MAIS QUE A
PAIXÃO
Retomo o
hábito, há muito tempo deixado para trás, de escutar o álbum
Circense, de Egberto Gismonti, que contém uma das mais belas canções
da minha trilha sonora pessoal: Mais que a Paixão. Agora, por
exemplo, estou em Ilhabela, de frente para um céu lindamente
estrelado, ao som dessa canção, me perguntando como pude ficar
tanto tempo sem ouvi-la... Eu tenho, desde os anos oitenta, o LP. Mas
há muitos anos não tenho mais toca-discos e nunca encontrei em CD.
Agora, moderno que sou, tecnológico que me tornei, baixei o álbum
no meu iPad. A canção diz: Não espere de mim nada mais que a
paixão. Como se paixão fosse pouco! Às vezes paixão é,
simplesmente, tudo. Tudo o que se pode esperar. Tudo o que poderia
salvar a vida de uma pessoa. Ilhabela, por exemplo, é amor. Fazia
quase dois anos que não vinha e ela está aqui, linda, perene e bela
na sua constância. O oposto da paixão, inconstante, fugaz, bipolar
eu diria. Mas tão necessária! E a canção segue dizendo coisas
como: A infinita vontade de arrancar de dentro da noite a barra clara
do dia. Isso não é total e completamente paixão? Querer o
impossível, desejar o inatingível, para, logo em seguida, deixar de
querê-lo? Botar fogo na água, nublar o visível, confundir a
compreensão, ofuscar as idéias... E Gismonti prossegue: Não espere
encontrar numa canção nada além de um sonho. Nada além de uma
ilusão. Transposto para a obviedade esvaziada de sentido das canções
de hoje em dia, esse verso provavelmente diria: Não espere encontrar
numa canção nada além de um tchu. Nada além de um tcha. E tchum
tcha tcha tchum tchum tcha! Brincadeira. O vinho já está subindo à
cabeça. E eu espero encontrar muito mais que a paixão nesses dias
em Ilhabela. Às vezes a gente deseja mesmo é arrancar de dentro da
noite a barra clara do dia. Nem que seja em sonho. Ou, quem sabe, em
poesia. Ou talvez numa ilusão...
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