terça-feira, 25 de setembro de 2018
CONTO JUVENIL
Inspirado pela mais recente modinha das redes sociais, digo anti-sociais, remexendo guardados encontrei esse micro-conto que escrevi quando contava apenas púberes vinte aninhos. Chama-se COMPASSO:
O relógio já havia marcado muitas horas e continuaria marcando-as indefinidamente dentro do processo que era estar a vida transcorrendo a partir dos seus sentidos e impressões naquela tarde. No prédio ao lado o barulho das picaretas dos pedreiros dava a dimensão da vida que se andava levando. Naquele momento a visão do dia de sol e vento - que balançava as árvores arrancando-lhes as folhas - não era agradável. O som da vida que se desenrolava - ou se enrolava - do lado de fora produzia um forte sentimento de angústia e não-participação do lado de dentro. Tudo o que estivesse ao alcance - sons, imagens, cheiros, lembranças - de nada valia, pra nada adiantava. Agora era marcar passo no mesmo lugar ou ir adiante. A sensação era a de um condenado à morte pela forca, tal qual ela é descrita nos livros inteligentes. Teseu perdido em um labirinto - agora com elevadores - incapaz de matar o Minotauro, acertar o alvo, chegar na frente e romper a linha de chegada. Crianças passam carregando balões de gás e acreditando em super-heróis. E os policiais registram novas queixas em seus arquivos. O carpete era de um tom bege que personificava o tédio. A solidão pesando como um jeans molhado colado ao corpo. A vida entregue ao tempo, lento demais para apresentar soluções a curto, médio ou longo prazo. Não havia nenhuma saída visível e nada estava acontecendo. No entanto, lá fora, picaretas e balões de gás. O desenrolar-se enrolado da vida bege como o carpete que personifica o tédio. E o relógio marcando as horas indefinidamente...
Achei bonitinho relembrar. E, para ilustrar, foto tirada por Lúcia Serpa em tarde de lascívia chez Nora Prado, em Porto Alegre, nos anos oitenta.
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