quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

PALAVRAS

Estou agora em um dos lugares onde mais gosto de estar: Na estrada. Mais especificamente, na estrada que vai do Rio de Janeiro para São Paulo. Nos fones de ouvido, a voz de Benjamim Clementine emoldura as montanhas, rios, pontes, árvores, curvas e retas que desfilam pela janela do ônibus. Como uma espécie de vestimenta musical, a trilha sonora que parece ter sido especialmente composta para o momento. Plúmbeas nuvens carregadas de chuva contrastam com o verde da vegetação. Minha memória busca por uma bela palavra que eu queria usar aqui, além das plúmbeas nuvens, e na busca percebo que não são exatamente as palavras que dizem as coisas, mas as coisas em si que se tem para serem ditas. Voilà: Touché! O que eu tenho a dizer nessse momento, além de formar belas frases construídas com palavras impressionantes? Qual é o conteúdo do momento? Enquanto me questiono, uma sucessão de imagens vazias toma de assalto o bucolismo da janela. Primeiro um rebanho de vacas fake, realisticamente recortadas em madeira e pintadas de branco e preto pastando solenes no gramado em frente à fábrica da Yakult. Por um instante, convence qual trompe l'œil. Na sequência uma enorme réplica da Estátua da Liberdade recebe os clientes em frente à filial de uma grande rede popular de magazines. Dizem que o povo mais humilde lá de Santa Catarina, onde há várias filiais dessa rede, crê se tratar de uma santa e a chamam de Nossa Senhora da Tocha. Não sei se é verdade ou boato, mas faz um certo sentido. No âmbito das imagens desconhecidas é sempre bom atribuir-lhes algum significado. Então é isso: Às vezes não há nada a ser dito além de palavras e uma imagem pode dizer mais do que milhões delas. E agora chove tanto que nem vejo mais quase nada. Nem imagens, nem palavras. As plúmbeas nuvens resolveram botar pra quebrar. Que Nossa Senhora da Tocha nos proteja! Amém... Ao contrário das imagens vazias descritas acima, a chuva vem carregada de verdade, intensidade e vida. A força da natureza se manifesta em estilhaços nas janelas do ônibus: Tudo movimenta e a tudo lava. Algumas coisas espanca, outras leva consigo. E como tudo no mundo é frágil, tudo passa, mais alguns quilômetros rodados em direção à Pauliceia e ela própria, a chuva, já se foi. As nuvens, agora claras, entreabertas deixam vislumbrar nesgas de céu azul plenas de esperança. E gradualmente tudo caminha para um belo e inesquecível entardecer. A terra cora. E a gente chora porque finda a tarde. E porque Benjamim canta. E porque há palavras para descrever o momento...
Na foto, Benjamim canta.

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