TREZE TIOS
Meus
avós paternos, que não cheguei a conhecer, tiveram catorze filhos. Meu pai
tinha treze irmãos. E eu tinha, portanto, treze tios...Tia Branca era nossa
vizinha. Sua casa ficava ao lado da nossa, na esquina, e os terrenos eram
divididos por uma cerca de arame que, com o tempo, foi substituída por um muro
de alvenaria. Tia Branca era casada com o tio Arquilau, a quem chamávamos
carinhosamente Quilau. Eles passavam a maior parte do tempo na fazenda e,
quando vinham para a cidade, era uma festa de galinhas, pintinhos, ovos, frutas
e quetais. Uma vez, minha irmã Regina adentrou o quintal da Tia Branca em tal
velocidade que esmagou um pintinho, que nem teve tempo de piar... Quando o
Quilau ia para a fazenda e tia Branca ficava na cidade eu ia dormir com ela. Na
sua cama tinha mosquiteiro! Para mim era praticamente um palco... Nunca esqueço
de uma temporada que passei na fazenda deles e o Quilau me deixou dirigir o
trator... Foi o máximo! Do outro lado da esquina da tia Branca ficava a loja e
a casa do tio Antoninho, que ninguém nunca chamou de Antônio. Acho que herdei
dele esse anátema: Não consigo ser Roberto. Até para as crianças sou
Robertinho... Tiontoninho, como o chamávamos, tinha um armazém de secos e
molhados, a Casa Camargo, onde comprávamos desde mantimentos até ferramentas,
pregos, perfumaria e presentes. Tudo o que comprávamos era anotado na caderneta
e no fim do mês meu pai acertava... Tiontoninho era casado com a tia Célia,
figura ímpar, cuja casa era uma verdadeira mixórdia: Xícaras e pratos guardados
nas gavetas e, nos armários, uma incrível miscelânia de cama, mesa e banho, com
direito à sua gatinha Pitty dando à luz dentro da forma de pudim... Tia Célia
era prendadíssima: Fazia plissé! Ah, e incríveis compotas de tudo o que fosse.
Todo ano, na Páscoa, ela fazia deliciosos bombons de doce de leite recheados
com nozes, que embalava naqueles papéis de bala com franjas e nos levava de
presente. Lembro até hoje do sabor... Tia Morena morava no centro da cidade, em
frente à praça. Sua casa tinha dois andares! O que, para nós, significava um
edifício. Seu marido, tio Luizinho, era mágico e ventríloquo. Eu adorava
visitá-los para tio Luizinho me encantar com seus truques e bonecos. Ele também
colecionava gramofones e realejos, que fazia tocar para a nossa alegria...
Descer com tio Luizinho até seu porão oficina era das mais encantadoras
aventuras que vivia em minha infância. No centro da cidade também morava tio
Matuzalino, a quem chamávamos tio Matinhos. Tio Matinhos fazia visitas
infindáveis ao irmão – meu pai – que dormia com as galinhas. Quando a hora de
ir dormir se aproximava e nada do tio Matinhos ir embora, meu pai soltava
sonoros bocejos e ia fechando todas as janelas da casa. Nós corríamos colocar a
vassoura virada atrás da porta. E nada do tio se tocar... Um pouco mais longe
da minha casa, em direção à entrada da cidade, morava a tia Didi, cujo nome
verdadeiro nem eu nem minha irmã Raquel, a quem telefonei pedindo ajuda,
conseguimos lembrar. Visitar a tia Didi era o máximo porque ela sempre abria
uma gaveta de onde tirava surpresas deliciosas como balas, chocolates e os meus
preferidos: Tijolinhos de banana... Tia Didi era casada com tio Eugênio, que
era marceneiro e tinha uma oficina de marcenaria em casa. Devido a um problema
de artrite ou artrose, tia Didi tinha as mãozinhas engruvinhadas. Já na época
era bem velhinha. Devia ser das mais velhas dos irmãos, senão a mais velha de
todos. Tia Maria José, a quem
chamávamos tia Mozinha, morava em Cruz Alta e era casada com tio Amado. Tudo o que
tia Mozinha fazia para comer era delicioso... Em Cruz Alta morava também o tio
Alcides, casado com tia Esmeralda, que ele chamava de Merarda. Sim, tio Alcides
trocava o “ele” pelo “erre”. Uma vez, quando eu era bem pequeno, ele chegou
para nos visitar dizendo que passara pela Vorta Alegre, ao que o pequeno
Robertinho, implacável, corrigiu: É Volta Alegre! Já o Tio Artino, morava em
uma fazenda, pros lados de Espumoso e era meu padrinho. Quando se desquitou da
madrinha Badina, apelido da tia Garibaldina, tio Artino juntou-se com a Tereza,
que todos diziam que era china (em gauchês, mulher da vida) e que ele tirara da
zona... Eu não sei se isso era verdade. O fato é que lá em casa a Tereza sempre
foi muito bem recebida. Numa das visitas do tio com a Tereza à nossa casa,
minha irmã Rita estava usando aparelho ortodôntico e, ao ver o sorriso prateado
da Ritinha, a Tereza exclamou: Que coisa mais linda! Quero fazer igual nos meus
dentes...Tio Garibaldi também morava em uma fazenda perto de Espumoso e depois mudou-se
para o Paraná, onde também morava tio Fernando, que mal conheci e foi o
primeiro a falecer. Em Espumoso, onde nasci, moravam também tio João Manuel,
tia Leontina e tia Julieta, que foram os tios com os quais menos convivi. Tenho
tanto a mais para contar, mas já está muito longo. Hoje seguem firmes e fortes
apenas tia Branca e tio Matinhos. Ah! Esqueci de dizer: Chamávamos todos de
senhor e senhora e pedíamos a benção a todos eles, assim como a nossos pais. E
o tio Matinhos respondia, quando éramos pequenos: Deus te abençoezinho...Meu
pai já nos deixou há quinze anos, mas tudo permanece vivo na minha memória...
Imaginem a quantidade de primos que eu tenho? Mas isso já é assunto para um
outro post...
Na foto, meu pai e minha mãe, no dia do seu enlace.