quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

SCALP

Nos anos oitenta do século passado, em Porto Alegre, havia um salão de beleza chamado Scalp. Na verdade o Scalp era muito mais do que um salão de beleza. Era uma central de ideias, um núcleo de criatividade e inspiração. Todas as cabeças mais loucas, criativas, pensantes e/ou desbundadas passavam por lá. Nem que fosse só para dar um tapa no visual. Na liderança desse inusitado QG estava seu proprietário e mentor intelectual Walter Costa. O Walter era uma figura ímpar, de uma criatividade e de um humor sem iguais. Sempre antenado com o que estava acontecendo no mundo, de Nova Iorque a São Paulo, ele enchia de espanto e modernidade a "Carroça", alcunha que criou para denominar carinhosa e debochadamente a Capital Gaúcha. Walter criava tantas gírias e expressões que, para manter uma conversa com ele, a gente precisava dominar uma espécie de dialeto particular da sua tribo. Lembro especialmente de "lazanha", que ele usava para se referir a homem gostoso, "cheque", para definir qualquer coisa feia, mal feita, suja ou velha e "o auge", para qualquer coisa que abundasse. Como, por exemplo, o auge da cafonice... Entre outras criações suas, vale destacar o Prêmio Scalp, que laureava as figuras mais expressivas e criativas de diversas áreas da cultura e do entretenimento gaúchos. Na edição de 1988 fui agraciado com o prêmio de teatro pela minha montagem de Lisístrata. É o troféu que mais amo de todos os que ganhei. Não apenas pelo prêmio em si, mas pelo troféu, uma bela obra do artista Fiapo Barth. A cerimônia de entrega do Prêmio Scalp era um evento que movimentava a cidade e a cada ano era realizado em um local diferente. Os funcionários do Scalp eram um capítulo à parte. A começar pela recepção, capitaneada pelo ator Paulo Vicente, que já fazia a gente morrer de rir logo na entrada daquele templo do humor e da originalidade. Entre os cabeleireiros, impossível não lembrar do Claudinho. Ou Claudiona, como era mais conhecida. Dono da já antológica frase "cada um desce a escada do jeito que quer", que proferiu após despencar escada abaixo na entrada de uma boate da Carroça... Tanto Walter quanto Claudinho já nos deixaram há bastante tempo. Mas suas memórias permanecem vivas em todos nós que os conhecemos e convivemos com eles. E, por falar em memórias, Walter deixou um manuscrito com o projeto de uma autobiografia, já bem adiantado, com várias histórias interessantes e bem contadas. Alô biógrafos, documentaristas e pesquisadores em geral! Esse material inédito e interessantíssimo está disponível, se não me engano, com a Marjorie, que também era funcionária do Scalp. Não tenho o contato, mas na "Carroça" não deve ser difícil descobrir... Passei esses dias chuvosos de Carnaval em casa, remexendo guardados, ouvindo músicas e revendo antigas fotografias. E, entre outras coisas, imaginando o que o Walter estaria achando da caretice em que tudo se transformou depois da sua partida. Certamente diria que estamos vivendo "o auge da caretice"... Nas fotos, meu troféu by Fiapo Barth e Claudinho et moi no Ocidente.

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