No final do ano de 1991 eu voltei para o Brasil, depois de um ano vivendo em Paris, e fui para o Rio de Janeiro trabalhar como assistente de direção de Luís Arthur Nunes. Foram dois espetáculos memoráveis: A Volta ao Lar, de Harold Pinter, e A Caravana da Ilusão, de Alcione Araujo. No final de 1992 eu já estava com uma vontade incontrolável de voltar a dirigir um espetáculo meu. E mais, uma vontade ainda maior de ser Almodóvar. Em Paris eu havia assistido a todos os filmes que o cineasta espanhol realizara até então. E voltei com uma necessidade urgente de experimentar em cena a estética Almodovariana... Foi quando me caiu às mãos o belo texto do meu mestre e amigo Ivo Bender, Sexta-feira das Paixões. Voltei correndo para Porto Alegre e pus a mão na massa. Ivo concordou de imediato com a minha versão abolerada e colorida do seu sombrio drama com pitadas de teatro do absurdo. Quatro mulheres vivem a noite de quinta para sexta-feira da paixão confinadas em uma casa que abriga moças desamparadas. O título, Mala Noche, sugerido pelo próprio Ivo Bender, foi tirado do bolero de mesmo nome que pontuava todas as mudanças de cena. Escalei para viver as quatro protagonistas Ida Celina, Ciça Reckziegel, Mirian Ribeiro e minha ídola Tania Carvalho. Tania chegou a fazer uma leitura, mas desistiu da empreitada por não achar-se capaz de decorar todo o papel. Chamei então Claudia Meneghetti e fechou-se o elenco. Toda a ambientação cênica, cenário e figurinos foram criados pelo genial Alziro Azevedo. A luz de Maurício Moura recortava detalhes e criava climas. A trilha, escolhida por mim, trazia canções românticas francesas e boleros de Eydie Gorme e Trio Los Panchos. (Que me foram apresentados por Tania Carvalho, uma especialista no estilo). As paixões do título foram todas exacerbadas, beirando o melodrama, revelando o humor no insólito das situações. As personagens, Maria Amparo, Amanda, Urânia e Tereza, todas à beira de um ataque de nervos. Vale destacar que a Amparo de Ida Celina foi um dos maiores presentes que o teatro me deu até hoje. Ida captou o tom da minha abordagem cênica desde a primeira leitura do texto. E deitou e rolou em cada ensaio e a cada apresentação... Meu professor Luiz Paulo Vasconcellos, que havia dirigido a montagem original, era, à época, crítico de teatro no jornal local Zero Hora. Luiz Paulo acabou com a minha montagem em uma crítica cujo título, bem no estilo bicha má, era "Drama de Ivo Bender Cai do Salto Alto". Nem ligay... Rsrsrs. Apesar de só termos feito uma temporada no Teatro Bruno Kiefer, de termos tido pouco público, de ter me deixado dívidas para pagar, Mala Noche me deu muitas alegrias e realizações. Tenho certeza que, de onde estão agora, Ivo, Alziro e Claudinha concordam comigo. Foi o último trabalho de Alziro Azevedo. Nunca vou esquecer a delícia que foi trabalhar com Claudia Meneghetti, suas tiradas antológicas, sua incrível facilidade para entrar e sair das mais diversas emoções. E o Ivo Bender, bem, o Ivo era o Ivo! Ya no estás más a mi lado, corazón, y en el alma sólo tengo soledad... Lá se vão vinte e seis anos.
Nas fotos, emoções à flor da pele pintadas a mão pela fotógrafa Irene Santos, eu querendo ser Almodóvar com o elenco no cenário da peça em foto de Zeca Felippi e na sala de ensaio com Ivo Bender fotografados por Ciça Reckziegel.
segunda-feira, 13 de maio de 2019
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