terça-feira, 29 de dezembro de 2020
ÇA ME MANQUE
A foto que ilustra o post é do Instagram de Marie Anne Bruschi (@marieannebruschi), que tem um site de dicas de Paris. A visão desta imagem me encheu de melancolia e saudade. Ela reúne duas coisas que amo: Paris e grafitti. E ainda explicita o meu sentimento na frase grafitada: Eu te amo, em francês. Nada mais contemporâneo (a pichação ao lado) e cotidiano (a toalha estendida na janela). Tenho sido presenteado com verdadeiros tesouros nesse meu longo período de abstinência da Cidade Luz. Outro deles foi a descoberta do site drive and listen, dica do meu amigo Guilherme Rezende, através do qual você pode passear pelas ruas de Paris – ou da cidade que escolher – ouvindo uma rádio local ou os ruídos da rua. Esse foi quase lisérgico! E assim me abasteço dessa cidade que amo e que me faz tanta falta... Desde o ano de 2007 eu não ficava tanto tempo sem ir a Paris. Cinco anos! Uma eternidade para quem, como eu, é um eterno apaixonado. Tenho questões com a cidade até hoje não resolvidas, desde que morei lá no início dos anos noventa, o que me faz querer sempre voltar para ela... Outra coisa que me transporta para lá é a série Dix Pour Cent, do Netflix, cuja quarta temporada aguardo ansiosamente. Sem falar em Emmily in Paris... O título do post, Ça Me Manque, quer dizer literalmente isso me falta, sinto falta disso. Mas o sentido é de saudade mesmo, palavra que nós brasileiros temos o privilégio de ter na nossa inculta e bela Língua Portuguesa. Que bom que o ano já está terminando. Torço para que em 2021 eu consiga matar isso que está me matando: A saudade da minha amada Paname...
domingo, 27 de dezembro de 2020
RÉVEILLON
(Encontrei esse conto - de 1987 - inacabado em meus guardados. Resolvi terminá-lo agora e postar aqui.)
Na penúltima noite do ano descolei 1g de cocaína. Importante ter cocaína na penúltima noite de um ano em que provavelmente estaria sozinho na última noite. Depois de um certo tempo – champanhe no gelo – ele chegou. Muita conversa entre bolhas, discos e pó de champanhe. E aquele desejo de ver o líquido se espalhando, as bolhas nos pelos, molhando o tapete...Assim como veio se foi. Montado na minha vespa deixei-o à porta de sua casa, me vendo partir com olhos tristes & coração descompassado. Era o fim do começo da noite. A penúltima do ano. Vento quente no corpo em movimento. Uniformemente acelerado... Uísque e fumaça no bar vazio. Tempo. Eu cheio do vazio do bar cheio. Um olho bate no meu. Mais uísque entre conversas sem sentido, segundas intenções seguidas de corridas de vespa pela noite da cidade, em direção aos prazeres do sexo. Morava num edifício da Avenida Ipiranga, um JK vazio com vista para as luzes brilhantes da noite. Dormiu ao meu lado, o rádio ligado, depois de transar. Verbo intransitivo. Pé ante pé, fechei a porta devagar, para não fazer barulho... Porto alegre não fazia jus ao nome. Andava sendo, no máximo, um porto melancólico. Ou um porto vazio. Alegre, definitivamente, não... O ronco do motor da vespa em movimento rasgava a Avenida Independência de alto a baixo. Rua da Praia que não tem praia. Pit stop na velha usina para um cigarro. Uísque na garrafinha de bolso. Fotografias embaralhadas na memória. Lembranças da pequena cidade do interior. O paralelepípedo em frente à casa tão polido que se confundia com a cerâmica do piso da área de entrada visto da porta. Pequenas observações que o pai respondia com críticas em tom de ironia. A neblina da madrugada fria envolvendo a praça em inusitado fog. Gostava quando tinham visitas em casa e tinha de dormir no sofá do escritório do pai. Bem na frente da casa, rente à calçada, vozes e passos passando na madrugada. Um certo medo de que abrissem a porta cujo trinco não fechava direito... A sombra de um presente tão incerto que se confunde com passado. Ou já teria de fato passado e agora era só memória? Do centro até Petrópolis, de lá para o Menino Deus e de novo para o Bom Fim. Isso nunca teria fim? Vontades de Avenidas Paulistas, Nossas Senhoras de Copacabana, Avenues des Champs-Élysées sufocadas no peito. Mochila nas costas, vespa na estrada, skate no pé. O jato do avião que corta o céu até se desfazer em espuma rala. O navio que cruza os mares. Movimento. Uniformemente acelerado. Em direção a. Sair da inércia, sair daqui. Rumo a qualquer lugar. Amigos partindo para outros lugares. Alguns para outras vidas. Não dava mais para ficar. O momento tratava-se de ir em frente, ir embora. Quanto vazio era capaz de conter uma cidade grande com ares de interior? Já ouvira falar de lugares ainda menores que comportavam o mundo. Expandiam horizontes, mudavam cabeças, faziam a gente crescer. Certamente mereceria ter acesso a esses pequenos paraísos. Vinha sendo bom através da vida. Da pouca vida que já tivera, pouco mais de uma vintena de anos... A professora de história do ginásio era a única pessoa da cidade que já tinha ido à Europa. Isso era tanto para a sua infância que mal conseguia conceber. Será que um dia iria também? E para quais países? A Grécia sim, definitivamente. O berço da civilização. Paris de noites iluminadas... E a estranha sensação de já conhecer a Cidade Luz sem nunca ter estado nela? Depois de fechar cuidadosamente a porta do JK, saí numa madrugada clara, de muitas estrelas e lua, ainda um pouco descompassado. Sobrou uma linha para cheirar na noite seguinte (aquele desejo de ver o líquido se espalhando, as bolhas nos pelos, molhando o tapete) e um certo aperto no coração...
Maio de 1987/ Dezembro de 2020.
sábado, 19 de dezembro de 2020
BODAS DE AÇO
Hoje meu blog completa onze anos de existência. São as nossas bodas de aço. Quero muito que o tempo passe depressa e cheguem logo as bodas de pedras preciosas. Aço é uma coisa tão dura e fria que não me inspira praticamente nada. Mas esse também foi (está sendo) um ano duro e um bocado frio. Vai ver que esse metal representando os onze anos do blog não é mera coincidência... Todo ano eu conto aqui que desde o início decidi relacionar os anos de vida do blog com as bodas de casamento, posto que o que tenho com ele não deixa de ser uma relação. Confesso que nesse ano de 2020 nosso casamento passou por uma espécie de crise. Estive bem menos presente do que de costume, me expressei com menor frequência e quase cheguei ao ponto de abandoná-lo. Mas a minha persistência foi maior - taurino - e consegui atravessar a má fase com galhardia, sem que me faltasse vocabulário... Aço frio de um punhal foi teu adeus para mim, entoava Orlando Silva, o cantor das multidões. Não crendo na verdade implorei, pedi... O aço dos meus olhos e o fel das minhas palavras acalmaram meu silêncio, mas deixaram suas marcas, devolve Fagner contemporaneamente. E eu sigo tergiversando, diletante escriba das coisas boas que vivo, vejo, sinto, percebo. Há de haver algum sentido nisso tudo ou, ainda que não haja, fica o testemunho registrado na nuvem de uma época sujeita a chuvas e trovoadas. Agradeço a todos que me seguem, me leem, me comentam. Sem vocês eu estaria pregando ao vento em um mundo deserto de almas negras. Que bom que eu os tenho comigo, ainda que virtualmente... E a vida segue em frente e nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo, aço, aço, aço, aço, para terminar citando Milton. Longa vida ao meu blog! Et bonne année à tous!
Na foto, Tarcísio Meira na novela Cavalo de Aço.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2020
BARES
Eu devia ter quinze para dezesseis anos quando descobri os bares como alternativas para a vida real. Eram lugares mágicos, como se fossem festas permanentes, para as quais eu nem precisava de convite: Era só chegar e curtir o momento. Verdadeiras janelas, portais que se abriam no cotidiano e me transportavam para o mundo da minha imaginação. Eu já consumia muita literatura, então o meu imaginário estava repleto de drinks, escritores, intelectuais e suas discussões filosóficas em mesas de cafés e restaurantes. Um dos primeiros desses lugares encantados que me lembro de ter frequentado foi o Café Paris, em Porto Alegre. Ficava no último andar de um shopping center. Na verdade, um centro comercial, como eram chamados à época. Não sei se era tão grande como eu o tenho na minha memória. Mas lembro do encantamento que sentia toda vez que entrava lá e era conduzido a uma mesa, geralmente na companhia de meus amigos Marcel e Elenara. Marcel é aquele meu amigo de infância já falecido, muitas vezes mencionado aqui no blog. E Elenara era minha colega no Colégio Mauá, a única menina gay assumida em toda a escola. Ficávamos horas lá bebendo muitas garrafas de cerveja e beliscando bolinhos de queijo. Isso foi no final dos anos setenta... No início dos oitenta, me lembro com carinho e saudades do Pimgou, em Soledade (Assim mesmo, com M antes do G). Eu já morava em Porto Alegre, mas passava as férias e todos os feriados por lá. O Pimgou era uma mistura de salão de beleza durante o dia e bar no turno da noite. O proprietário era o Luiz Ângelo, o mais famoso cabeleireiro da cidade. O nome do estabelecimento, se não me engano, era uma junção da primeira sílaba dos sobrenomes do Luiz e do sócio e namorado André. Lembro de passar as noites bebendo vinho com meus amigos Paulo, Carminha, Celeste e, claro, Marcel. Curioso é que o bar ficava em frente ao hospital da cidade, então a gente não podia se empolgar demais nos decibéis vocais... Ah! Acabei de lembrar que antes do Pimgou eu cheguei a frequentar o bar do Villablanca Hotel em Soledade. Ainda bem pirralho, eu pedia uma beberagem chamada Coquetel ao Por do Sol, cuja receita eu nem posso imaginar o que continha... Em 1987 eu vim para São Paulo com um espetáculo de teatro chamado Império da Cobiça. Ficamos em temporada aqui na Pauliceia por três meses e foi quando eu conheci e me tomei de amores pelo Ritz... Quando morava em Paris ia todas as noites ao Duplex, que já mereceu post aqui no blog. Aliás, quando conheci Caio Fernando Abreu em Paris, levei-o ao Duplex para apresentar meu bar preferido e ele adorou. Hoje, meus favoritos na Cidade Luz são o Fumoir e o Petit Fer à Cheval. E o que dizer do bar do Instituto dos Arquitetos do Brasil, em Porto Alegre, o famoso Espaço IAB? Muitas noites de bebedeira com meus amigos Eduardo Serrano, Marcelo Pezzi, Marione Reckziegel, Claudia Rudiger e tantos outros... Sem falar no eterno Ocidente, onde tudo acontecia e desconfio que até hoje ainda acontece na capital gaúcha... Também gosto muito de bares de hotéis. Quando em turnês com espetáculos, eu sempre dava uma paradinha no bar do hotel antes de subir para o quarto. O do Plaza San Raphael, em Porto Alegre, ficava aberto a noite inteira! Um luxo... Aqui em Sampa, além do Ritz, gosto muito de ir ao Frank, no lobby do Maksoud Plaza. Já frequentei muito o Igrejinha, quando era do meu amigo Ricardo Kanazawa. E, mais recentemente, o Regô, dos queridos Luiz Macella e Marcelo Murakami.... Que bom que existem esses oásis. Não apenas pela bebida em si, mas pelo tanto de pessoas interessantes que neles conhecemos. Incluindo, évidemment, os bartenders, com quem sempre aprendo muito... Claro, tem gente chata também. Mas assim é a vida, né? Infelizmente não existe apenas gente legal. Também não deixa de ser por isso que eu bebo! Rsrsrs. Acho que vou ficar velhinho sem deixar de me sentar ao balcão do Ritz para beber o meu Manhattan... Santé!
Na foto, o balcão do Le Petit Fer à Cheval, um dos meus preferidos em Paris.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2020
OUTROS DEZEMBROS
A chegada do mês de dezembro me encheu de lembranças de dezembros passados. É que esse está sendo o dezembro de um ano muito atípico e nada parecido com os meus cinquenta e sete dezembros anteriores. Sempre adorei esse mês, e esperava por ele praticamente o ano inteiro. Para mim ele sempre teve bons significados: A chegada das férias, do verão, do Natal, do fim do ano. Os discos dos meus artistas preferidos saíam em dezembro. Parentes e amigos de outras cidades se reencontravam. Casa cheia. Os dias mais longos, a noite que custava mais a cair. Os entardeceres. Muitas festas de confraternização, de amigos, da firma, muitas formaturas, presentes, brindes... Meu pai sempre mandava pintar a casa no mês de dezembro, para o Natal. Até hoje relaciono cheiro de tinta com o Natal... Esse ano está sendo tristemente diferente. A ideia de se reunir, festejar, comemorar o que quer que seja soa esdrúxula. E, no mínimo, inconsequente... Lembro de dezembro de 1990, quando morava em Paris: Meu primeiro dezembro frio. Meu primeiro Natal fora de casa, longe da família. Dezembro de 1981, já morando em Porto Alegre e de férias em Soledade. Organizando com minha amiga Rosaura nossa festa de révéillon Eles Quase Usam Black-Tie, quando percorria a cidade com ela na garupa da minha bicicleta Solange... Dezembro do ano 2000, quando passei o Ano Novo em Miami chez minha irmã Rita: Decoramos a parte externa da casa, enchemos a piscina de balões e incacreditavelmente fez frio e a festa teve de ser do lado de dentro. Dezembro de 1973, quando ganhei de Natal minha bicicleta Monareta e na noite de Natal mesmo um amigo bateu atrás e quebrou a luzinha trazeira que nunca repus... Mais recentemente, dezembro de 2018, quando Weidy e eu fomos passar o Natal em Ilhabela e assistimos ao show de Zizi Possi na pracinha do centro. Dezembro de 2008, quando passei o Ano Novo em Munique: Weidy estava em cartaz lá com um dinner show que ele coreografara - e no qual dançava também - cuja grande atração musical era nosso amigo, o cantor Edson Cordeiro. Esse sim, meu mais frio dezembro, com direito a fontes e lagos congelados... Nunca pensei que fosse me tornar um velho saudosista assim tão cedo, mas essa situação de confinamento sem fim está fazendo isso comigo. De modo que estou louco para que esse dezembro termine logo e venha o próximo, o de 2021. Quem sabe festejaremos com fogos? E eu volte a ter dezembros aguardados o ano inteiro...
Na foto eu, Narciso de piscina, em dezembro de 2019.
sábado, 5 de dezembro de 2020
DEZEMBRO PANDÊMICO
Minha gatinha Lina elegeu o armário do quarto como seu novo point. Dorme horas por dia lá dentro, entre camisas, calças, meias e camisetas. Ignora solenemente os meus apelos: Filha, não tem nada a ver o que você está fazendo. O momento é de sair do armário. Você precisa fazer o seu outting! Alheia à minha militância, segue entocada em sono profundo. Sabe que até a invejo? Bem que eu queria ter um local assim para mim, meio útero materno para me refugiar... A memória, essa, não para. Não sei com que mecanismos de busca, quando vejo ela já foi lá atrás, no passado distante, e me trouxe coisas das quais eu nem me lembrava. Uma saída para cavalgar no campo com meu pai, cumprindo a lida campeira diária em plenas férias de verão. Preciso dizer que era um custo para ele me convencer a acompanhá-lo. Quando conseguia, lá íamos nós, um silêncio perturbador tomando conta do carro até chegarmos à fazenda. Montávamos nossos cavalos, o meu era sempre um bem mansinho, que o menino era da cidade, gostava de teatro, essas coisas. Andávamos campo afora quando chegamos a um pequeno cemitério familiar, bem comum nos pampas gaúchos. Achei graça em não sei que detalhe de um túmulo e subi na grade para ver mais de perto quando bati com a cabeça numa casa de marimbondos e um deles me picou no meio da testa. Não lembro de mais nuances desse episódio, mas a dor, ah! Essa eu lembro até hoje... Meu saudoso amigo Marcelo Pezzi e eu andando de carro pelas ruas de Soledade com Nina Simone no toca-fitas cantando My Baby Just Cares For Me... Eu, tendo experiências com drogas alucinógenas e morrendo de medo de voltar para casa e ser descoberto pelos meus pais ou irmãs. Horas sentado no meio-fio da calçada esperando o barato cessar... A primeira vez que estive frente a frente com um artista famoso, na Feira da Criança, em Porto Alegre, com meu tio Nerinho. Fomos até lá para curtir a feira e pegar um autógrafo de Carlos Leite, o comediante que fazia o personagem Beleza num programa de humor... Meu quarto de menino em Soledade. A casa da minha vó. A casa do meu tio Dinarte em Cruz Alta, da qual lembro de detalhes como a luz da rua entrando pelo vitral por cima da porta quando íamos dormir, o pé direito altíssimo, os filmes que meu tio passava em super 8... Assisto com incontida euforia à reprise da novela Sassaricando, no canal Viva. Grandes atores, estrelas do teatro dando um show a cada capítulo. Um veaudeville filmado. Por que não temos mais isso hoje em dia? Não temos mais tantas coisas hoje em dia... Cadê a Lina? Dorme tranquila dentro do armário. Já lá se vai quase um ano dessa palhaçada... Bom dezembro a todos!
Na foto, Carlos Leite, o Beleza.
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