns lustres e cadeiras que me chamaram a atenção. Em seguida fui comer sushis e temakis em um pequeno restaurante japonês que fica em frente ao sacolão da vila e que nunca sei qual é o nome. Estava ótimo. No rádio do celular eu estava ouvindo a Nova Brasil FM, que tocava uma seleção de músicas dos anos oitenta que veio muito, mas muito a calhar. Fiquei super a fim de pedir uma caipirinha de sakê ou, pelo menos, um sakê puro. Mas segurei a Heleninha, digo, Renatinha (pra ser mais atual), e me contentei com um bom suco natural de laranja...
Na volta, mais uma passadinha pelo beco dos grafittis, depois os jardins Paulistano, Europa e América, que gosto muito pelas belas casas, árvores e flores, e, por fim, a rua Augusta, onde não resisti e acabei comprando uns óculos coloridíssimos no camelô. Agora estou em casa novamente, tomando um café que acabei de fazer...E são apenas duas e meia da tarde. À meia noite o relógio terá que ser atrasado em uma hora. E os dias vão começar a ficar cada vez mais curtos...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


UM LUGAR PARA ESCREVER

Todo escritor sonha com a possibilidade de ter um lugar somente para escrever. Longe das preocupações mundanas que ocupam nossa cabeça a maior parte do tempo. Não estou querendo dizer que sou um escritor. Para isso eu teria que ser pago para escrever, o que ainda não está acontecendo. Sou, portanto, um diletante. Digamos que, para mim, escrever seja um hobby. Sempre gostei de escrever, desde criança. Na minha casa sempre teve máquina de escrever. Minha mãe havia sido datilógrafa na juventude e muito cedo me ensinou a dedilhar o teclado da Remington. Ou seria Olivetti? Conseqüentemente, desde muito cedo comecei a me arriscar em pequenas histórias, contos, pecas de teatro. Mais tarde, na adolescência, houve um longo período em que me considerei poeta. Quanta pretensão! Guardo até hoje poesias que cometi naquela fase e, olha, algumas até que bem boas...Durante os oito anos em que fiz parte do elenco da Terca Insana escrevi muito também. Para meus personagens e textos de abertura, já que lá eu também fazia o Mestre de Cerimônias. Agora que tenho esse blog eu ando vivendo a fantasia de ser um escritor de verdade e, como tal, ter um lugar somente para escrever, longe das preocupações mundanas que etc.
Quem me dera poder fazer como o escritor americano Ernest Hemingway, que viveu muitos anos numa casa em Key West, no extremo sul dos Estados Unidos, onde escreveu alguns de seus livros mais famosos como, por exemplo, Por Quem os Sinos Dobram. A foto acima mostra sua sala de trabalho nessa casa que hoje é um museu. Fiz essa foto com meu celular, quando estive lá em 2008. Ou como o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, que ganhou, no ano de 1992, uma bolsa da Maison des Écrivains Étrangers para passar três meses em Saint Nazaire, no norte da Franca, num apartamento de frente para o mar, somente para escrever. Delícia total. Eu também tenho feito das minhas: recentemente passei seis dias à beira mar em Camburi, no litoral norte de São Paulo, onde escrevi bastante para o blog. No fim desse mês vou passar dez dias em Salvador, onde pretendo escrever muito, também. E, no mês de abril, vou para Paris, minha cidade amada, onde pretendo dar asas à minha fantasia de escritor, postando diariamente tudo o que fizer, visitar, assistir, descobrir por lá. Me aguardem! Não sei quanto tempo vou conseguir ficar em Paris, vivendo esse sonho de ser escritor, pois não tenho bolsa e, muito menos salário. Vai ser, digamos, um investimento. Ou, no mínimo, um excelente passa-tempo. E, claro, mais experiência. Afinal, como disse o próprio Hemingway, Paris é uma festa...
À bientôt!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010




LIBERDADE

Eu amo a liberdade. Não estou me referindo ao bairro japonês de São Paulo, que amo também. Me refiro à liberdade em si, ao sentimento liberdade. Sentimento, não. Condição. Ser livre é uma condição. Aliás, para mim, si ne qua non. Outro dia minha irmã me contou que certa vez um amigo seu disse: “não faço nada com a minha liberdade, mas gosto de tê-la.”
E é exatamente essa a questão! Liberdade, o importante é TER. Há pouco falei com minha amiga Agnes pelo telefone e ela me disse que estava indo para um ensaio. São duas horas da tarde de uma quarta-feira de cinzas em que deve estar fazendo mais de trinta graus em São Paulo. Acabei de chegar da natação e tenho a tarde inteira livre para escrever. Sobre liberdade ou sobre o que quiser...melhor do que isso, só se eu estivesse sendo pago para escrever! Mas aí talvez eu não tivesse tanta liberdade para escrever sobre o que quisesse. Donde concluo que tudo é relativo, liberdade também. Já pensou que maravilha poder ir para onde quiser, e voltar quando bem entender sem ter que dar satisfações a ninguém? Por outro lado, que triste não ter ninguém a quem dar satisfações, não é verdade? Como quase tudo na vida, só damos valor à nossa liberdade quando deixamos de tê-la. Não quero dizer ser preso, ir pra cadeia, ser extraditado. Mas, por exemplo, arranjar um namorado. Muitas vezes pedimos, rezamos, fazemos promessas pra Santo Antonio, e, quando finalmente ele nos atende, lá estamos nós reclamando da falta de liberdade. Com o trabalho também é assim. Queremos muito, pedimos muito e, quando finalmente a agenda está cheia lá estamos nós reclamando que não agüentamos mais trabalhar tanto: Queria muito ir pra praia, pro Rio, fazer uma viagem à Europa, passar um fim de semana em Buenos Aires, mas, com todo esse trabalho, cadê tempo pra isso? E, ao mesmo tempo, sem trabalho, cadê dinheiro pra isso? Claro, como quase tudo na vida, liberdade também tem o seu preço. Resolvi fazer de 2010 o meu ano sabático, para ficar sem fazer nada, curtindo a minha liberdade. Qual! Aqui estou, preso a esse blog, escrevendo compulsivamente...
Por essas e outras é que procuro sempre valorizar o que tenho enquanto tenho. Seja um relacionamento, um projeto, um amigo, um emprego ou um par de havaianas. E, evidentemente, a minha liberdade. Cada vez mais me convenço de que a nossa vida é somente o presente. Então é com ele que temos que trabalhar para sermos livres e felizes. O trabalho não te satisfaz mais? Pede demissão. Não gosta mais da cidade onde vive? Muda de cidade. O relacionamento ta um saco? Dá um fora no parceiro...Eu sei, não é fácil assim. Mas que delicia saber que temos a liberdade de fazer tudo isso...Se quisermos, evidentemente.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010


MANTENDO A FORMA


Manter a forma depois dos quarenta anos sendo ator é impossível. Se você for um ator de novelas, que tem horários determinados e fixos como qualquer funcionário público, talvez isso seja possível. Sendo ator de teatro, não. Você nunca sabe a que horas irá dormir, e muito menos que horas conseguirá acordar. Você não pode, portanto, se dar o luxo de fazer as refeições na hora certa. Aliás, fazer as refeições já é um luxo. Ator de teatro sai do trabalho lá pelas onze e meia da noite, morrendo de fome. E aí? Vai encarar um prato de macarrão depois da meia noite sem culpa? Vai recusar? E a cervejinha? Como não beber alguma coisa depois do espetáculo para relaxar? E a sobremesa? Ãh?
Existe uma barreira firme, forte e muito bem definida entre os trinta e nove e os quarenta anos. Após ultrapassar essa temida barreira, absolutamente tu-do o que você come se transforma imediatamente em gordura localizada. Falando em linguagem leiga - ou seja, em bom português - barriga. E hoje em dia, cá entre nós, é absolutamente proibido ter barriga. A pessoa que tem barriga é uma espécie de pária da sociedade, de quem todos querem manter a maior distância possível. Se o ator em questão morar de São Paulo para baixo, não vejo maiores problemas. Mas do Rio de Janeiro para cima a coisa fica bastante complicada. É que as pessoas não costumam usar roupas nesses estados. É verdade. E os homens não têm como disfarçar, pois anda-se sem camisa nas ruas, nos ônibus, na padaria, na farmácia e até mesmo no banco! Quer coisa mais insólita do que pegar um extrato de conta corrente usando apenas sunga? Mas tudo bem, quem pode, pode. Quem tem seu próprio tanquinho tem mais é que exibi-lo. Mas o efeito que isso provoca num simples mortal como eu é devastador. Eu começo a me sentir a mais baixa forma de vida do planeta! Porque só eu tenho barriga? Porque só eu tenho que trabalhar e não posso passar o dia inteiro na academia? Porque ninguém olha pra mim? Onde estão todos? Socorro!
Respiro fundo e resolvo dar um tempo pra essa questão. Após refletir, decido: Vou seguir com a minha meia hora de esteira por dia. Não todos os dias, evidentemente. E nem sempre meia hora. Ás vezes vinte, vinte e cinco minutos. Mas eu gostaria muito de saber quem foi que inventou que não se pode ter barriga. Por acaso é crime? Quando o ator está em turnê com um espetáculo, então, é muito pior. É que a cada nova cidade, estado, capital ou país que você chega, não há como não provar a culinária local. E nunca, absolutamente nunca, o prato típico de nenhuma região será algo light, composto por folhas, legumes e franguinho grelhado. O ator deve estar preparado para pratos muito calóricos, que geralmente levam ingredientes exóticos como dendê, babaçu, castanhas, banha de porco. E deve saber que nunca será algo cozido no vapor, mas fritura sim, com certeza. Por tudo isso e muito mais, nosso ator terá de seguir firme nos seus propósitos artísticos, consolando-se com o fato de que sempre haverá um abade, um rei momo ou mesmo um lutador de sumô para representar. Merda!

domingo, 14 de fevereiro de 2010


CARNAVAIS


Domingo de carnaval em São Paulo. Fico pensando na quantidade de gente bêbada que, neste exato instante, está pulando freneticamente, beijando na boca alguém que nunca viu antes, e que, provavelmente, nunca mais irá ver, quanta gente sorrindo, dançando, sendo feliz, tomando um porre, se drogando, passando mal, vomitando, conhecendo outras pessoas, fazendo amizades, indo pra cama, tendo experiências sexuais diferentes das que costumava ter, descobrindo lugares, culturas, frescuras, realizando fantasias, vestindo fantasias, despindo fantasias, rasgando fantasias, desfilando fantasias, criando fantasias, projetando fantasias, ganhando ou perdendo concursos de fantasias, enfim, fico pensando na quantidade de gente, bêbada ou não, que está vivendo. Dentro ou fora do carnaval. Eu to fora.
Não to nem ao menos assistindo ao carnaval pela televisão. Me dá um sono! Conseqüentemente, penso em outros carnavais. Carnavais em que eu estava bêbado, pulando, cantando, sendo cantado, fazendo amigos e influenciando pessoas. Carnavais em Florianópolis, que durante anos foram os meus preferidos. Carnavais no Rio. Carnavais em São Paulo. Carnavais em Soledade, minha cidade natal, como o da foto acima. Quando eu pulava cheio de ilusões, expectativas, sonhos, desejos reprimidos que saíam desajeitados, pelas palavras e gestos à fora. Sabe quando uma coisa guardada há muito tempo, tipo um sentimento por alguém, vem à tona de repente, sob o efeito de alguma droga e muito álcool? É no carnaval que eles emergem.
Carnavais que inspiraram canções, que lançaram canções, que eternizaram canções.Canções que eternizaram carnavais. Carnavais que eternizaram na memória sentimentos que ressurgem ao som do primeiro “Ô abre alas que eu quero passar”.
Eu, que me conheço de outros carnavais, sei que este é um carnaval atípico no meu currículo de carnavais. Qual será a minha fantasia para o próximo carnaval? Aliás, qual será a minha próxima fantasia: pular o carnaval ou ficar em casa escrevendo sobre ele? Talvez viajar. Para um lugar onde não haja carnaval. Ou, talvez, para um lugar onde haja o melhor de todos os carnavais. Ainda não sei. Por enquanto, bom carnaval.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010


FELIZ ANIVERSÁRIO, MÃE

Se minha mãe estivesse viva, hoje completaria oitenta e dois anos de idade. Mas, infelizmente, quis o destino que ela nos deixasse aos setenta e nove. Ela se chamava Doracy, com ipsilone, como ela dizia. Mas todos gostavam de chamá-la de Dora. Não Dóra, com o ó aberto, mas Dora, com a vogal fechada. Dora era uma das pessoas mais leves, gentis, divertidas e engraçadas que jamais conheci. Acho que sou muito parecido com ela. Não fisicamente, mas com seu jeito moleca, menina mesmo aos quase oitenta anos. Acho que foi dela também que herdei minha capacidade de criar personagens e imitar pessoas. Pois a Dora, sempre que contava uma história, ia naturalmente mudando a voz para caracterizar as pessoas de quem estava falando. Ela me ensinou a gostar de música. Gostava muito de cantar. Uma das lembranças mais antigas que tenho de uma música é justamente minha mãe cantando “vestiu uma camisa listada e saiu por aí”, de Carmen Miranda, de quem ela era fã. Ela sempre contava que Carmen fora enterrada com um tailleur de veludo vermelho, bem maquiada e com as unhas pintadas também de vermelho. De encarnado, que era como ela chamava a cor vermelha. Falando em morte de cantora, quando Elis Regina morreu, em 1982, eu e minhas irmãs já morávamos em Porto Alegre e minha mãe vinha mais ou menos uma ou duas vezes por mês nos visitar. Pois no dia da morte de Elis, quando ela chegou no apartamento e me viu chorando copiosamente, mandou essa: “quero só ver se quando eu morrer tu vais chorar tanto quanto estás chorando pela Elis. Nossa, eu mal consegui subir as escadas, pois as tuas lágrimas estão correndo como cachoeira até lá embaixo!” Deliciosamente irônica e exagerada. Essa era a Dorinha. Divertidíssima e sempre com uma resposta na ponta da língua pra tudo e todos. O dono de um mercadinho onde ela fazia compras adorava provocá-la, só pra rir com suas tiradas. Um dia ele saudou-a dizendo: Olha, Dona Doracy, que novidade, papel higiênico perfumado! E ela emenda: "o que adianta ser perfumado se é pra passar no fedido?" Ela também se deliciava ao vê-lo ruborizar de vergonha...
Adorava vê-la reclamando da Argentina no inverno: “que raiva dessa Argentina, a gente não manda nada pra ela e ela ta sempre mandando frente fria pra cá”. Quando minhas irmãs sugeriam que ela entrasse para um grupo de terceira idade, ela dizia: não sou palhaça! Certa vez ela foi com minha irmã a um chá de senhoras e, quando o grupo da terceira idade começou a apresentar o seu número de dança, ela disparou: “É isso que vocês querem me ver fazendo? Deus me livre...”
Sinto muita falta da minha mãe e, acima de tudo, uma enorme saudade de todos os bons momentos que vivemos juntos. Às vezes ainda me pego pensando em telefonar para ela avisando que vou viajar, que vou aparecer na TV ou que saí em alguma revista, como eu sempre fazia. Ela assistia a todos os meus espetáculos, sem exceção. E, na segunda apresentação da Terca Insana, lá estava ela sentada a uma mesinha do Next Cabaret, acompanhada de minha irmã Rita, Edson Cordeiro e Claudia Wonder, minha amiga trans. Dora, assim como eu, adorava comemorar o dia dos seus anos. Recebia as amigas com a casa e o coração em festa. Hoje sua casa em Soledade estaria repleta de amigas...Feliz Aniversário, mãe!
Ah, e eu chorei muito mais por ti do que pela Elis...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010


MÚSICAS QUE COMBINAM COM PRAIA

Sou daquele tipo de pessoa que não vive sem música. Todas as memórias das diferentes épocas da minha vida são marcadas pelas músicas que as embalaram. Tenho um gosto consideravelmente eclético, claro que exceção feita às músicas de má qualidade. E acho também que cada ocasião e local pedem determinado tipo de música. Como acabei de passar seis dias junto ao mar, naturalmente que escutando muita música, resolvi escrever sobre músicas que combinam com praia...Acho que MPB, preferencialmente, combina com praia. Principalmente Novos Baianos, Mariza Monte, Caetano Veloso, Tribalistas e todo esse pessoal, digamos, astral. Música eletrônica, que toca em balada, definitivamente não combina com praia. Se a idéia é relaxar, sair do caos urbano, desestressar, pra que levar junto a trilha sonora do stress? Ãh?
Música clássica combina. Mas, também, com o que música clássica não combina? Chego a pensar que existe uma ou mais músicas clássicas para absolutamente todos os tipos de situações da vida. Até para a guerra. Até para velórios e enterros. Já ópera não combina. Muita gritaria. Lounge, sim. Se bem que na praia não tem lounge. Tem, no máximo, umas esteiras, guarda-sóis, cangas e cadeirinhas. Ao contrário do que muita gente pensa, axé NÃO COMBINA COM PRAIA! É que quem ouve axé gosta de fazê-lo em alto volume. O que faz do axé um som invasivo, que entra sem pedir licença no espaço sonoro alheio, o que é totalmente inadequado para lugares coletivos como a praia. Sem falar que é muito agitado, corre, pula, de ladinho, de bundinha, bate a mão, bate o pé, até chegar no insuportável TIRA O PÉ DO CHÃO!!! Como assim, é pra levitar? Então coloca um new age...
Bossa Nova combina. Se por mais não for, pela temática: são mares, waves, rios de janeiro, barquinhos e quetais. Totalmente adequado, inclusive para se passar uma tarde em Itapuã.
E o brega, heim? Bom, dependendo da quantidade de caipirinhas ingeridas, já pensou que delícia escutar uma boa Gretchen? Konga, la Konga quiero bailar...Ou quem sabe Sydney Magal com “tenho um mundo de sensações que posso te oferecer”? Joelma, nunca! Pelos mesmos motivos do axé. E mais o bate cabelo. Assim como pagode e sertanejo. Acho que bolero combina...Já pensou ouvir La Barca junto ao mar? Ou: foi por la vereda tropical...
Agora lembrei da Rita Lee: se Deus quiser, um dia quero ser índio...Meu bem você me dá água na boca...Nada melhor do que não fazer nada. Praia total. As antigas da Gal, também. As antigas da Marina Lima. Ah, e como lembrou o meu amigo Ricardo K, Blue Eyes, do novo CD do Mika, combina também.
Enfim, na praia, na montanha ou na cidade, música é fundamental. Tanto quanto o silêncio. O que algumas pessoas jamais irão entender.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ao fundo: Edifício Italia e Oca do Ibirapuera.
FUTURO


Relendo os textos que postei aqui, achei que o blog estava ficando muito “memórias”, ou seja, voltado demais ao passado. Então resolvi escrever sobre o futuro. Lembra do futuro, aquela abstração longínqua e improvável que aconteceria lá pelo ano dois mil? Pois é. Sinto informar que ele chegou. E a conseqüência imediata e inevitável dessa chegada é que você deixou de ser aquele jovem um tanto irresponsável, cheio de sonhos na cabeça e com toda uma vida pela frente e se transformou nesse senhor de meia idade, com cabelos grisalhos e muita, muita responsabilidade. Ah! E sem o menor saco pra balada.
Só isso? Que nada. Muito mais. E agora não adianta reclamar. O futuro está aí e veio em conseqüência dos nossos atos passados e presentes. Quanta violência! Quanta desigualdade social! Quanto calor! Quanto frio! Quantas enchentes! Quantos desastres naturais...Pois é, pensássemos nisso tudo antes, quando o futuro ainda era aquela abstração longínqua etc. Imagino o futuro personificado, chegando aqui no nosso presente para dar o seu recado. Ele chegaria riquíssimo, coberto de ouro, num veículo ultra-moderno, pois, como todo mundo passou a vida inteira guardando dinheiro pro futuro, não deu outra: ele enriqueceu. Ele desceria de sua geringonça voadora saudando a todos com um simpático cumprimento:
“E aí, gentalha, tudo bem com vocês? Claro que não! Dá pra ver...Ahahaha! Eu sou o Futuro! Vocês não vivem esperando por mim? Então, cheguei! Agora lidem com isso.”
Os céticos e os pessimistas, que achavam que o futuro era negro, ficam logo decepcionados, pois ele é branco, louro, tem olhos azuis e é belíssimo. Os crentes, que passaram a vida repetindo que “o futuro a Deus pertence” ficam estarrecidos ante a revelação feita por ele logo de cara, na lata:
“Sou autônomo. Não tenho vínculo com nenhuma divindade e muito menos com facção religiosa.”
A turba, reunida em plena Avenida Paulista debaixo de chuva, segue atônita escutando as bombásticas declarações desse ser, misto de tempo verbal com o porvir da humanidade:
“Não quero nem saber se o pretérito é perfeito, imperfeito ou mais que perfeito. Eu sou o futuro do presente. De vocês. Sou a conseqüência do que vocês estão fazendo hoje. Agora, o que vocês gostariam que acontecesse é lá com o Futuro do Pretérito, aquela bicha insuportável. Aliás, quando eu estava vindo pra cá, cruzei com o Presente do Subjuntivo e ele falou: Espero que esteja tudo bem com você, porque pior do que está não vai ficar, não é? Eu falei: vai. Ah, vai. Bom, gente, a verdade é que nenhum tempo verbal fala mais comigo. O Gerúndio me vê e sai correndo. O infinitivo não pode nem me olhar. O Particípio ta passado! Ahahaha!”
A multidão incrédula começa a achar que o Futuro se passou no champanhe, cuja flute é automaticamente preenchida assim que ele termina de sorver o líquido gelado & rosé...E ele segue o discurso:
“Sorry, galera. Só vim dar um toque. É tanta vidente, astrólogo, tarólogo, enfim, tanta gente abusando da boa fé de vocês pra falar em nome do futuro que eu resolvi vir pessoalmente pra esclarecer. Você aí: desista, você não vai ganhar na loteria. Desculpe, minha senhora, mas aquela loura não vai sair da vida do seu marido. Ah! Vocês não vão virar chefes dos seus chefes, esqueçam aquela promoção...Estão me achando pessimista? Cruel? Que nada, só digo a verdade. Deixa ver o que mais...ah! Não vai ter paz no futuro. Portanto, no próximo Ano Novo, pecam outra coisa pra Iemanjá. Aliás, poupem-se daqueles rituais intermináveis de comer doze grãos de lentilha, pular não sei quantas ondinhas do mar, bobagem. Bebam e pronto. Brindem o presente. Enquanto eu não venho de vez! Como ja falei, era só um toque. Se quiserem, podem continuar poluindo, batendo, discriminando, matando, subornando, votando mal, roubando, desviando dinheiro público pra contas na Suíca, não to nem aí. Só não digam que não avisei. E agora eu ja vou indo, que ainda tenho que dar uma passadinha no Rio de Janeiro. Bye!”
Dito isso, ele desaparece no céu, parecendo a Xuxa quando entrava na nave no fim do programa, lembra? Esquece...
E a multidão começou a dispersar jogando muita bituca de cigarro, latinhas de cerveja e refrigerante, papéis e embalagens pet no chão, enquanto reclamava sem parar dos alagamentos da cidade.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010




CAMBURIZINHO

No meio desta semana, na quarta-feira, resolvi dar um tempo pras chuvas de São Paulo e vim curtir mar, sol e praia aqui no litoral norte, em Camburizinho, onde estou até hoje e nem sei quando volto pra casa. Aqui em Camburizinho ainda existe algo que anda bem escasso e raro de se encontrar: céu estrelado. Não estou falando de uma estrelinha aqui e outra acolá. To querendo dizer aquele manto negro cravejado de estrelas bem encima da sua cabeça. Pois aconteceu que marquei encontro com minha amiga local Kátia (Atualmente local, quando nos conhecemos ela era garçonete do Ritz) no restaurante Pitangueiras, que é uma espécie de Figueira Rubayá praieira, um quintal com muitas árvores, coberto por um teto de vidro. E, enquanto esperava minha amiga, sentei num deck que tem ao lado do restaurante, de frente pro mar e pro céu aberto. O banco, de madeira, tem o encosto reclinado. Apoiei as costas, joguei a cabeça pra traz e me senti como se estivesse em um planetário, tamanha a profusão de estrelas que, bem perto da minha cabeça, formavam no céu os mais diversos desenhos. Acho que não via tantas estrelas assim desde a minha adolescência em Soledade. Quando eu, Jorginho e Marcel, amigos daquela época, pegávamos as bicicletas, o som portátil e uma garrafa de Velho Barreiro e saíamos pedalando pela estrada até um morro onde ficávamos deitados, bebendo, ouvindo música e olhando as estrelas e a lua cheia. A música era Milton Nascimento, Beto Guedes, Lo Borges, todo o Clube da Esquina um e o dois também... Acho que fiquei uns quinze, vinte minutos ali parado, contemplando essa maravilha, embalado pelo som do mar, as ondas quebrando na praia, ao longe as luzes de um navio de cruzeiro, quanto mais a minha amiga demorava a chegar mais feliz eu ia ficando. Estamos a duas, três horas de carro de São Paulo. Não fica tão distante, nem tão inacessível essa experiência gratificante e gratuita. Nós, adultos que escolhemos levar uma vida de reuniões, compromissos, datas, prazos, boletos, projetos, estamos sempre atarefados demais pra parar e olhar pro céu, como faziam as crianças de antigamente, ou seja, nós mesmos em tempos menos urgentes e exigentes. E, também, se formos parar pra olhar pro céu em cidades grandes como São Paulo, veremos pouquíssimas estrelas. E, no entanto, elas continuam todas lá, no alto, brilhando indistintamente, pra quem quiser admirar. Logo em seguida Kátia chegou e ficamos bebendo nosso vinho branco, gelado e seco, acompanhado de lulas grelhadas que, aliás, recomendamos a quem vier aqui e for comer no Pitangueiras. As mesas ficam ao ar livre, de frente pro mar e a iluminação é basicamente feita pela luz das velas sobre as mesas. Inesquecível.