sábado, 23 de novembro de 2024

PORTO DE NOVO ALEGRE

Estive em Porto Alegre depois de quase um ano e meio sem ir visita-la. Nesse meio tempo a cidade (não apenas ela, mas o estado do RS inteiro) viveu uma tragédia: A malfadada enchente que, entre outras coisas, isolou os porto-alegrenses do resto do país ao acabar com o aeroporto Salgado Filho. Retomados o aeroporto e a vida da cidade, fui passar uma semana em terras gaúchas para comemorar o aniversário de oitenta anos de uma amiga muito querida - Iracema (ou Cema) de quem já falei aqui no blog - e rever amigos e familiares. Coisa boa rever Porto Alegre refeita da tragédia. Ou melhor, se refazendo. Mas a garra do gaúcho é tão intensa que parece que a enchente já é coisa do passado. Sempre admirei essa nossa força, coragem, resiliência e teimosia. Digo nossa porque sou gaúcho também. E sei que a gente "não se mixa", como diz o dito popular. A cidade voltou a sorrir. Sua orla e seus entardeceres de tirar o fôlego estão novamente enchendo os olhos e a alma da gente. Seu céu de azul incomparável e suas noites de estrelas e lua cheia - que tive a sorte de pegar - continuam arrasadores. Me fizeram lembrar de muitas noites e dias da minha juventude vividos no bairro do Bom Fim, a poucos passos do parque da Redenção, da Osvaldo Aranha, da Independência e da Rua da Praia. Minha irmã Raquél, sempre incansável, me levou a diversos lugares e programas, fez almoços e happy hours, me enchendo de carinhos e atenções, como faz desde que me conheço por gente. Meus amigos também me fizeram muito feliz nos nossos reencontros, nas conversas e atividades artísticas. Guto, meu amigo fotógrafo, fez um ensaio comigo inspirado nos circos dos anos vinte do século passado. Assim, do nada, com nossas ideias e talentos, produzimos um lindo material. Revi Adriane Mottola e seu teatro Stravaganza, agora refeito e ampliado, e lá pude assistir ao espetáculo musical Ovo, com as queridas Gisela Habeiche e Shirley Rosário. Reencontrei Sergio Lulkin, Eduardo Romagna, Carmen e Magda Castro, a Lica, a Lolita, Carmen Medeiros, meu amado Paulo Vicente (meu ator fetiche desde sempre), Ciça Reckziegel e Mirna Spritzer, visitei a exposição do meu primo Daltro Borowski, fui à Feira do Livro! Nossa, quantas lembranças eu guardo da feira e há quanto tempo não a frequentava... Revi a Casa de Cultura Mario Quintana, visitei exposições por lá e, para fechar a visita com chave de ouro, tomei vinho branco assistindo ao por do sol no Guaíba na companhia dos queridos amigos Andresa Spagnolo e Leonardo Menin no simpaticíssimo bar Lola, que fica na cúpula do Hotel Majestic, que foi a residência do poeta Mario Quintana... Ah! Também não poderia deixar de cometer dois pecadinhos gastronômicos que me permito sempre que volto à cidade da minha juventude: Comer o cachorrinho quente molho & mostarda da Confeitaria Princesa e a Bomba Royal na Banca 40 do Mercado Público Municipal (também refeito e reaberto após a enchente que o devastou). Nessa categoria (pecadinhos gastronômicos) também não poderia faltar o galeto do Konka! E, já ia me esquecendo, a deliciosa mil folhas do belíssimo Café Imperador, que não conhecia e adorei ter ido... A festa de aniversário da Cema, além de ter sido divertidíssima, valeu para me levar de volta à minha querida Gay Port (como a chamava Caio Fernando Abreu) e matar um pouco das saudades que me matavam. Voltei para São Paulo na terça-feira, a tempo de retomar as apresentações do meu espetáculo Caio em Revista, que estou louco para levar para os pagos do Rio Grande. Essa semaninha que passei por lá me reabasteceu de afetos, lembranças e saudades. Como é bom rever os lugares e pessoas que amamos! E, por último mas não menos importante, revi também os jacarandás em flor que enfeitam a cidade e a pintam de roxo nessa época do ano. Por tudo isso e muito mais é que de vez em quando eu canto: Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau! Nas fotos, pôr do sol visto do terraço da Raquel, o Arco do Triunfo da Redenção, a cúpula do Hotel Majestic (hoje Casa de Cultura Mario Quintana) e a lua vista da janela do meu quarto na casa da minha irmã.

sábado, 16 de novembro de 2024

NATUREZA-MORTA?

Em Porto Alegre por uns dias, revendo amigos e familiares, aproveitei para conferir a exposição Natureza-Morta? que reúne obras do artista Daltro Borowski, que vem a ser meu primo e conterrâneo. Na nossa longínqua infância em Soledade eu nem imaginava o tamanho e a qualidade do talento que ele trazia no seu interior de menino silencioso e introspectivo. No material impresso de divulgação da galeria Daltro conta que "começou a aprender a desenhar e pintar com quinze anos em 1979". Nessa época eu já estava morando em Porto Alegre, por isso não acompanhei de perto o início de seu aprendizado. Mas, como ainda mantinha contato com Soledade e com meus familiares e amigos que lá residiam, aos poucos fui conhecendo o talento do meu primo que começava a despontar. Tenho inclusive uma foto que fiz dele em seu local de trabalho pintando uma de suas telas. A foto está em São Paulo, por isso não aparece aqui ilustrando o post. Daltro diz também - com modéstia proporcional ao talento - que segue "até hoje tentando aprender alguma coisa", como se o que já aprendeu fosse pouco. Dono de um estilo plástico todo próprio, ele encanta os olhos com reproduções fidelíssimas de objetos e frutas em suas naturezas-mortas. A perfeição fotográfica com que reproduz transparências, sombras e texturas é impressionante; em algumas obras ele chega a um trompe-l'oeil surrealista, em outras flerta com Magritte, apesar de citar Francis Bacon como uma de suas principais referências. A última vez que estive com ele foi em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde reside atualmente. Na ocasião eu estava me apresentando com a Terça Insana no belíssimo Teatro Pedro II e ele foi me assistir com sua esposa. Não me lembro o ano e, como agora os anos voam, já deve fazer mais de dez anos certamente... Para além do realismo, do hiper-realismo ou do surrealismo, Daltro Borowski apresenta estilo e linguagem próprios, originais. É isso que salta aos olhos e encanta os admiradores da sua obra singular. Parabéns à belíssima galeria Guion Arte pela iniciativa de divulgar o trabalho desse grande artista brasileiro. Quem mora ou está de passagem por Porto Alegre não deve deixar de visitar. Nas fotos, duas de suas impressionantes obras que compõem a mostra.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

AINDA ESTOU AQUI

O filme de Walter Sales é lindo. Potente. Intenso. Relevante. Necessário. Não tem como assistir a essa obra e ficar ileso. Não tem como não se envolver. Pelo menos quem ainda tem um mínimo de memória do que foi o período histórico que o filme aborda. Digo que ele é, entre outras coisas, necessário, porque vem num momento em que o mundo, totalmente dividido, polarizado, flerta com extremismos e apoia ditaduras, tanto de direita quanto de esquerda. Adoro os filmes de Walter Sales, eles são invariavelmente plenos de sensibilidade. O cineasta tem a fineza de não ser panfletário na sua belíssima obra. Ainda Estou Aqui transborda afeto. É impossível não se ver espelhado naquela família, naquelas relações, naqueles almoços e jantares, nos pequenos prazeres do dia a dia. (Fala-se tanto em defender a família, como se alguém fosse contra). Pois essa linda família apresentada no filme foi cruelmente ferida, mutilada pelo afastamento do pai. Quando isso acontece, me transportei imediatamente para a minha infância. Eu tinha sete anos de idade e cursava a primeira série do primário. Não tinha a menor noção do que estava acontecendo no país. Era uma criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar seu sonho infantil. E brincava dizendo que o nome do presidente do Brasil era “Garrafa Azul Médici”… Fiquei, além de muito tocado e triste, feliz com esse filme. Num país notadamente sem memória como o nosso, sempre é bom dar uma refrescada. E, quem sabe, provocar revisões e ressignificar conceitos e ideologias. Isso tudo sem falar nas interpretações irretocáveis de Fernanda Torres, Selton Mello e todo o maravilhoso elenco. E, claro, Fernanda Montenegro que, em participação especial, entra muda, sai calada e arrasa como a personagem de Fernanda Torres na velhice com Alzheimer. Os figurinos de Claudia Kopke e toda a direção de arte são precisos na reconstituição da época. E ricos em detalhes como a poncheira de cristal sobre a mesa de festa. Fora a trilha sonora, que a gente sai do cinema com ela na cabeça. Parece que estamos folheando antigos álbuns de retratos. Que guardam, graças a Deus, nossas memórias... Não deixem de assistir! Na foto, o cartaz do filme e a belíssima arquitetura do Conjunto Nacional.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

CAIO EM NOVEMBRO (E SEMPRE)

O mês de novembro chegou acelerado, rumo ao fim de mais um ano que passou voando. Me pergunto se vai ser para sempre assim ou se vai acelerar cada vez mais. Acho que mais do que isso eu não daria conta. Tipo áudio do whatsapp na velocidade 2; ou aqueles avisos de comercial de remédio que dizem em ritmo frenético: Esse medicamento é contraindicado em caso de suspeita de dengue; se persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado... O bom é que novembro trouxe de volta a cartaz meu espetáculo solo Caio em Revista, que estreou em maio em curtíssima temporada no Teatro Viradalata, e agora reestreou no pequeno e adorável Mi Teatro. O Mi Teatro parece uma casinha de boneca, acolhe o ator e a plateia em uma espécie de comunhão; uma relação que eu ainda não havia experimentado em quase quarenta anos de carreira no teatro. Fica-se tão próximo do público, fala-se olhando nos olhos dos expectadores. Foi muito emocionante para mim. Fiquei lembrando de quando vi Rubens Correa fazendo Artaud em seu antológico solo no porão do Teatro Ipanema no Rio. A gente se sentia desnudado pelos olhares intensos e penetrantes desse saudoso e maravilhoso monstro sagrado do teatro. Guardadas todas as devidas proporções, evidentemente... Não me lembro se já falei aqui no blog, mas vale relembrar: Meu solo Caio em Revista, com direção do mestre Luís Artur Nunes, reúne textos inéditos de Caio Fernando Abreu, que foram escritos especialmente para revistas paulistanas dos anos oitenta, principalmente a AZ e a Around, de Joyce Pascowitch. Nessas publicações ele se permitia ser leve, engraçado e irônico, sem aquela densidade e profundidade características de seus escritos em livros. Mas com muita crítica e ironia afiada. Alguns destes textos ele assina com o pseudônimo feminino Nadja de Lemos. E, nesse momento do espetáculo, me transformo em cena, à vista da plateia, na ferina personagem feminina, alterego do escritor, que discorre sobre conceitos como Naja, Sexo e Gentalha. Um deleite! Quem conheceu Caio pessoalmente sabe que ele era divertidíssimo. Quem o conhece apenas da literatura o associa às densas profundidades da alma. E tudo isso se amalgama no ser humano maravilhoso que ele era. Que bom que deixou vasto legado para gerações futuras. Se é que as gerações futuras se interessarão... Interrompo a temporada para uma viagem já previamente agendada e retorno ao palco do Mi Teatro no dia 19/11 onde fico até 17/12, sempre às terças-feiras, às 20 horas. Essa pequena joia que é o Mi Teatro pertence à atriz e empresária Mara Carvalho e está sob a batuta da multitalentosa Patrícia Vilela, que vem a ser a nossa produtora (com sua companhia e produtora Colaatores) e assistente de direção. Venham se despedir de 2024 conosco! Digo conosco porque teatro, mesmo quando se trata de um espetáculo solo, nunca se faz sozinho. Somos uma equipe, um time, uma família. Que o mês de novembro nos seja leve... Nas fotos de Rafa Marques o Narrador/Caio e seu ferino alterego Nadja de Lemos.