domingo, 15 de outubro de 2023
O VAMPIRO BORIS PARTE III
Tão intensas quanto a presença de Boris eram as suas ausências. Quando ele desaparecia meu humor ficava completamente alterado. Meu metabolismo se acelerava. Meu PH ficava ácido. Ele tinha o poder de, mesmo à distância, me desestabilizar por inteiro. Eu tinha raiva dele por isso. Raiva de mim por deixar que ele fizesse isso comigo. E nas noites de lua cheia a coisa piorava consideravelmente. Principalmente no verão, quando o ar noturno era invadido pela fragrância das gardênias e damas da noite que adentravam meu quarto de rapaz de vinte anos. Então tentava preencher com álcool o vazio que a ausência dele abria no meu peito: Vinho tinto. Vinho do Porto. Campari. Cherry Brandy. Sangue. Dalvas, Dolores, Maysas, Bethânias e Ro Ros tomavam conta do toca-discos. Nem sei quantas rotações por minuto. Abajures, cinzeiros e copos espalhados. Discos fora das capas. Drama: Quando você passa três, quatro dias desaparecido eu me queimo num fogo louco de paixão. Anjo exterminado...
As noites do Bom Fim ardiam de segunda a domingo. Do Estudantil ao Ocidente, passando pelo Alaska, Copa 70, Mariu’s, Lola, Lancheria do Parque, Anjo Azul, Bar Esperança e aquele outro de que não lembro o nome em alguma daquelas travessas da Osvaldo Aranha. Eu entrava tímido, olhando em todos os ambientes, aquela vontade de saber onde você estava, com quem estava, porque eu sabia que me traía. Não só a mim, traía vários, várias, você não era de ninguém como você mesmo me dizia entre beijos ardentes e overdoses. Essa busca era inútil porque eu nunca te encontrava, mas eu não desistia. Com perfeita paciência fazia todo o percurso de volta, uma via sacra de bêbados, drogados e prostituídos, uísque, Dietil, Diempax. Each man kills the thing he loves. Cena de sangue num bar da Avenida Osvaldo Aranha... Querelle de Brest. O romance de Genet que Fassbinder materializou em película cult assistida por nós no Cinema Um, Sala Vogue. Gaumont Filmes. Brad Davis inesquecivelmente belo e terrível. Marinheiro predador. Muito cuidado com essas noites quentes em que navios ancoram em cais distantes e mal iluminados. Facas perfurantes atravessam estômagos, cortam jugulares, degolam sem piedade. Eu trabalho numa ferrovia, babe, marinheiro não, eu não sou. Não aposte seu rabo se não tiver a intenção de perder. Não se arrisque em sexo fácil pelas esquinas e becos sombrios que o vírus pode te matar. Como matou Brad Davis, o eterno Querelle de Rainer Werner Fassbinder e Andy Warhol. A gente saiu do cinema comendo pipocas e foi beber em um boteco da Avenida Independência. O Vogue ficava na Independência, esquina com a rua Garibaldi, onde eu morava com minha irmã. Garibaldi quase com Osvaldo Aranha, meia quadra do Parque da Redenção. Esse parque que de dia era solar e bem frequentado e que à noite se transformava em território livre, terra sem lei onde os ladrões e os amantes malditos, colegas de copo e de cruz, se perdiam em alamedas escuras e moitas sem fim. Você era desses seres da noite que o parque escondia. Conhecidos em comum me alertavam sobre seus hábitos noturnos. Como você me dava medo e me atraía...
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Manda, segue a saga!
ResponderExcluirTodos, em algum momento de nossas vidas, cruzamos com um tipo Boris. Atire a primeira pedra quem nunca se deixou seduzir,
ResponderExcluirBingo, Odilon! Esse mesmo é uma junção de vários...
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