segunda-feira, 25 de setembro de 2023
O QUE TINHA DE SER
Acabo de chegar do cinema. Fui assistir ao documentário Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você. A sensação é de que entrei em uma máquina do tempo que me transportou para uma época em que sensibilidade, talento, cultura, inteligência e genialidade abundavam. Ao contrário do que vivemos hoje em dia, a carência total de todas essas virtudes. Elis Regina e Tom Jobim eram dois grandes artistas e o álbum que resultou desse encontro é uma obra-prima. E, como toda obra-prima, perdura até hoje, passados mais de quarenta anos da sua realização. Como é dito em diversos momentos do filme por vários dos entrevistados, foi uma grande ideia de difícil realização. Aliás, dificílima. Artistas são seres complexos. Grandes artistas são seres muito complexos. Juntar tamanhas complexidades não seria mesmo uma experiência simples... O resultado é esse disco antológico no qual Elis e Tom dão uma aula de música. A gente ri e se emociona o tempo todo no filme. Cenas inéditas de Elis, de quem sempre fui fã, cantando no estúdio acompanhada de Tom, Cezar Camargo Mariano e seus excelentes músicos, me fizeram chorar de emoção e felicidade. Ver Elis cantando aquelas interpretações definitivas de belíssimas canções como Retrato em Branco e Preto, Só Tinha de Ser com Você, Chovendo na Roseira, Modinha e Soneto da Separação, entre outras, foi um dos grandes presentes que a vida me deu. Quando percebi que o filme estava se aproximando do fim fui tomado por enorme tristeza, queria que ele durasse pelo menos mais uma hora. Ah, não seja a vida sempre assim como um luar desesperado a derramar melancolia em mim, poesia em mim... Pretento assistir de novo o quanto antes, até para fixar frases que foram ditas e que no embalo da emoção não consegui gravar. Em determinado momento um dos músicos diz que a arte é também uma forma de amor. E ao longo do difícil processo de criação e execução do álbum, Elis e Tom foram se amando também. Um outro tipo de amor. Amor de artistas criadores pela obra criada. De repente, do riso fez-se o pranto, silencioso e branco como a bruma. De repente, não mais que de repente... É muito lindo, eu gostaria que todos fossem ao cinema prestigiar essa película. Felizmente Roberto de Oliveira registrou tudo o que rolou em Los Angeles durante as gravações. E felizmente as famílias de Elis e Tom permitem que tudo seja levado a público. Quem ganha somos nós, o filme é um presente para os fãs. Assim como o álbum Elis &Tom vem sendo através de décadas... Corram para os cinemas! Afinal, de que servem as flores que nascem pelos caminhos se o caminho sozinho não é nada? Em cartaz nas melhores casas do ramo.
Nas fotos, o cartaz do filme e a capa do álbum antológico.
quinta-feira, 14 de setembro de 2023
PÁSSARO DA MANHÃ
Quando eu tinha catorze para quinze anos me mudei de Soledade para Porto Alegre para fazer o segundo grau (não sei como se chama hoje) num colégio da capital. Meus pais, que investiam tudo no nosso bem maior - nossa educação - faziam questão de que nossos estudos fossem feitos nas melhores instituições de ensino. E nesse quesito, Porto Alegre dava de dez na nossa provinciana e amada cidade natal. Mas já estou me desviando do assunto, que vem a ser o matinal pássaro de Maria Bethânia. Quando cheguei em Porto Alegre, minhas irmãs haviam assisitido recentemente ao show de Bethânia no Teatro Leopoldina e já tinham o LP de mesmo nome, o dito Pássaro da Manhã. Eu, que desde pequeno adorava ouvir música (ficava até tarde da noite escutando a rádio Farroupilha no rádio da Variant do meu pai estacionada em frente à casa ou no meu radinho de pilha da Luluzinha) me tomei de amores por Bethânia, aquela entidade mística e misteriosa, e seu encantador disco recheado de hits e curiosidades. Quando ainda estava morando em Soledade lembro de ver na TV a propaganda do show, em que ela aparecia cantando um trecho da canção Um Índio, de Caetano: "num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico, do objeto sim resplandescente descerá o índio"... Minha paixão foi instantânea. Decorei todas as canções e também os textos que Bethânia recitava. Eu já era apaixonado por Olhos nos Olhos, de Chico (hit do álbum anterior, Pássaro Proibido) que era uma das mais tocadas na Rádio Farroupilha. Não sei descrever exatamente o que significava, à época, o lançamento de um novo LP de um dos nossos ídolos. Era uma espécie de pacote surpresa, que a gente aguardava ansiosamente pela chegada e, quando chegava, estava repleto de referências, memórias, identificações e marcas que ficariam para sempre em nossas vidas. O que seria hoje o correspondente? Acho que não existe mais algo tão repleto de significado. O conteúdo, a qualidade das letras e melodias, a excelência vocal, tudo isso se perdeu. Claro que temos, por exemplo, a graça de Marina Sena cantando "ai que delícia o verão, a gente queima o ombrim, a gente brinca no chão", ou Jão a insistir no já batido "gosto de meninos e meninas" requentando Renato Russo (preguiça total). Mas algo como Gonzaguinha, Milton, Chico, Caetano, Fagner, João Bosco, Djavan, Toquinho e Vinicius, sorry, não tem mais... O Pássaro da Manhã trazia textos de Fernando Pessoa, Fauzi Arap, Clarice Lispector e da própria Bethânia. Além dos hits Terezinha e O Que Será, de Chico Buarque, Um Jeito Estúpido de Te Amar, de Isolda, e Tigresa e Gente, ambas de Caetano. Sem falar em Começaria Tudo Outra Vez, de Gonzaguinha. E os arranjos? Meu Deus, que lindeza. E as fotos de Marisa Alvares de Lima? Um deslumbramento. No encarte, uma foto de Bethânia de terninho branco e gravata de pérolas cercada de arranjos de flores brancas... Estive uns dias junto ao mar e, como sempre faço, ouvi bastante esse álbum no Ipad. E a memória me trouxe tudo de volta...É isso, sigo ouvindo Bethânia e seus chiquérrimos pássaros (da manhã e proibido) e também seus dramas. Para haver algum luxo, por Deus! Que eu também preciso. Amém pra todos nós...
Nas fotos, a capa do álbum e do encarte por Marisa Alvares de Lima.
terça-feira, 5 de setembro de 2023
ALMOÇO AMIGO
Não lembro há quanto tempo eu não saía para almoçar com um amigo. Um amigo querido, daqueles das antigas, que a gente fica um tempão sem encontrar e quando encontra continua tudo igual. Quero dizer, a amizade continua igual como sempre foi. Já as vidas mudam o tempo todo e esses encontros também são bons para isso, para atualizar cada um dos dois acerca das mudanças vividas pelo outro. Quem como eu vive numa grande metrópole como São Paulo, por exemplo, sabe que não é fácil fazer um encontro desses acontecer. As pessoas têm agendas intensas de trabalho e de compromissos pessoais, tudo é longe e dificilmente as duas partes conseguem ter um dia e horário disponíveis em comum. Sem falar que todo aquele tempo que passamos isolados em casa por causa da pandemia acabou nos fazendo perder um pouco o hábito dos encontros. Enfim, eu tenho procurado retomar minhas atividades anteriores ao isolamento e, dentre elas, rever amigos é uma das que mais priorizo. (Além de ir ao teatro e passar uns dias junto ao mar). O almoço de hoje com esse amigo muito querido me divertiu, me fez pensar e repensar; me animou a retomar meu processo de desapego e doações, que andava um pouco parado; "botou a fofoca em dia", matou um pouco a saudade e, sobretudo, me fez ver o valor que tem uma amizade verdadeira. Sincera. Desinteressada. Como todas deveriam ser e, infelizmente, muito poucas são. Quantas amizades desse tipo você pode afirmar que tem hoje em dia? Seria capaz de contar? Caberia nos dedos de uma mão? Talvez das duas? Se você tiver uma só que seja, meu conselho é que a agarre para você e não a solte mais. Sabe aquele famoso e batido “ninguém solta a mão de ninguém”? Solta, sim. Então não solte a mão dos seus amigos de verdade. Cultive as amizades. Mesmo que à distância, por e-mail, por carta, por Whatzapp, por videochamada ou pelo direct do Instagram. Lembre do seu amigo com carinho e demonstre esse carinho para ele. Em vez de reencaminhar tudo o que você recebe pelos grupos de mensagem (e às vezes nem lê, só passa adiante) pense, diga ou faça algo especialmente dedicado a ele ou ela. Algo que diga respeito a vocês dois. Uma memória de um momento bom vivido juntos. Um singelo almoço em um lugar agradável no meio da semana. Como o que tive hoje com o meu amigo. O primeiro amigo que fiz quando cheguei aqui em São Paulo há vinte e sete anos...
Na foto, brinquedos que separei para doar assim que cheguei do almoço. Afinal, já estou bem crescidinho.
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