domingo, 30 de março de 2014

O ROTO E O ESFARRAPADO

Que a internet é um território livre, no qual todos podem se expressar como bem quiserem, contra ou a favor do que quer que seja, todos nós já sabemos. Porém, percebo que a maioria dos navegadores está sempre pronta a criticar. Os outros. Sem a menor auto-crítica... Gosto de citar o caso do Caio Castro. Sei que o assunto já é velho na atual enxurrada de notícias e fatos semanais que nos atropelam. Mas mesmo assim ele serve de exemplo para vários outros: O ator declarou em entrevista a Marilia Gabriela que não gosta de ler nem de ir ao teatro. Foi praticamente linchado. Pelo menos virtualmente, foi. Confesso que não vejo nada de mal em um garoto de vinte e poucos anos fazer tal declaração. Ele representa uma geração. Pior, um país de iletrados. E isso ficou bastante evidente na avalanche de críticas que foram feitas pela internet. Grande parte delas estava recheada de erros de português! É muito fácil bancar o culto, o lido, o consciente, o profissional, o cheio de conteúdo, desmerecendo uma figura pública. Caio foi apenas ingênuo. Eu mesmo conheço muitos atores e não atores da idade dele e até mais velhos que também não lêem. Nem tampouco vão ao teatro. Um ex-colega, hoje bastante famoso na televisão, uma vez me perguntou: Robertinho, quem é Irene Ravache? Pois é... Outros tantos, atores ou não, são mestres em dizer o óbvio de tal forma reescrito e reformulado, que pensam estar dizendo algo novo! Mas na hora de atacar, todos estão prontos. Eu sei dos sérios problemas de educação do nosso país, do abismo financeiro e cultural que separa as classes altas das baixas. Mas vai atrás! Antes de criticar, lê, pesquisa, se informa! Acho que o Marco Civil deveria proibir erros de português na internet. Sempre cito meu amigo Edson Cordeiro, artista internacionalmente reconhecido que é totalmente autodidata. Fez apenas o primário! Então façamos o seguinte: Quer criticar os outros? Antes de postar, peça a uma amiga professora de português para fazer a revisão do seu texto. Senão, fica o roto falando do esfarrapado! Ler, falar e escrever corretamente a nossa língua é obrigação de todos, não apenas dos atores ou dos jovens. É o mínimo. Não aguento mais ler críticas ao mau gosto alheio nas quais está escrito MAL gosto, com "L"... Na foto, Caio em si faz muxoxo pra galera no Instagram.

sexta-feira, 28 de março de 2014

CABEÇA DINOSSAURO

Quando penso que não tem como o ser humano ser mais cruel e ignóbil do que vem sendo através da História, em pleno século vinte e um ele dá demonstrações da mais primitiva barbárie. Uma cabeça humana foi encontrada ontem na Praça da Sé. No coração de São Paulo. Em plena luz do dia. Provavelmente seja do corpo que foi abandonado semana passada em Higienópolis sem a cabeça e as pontas dos dedos. Como no mito de Osíris, o deus egípcio que foi esquartejado pelo irmão Seth e teve seus pedaços espalhados por todo o Egito. Só que não se trata de mitologia, e sim da mais dura e triste realidade. Tomei emprestado dos Titãs para o título do post o nome de um dos álbuns da banda, Cabeça Dinossauro. Mas acho que os dinossauros não chegavam nem perto do ser humano em crueldade e violência. E o pior é que isso já soa como uma notícia normal, corriqueira, tal a banalização da violência no nosso cotidiano. Ainda mais que temos visto linchamentos, menor preso a poste com trava de bicicleta, mulher arrastada por viatura de polícia, enfim: Tem dias que a gente se sente como quem anda pra trás... Na foto, Degolação de São João Batista, obra do pintor brasileiro Victor Meirelles.

quarta-feira, 26 de março de 2014

OUTONO

A passagem dos anos segue me surpreendendo. Sempre preferi o verão às outras estações. Mesmo quando as temperaturas subiam aos píncaros. Ainda assim eu dizia preferir o calor ao frio. Achava o inverno triste. Mas a juventude é desse jeito: Extremada. Hoje, já prestes a completar cinquenta e um anos de vida, me dou conta, sentado à janela do ônibus, do quanto o sol de outono é suave. Ele me acaricia com sua tepidez, ao contrário do sol de verão que, na janela desse mesmo ônibus, me torrava e me fazia suar às nove horas da manhã... Assim me rendo aos meios termos da idade madura. É isso: Entre os extremos exaltados da juventude existem os meios tons da idade mais avançada. O que não quer dizer que as mudanças, surpresas e o inesperado não sejam bem vindos... Hoje é o aniversário de Porto Alegre, a cidade onde vivi a maior parte da minha vida, dos catorze aos trinta e dois anos. O outono na capital gaúcha tem uma das mais lindas luzes que jamais vi. Manhãs e tardes outonais costumam ser inesquecíveis por lá. Não lembro se quando vivia no sul eu me dava conta de tamanha beleza. Hoje, quando visito, fico extasiado. Mas é isso: Acho que estou vivendo o outono da vida. Depois virá o inverno e, quem sabe, o fim. Para que outras vidas sigam surgindo nas próximas primaveras e verões. Bom outono a todos! Na foto, as mitológicas Ingrid Bergman e Liv Ullmann no clássico Sonata de Outono.

sábado, 22 de março de 2014

MAIORIDADE PAULISTANA

Hoje, dia 22 de março de 2014, faz exatamente dezoito anos que vim morar em São Paulo. Preciso dizer que durante muito tempo isso foi algo sonhado e desejado por mim com fervor. É bastante comum artistas deixarem suas cidades de origem e mudarem para o chamado "Eixo Rio-SP" onde as oportunidades de trabalho são maiores e etc. Acho que da minha geração eu fui o último a vir de mala e cuia para cá. Antes de mim já haviam deixado os pagos Grace Gianoukas, Nora Prado, Lucia Serpa, Ilana Kaplan e tantos outros que nem me lembro. Meu amigo paulistano Carlos Farielo sempre brinca dizendo que cheguei timidozinho, com minha malinha, meu chimarrãozinho e fui logo me instalando nos jardins. Quem me acolheu de braços abertos, diga-se de passagem, foi a querida Nora Prado que me hospedou em seu apartamento da Avenida Rebouças até que eu conseguisse me instalar. O que acabou acontecendo dois meses depois, quando junto com outra amiga que estava chegando na Pauliceia, Patricia Cirne Lima, me mudei para o apartamento da Consolação, entre a Oscar Freire e a Estados Unidos, onde o bicho pegava legal. E aqui me refiro a sexo, drogas e rock n'roll mesmo. Um ano e meio depois mudei para o meu próprio apartamento da Alameda Franca onde vivo até hoje. Graças à bondade de meu falecido pai. Outro crédito importante a ser dado nessa minha transferência para a capital paulista vai para minha amiga Lucia Serpa, que conseguiu trabalho para mim no Grupo XPTO, que estava ensaiando um espetáculo para ser apresentado no Sesi da Avenida Paulista. Isso no tempo em que o Sesi contratava os artistas, com carteira assinada, férias e todos os benefícios. O trabalho em questão era a peça infantil O Pequeno Mago, que ganhou tantos premios que acabou ficando um ano em cartaz e emendando com outro grande sucesso do XPTO, Buster, o Enigma do Minotauro. Assim permaneci dois anos e meio contratado pelo Sesi, o que em teatro é bem raro de acontecer. Foi no XPTO que reencontrei Grace Gianoukas e assim, anos depois, esse reencontro acabou em Terça Insana, onde permaneci por inacreditáveis oito anos. Mas isso já é uma outra história... História, aliás, é o que não falta. Mas não quero que o post fique muito longo. Quero mesmo é agradecer à Terra da Garoa por ter me recebido e me tratado tão bem ao longo desses dezoito anos. E ter transformado a minha paixão adolescente em um amor adulto e verdadeiro. Santé!

domingo, 16 de março de 2014

NIVER DA ELIS

Amanhã, dia 17 de março, é o aniversário de nascimento de Elis Regina. Se fosse viva, a Pimentinha estaria completando sessenta e nove anos. Imagine que delícia! Elis estaria insuportável, para citar Ronnie Von. Se ela já não tinha muita paciência para a incompetência generalizada do Brasil na época em que era viva, imagine hoje! Estaria bradando aos quatro ventos. Minha amiga Annelise Hachmann postou em minha timeline do Facebook uma foto de grafiteiros pintando um painel com a foto de Elis em um túnel de Porto Alegre, sua cidade natal. Acho que já contei aqui no blog mas, como já passei dos cinquenta e venho me tornando paulatinamente um esclerosado, me permito repetir: Depois da morte de Elis, por um bom tempo, Anne (que é como chamo minha amiga) e eu comemorávamos o aniversário de nossa ídola todos os anos no dia 17 de março. Ficávamos tomando vinho e escutando os seus discos. Sim, discos. De vinil. Joga no Google. Pois bem, acho ótimo que Porto Alegre homenageie sua cantora maior com um grafitti no túnel, aliás, acho ótimo que Porto Alegre se renda ao grafitti como forma de arte. O que não aguento são cantoras cantando o que Elis cantou. Está combinado: O que foi gravado por Elis é dela. Já tem sua versão definitiva. Pra que regravar se não vai ficar melhor? Nem Maria Rita colou cantando Elis. Pronto, falei. E musical, então, com Elis sendo interpretada por uma atriz baiana? É mais ou menos como se eu quisesse interpretar Dorival Caymmi... Não dá, né? Desculpem o meu gauchismo bairrista. Mas não mexe nas minhas gavetas, tá? Feliz Aniversário, Elis! Parabéns a você, a maior cantora desse país, onde quer que você esteja. Que, por sinal, deve estar bem melhor do que aqui... Na foto, o citado grafitti pelas lentes da Anne.

quarta-feira, 5 de março de 2014

CONTO SURREAL

Mais um conto dos meus vinte aninhos que encontrei remexendo guardados: A flor no peito crescera, vinha se tornando maior a cada dia e o botão, num esforço enorme, ia aos poucos penetrando os tecidos, rompendo paredes, fazendo o possível para se abrir e expelir o seu perfume e pulsação. Do lado de fora do peito já se podia ver, entre os pelos, pequenos brotos. Pedaços de pétalas rosadas, de perfume intenso, doce, inconfundível. Já não podia vestir-se pois, se assim o fizesse, acabaria por machucar os delicados pedaços de vida que de dentro de si brotavam. Então tomava água, muita água e tomava, também, muitos banhos e sentava-se ao sol pela manhã, tomando assim todos os cuidados necessários ao desenvolvimento dessa nova vida que lhe invadira e que nem sabia ao certo do que se tratava. Valeria a pena esperar. Uma gestação. Quando enfim seu peito se abrisse poderia revelar ao mundo o seu interior, que era belo, e que permanecera fechado por tantas estações. Agora, com a chegada da primavera, já não bebia bebidas alcólicas, não fumava e tinha apenas bons pensamentos acerca do que desejava parir e sabia que seria lindo. Assim como o lírio ou violeta ou jasmim que dentro de si fecundara. A sua relação solitária, de tão bela, só poderia dar em flor. Assim pensava e cantarolava baixinho enquanto se expunha ao sol: Bem me quer, mal me quer, bem me quer, bem me quer, bem, bem, bem. Tudo aquilo que vivia era amor. O seu ser em flor contemplava os dias e se preparava para dar à luz. Até que numa manhã de verão acordou e teve uma grande surpresa: Seu peito era uma chaga já cicatrizando ao sol e a seu lado as abelhas sugavam, extasiadas, o néctar de um grande lírio já fenecendo ao calor do verão. Chorou muito e suas lágrimas eram doces. Atraíram tantos insetos que o obrigaram a jogar-se no rio. Desceu ao mundo submerso e veio à tona sob a forma de uma imensa flor aquática. Que se auto-fecundava e gerava novas flores. Para sempre... A leitura desse conto modestamente me fez lembrar de A Espuma dos Dias, filme de Michel Gondry, baseado em romance de Boris Vian, cuja foto ilustra o post.