Para João Faria
Há muitos anos trabalhando como garçom em diversos restaurantes da cidade, já estava acostumado a passar os feriados e dias santos na labuta. Para ele a noite de ano novo, por exemplo, era igual às outras trezentas e sessenta e quatro noites do ano, nas quais ele servia bem para servir sempre. Portanto, perdera o hábito de fazer ou ir a ceias, receber ou ser recebido para brindes e confraternizações. O máximo que acontecia era brindar rapidamente com os colegas na cozinha do restaurante ou ganhar o abraço de um ou outro cliente já passado em drinks. Mas dessa vez seria diferente. Sem saber ao certo se por obra do destino - não acreditava nisso - ou por mero acaso - no que tampouco acreditava - foi remanejado na escala de trabalho de modo a ter duas folgas seguidas, na noite de ano novo e na seguinte também . Seus amigos quase não acreditaram e o fizeram confirmar logo a presença na festa que iriam dar. Naquele último dia do ano acordou tarde, fumou os primeiros cigarros do dia tomando café junto à janela e só mais tarde foi às compras, pois queria levar alguma bebida e comida para a festa da noite. Às oito horas ele já estava de banho tomado, vestido, penteado e tomava um drinque para dar ânimo de sair no frio que gelava as ruas. Às oito e meia percebeu, ao olhar pela janela, que na rua quase vazia nem mesmo a prostituta que fazia ponto à sua porta estava lá. Devia estar com as amigas ou com algum cliente solitário, pensou. Às dez meia encheu-se de coragem, vestiu o sobretudo e saiu. Após descer os seis andares de escada, abriu a porta e quase tropeçou no corpo que jazia deitado em frente ao prédio. Refeito do susto, tentou acordar o homem para poder passar. E teve a triste constatação: Era um defunto. Fresco, porém defunto. A única coisa que lhe ocorreu, ao olhar para o relógio e perceber o adiantado da hora, foi ligar para a polícia. Que veio numa rapidez inacreditável. Felizmente. Não iria perder a festa. Já estava agradecendo e desejando feliz ano novo aos policiais que recolheram o cadáver quando teve a desagradável surpresa: O senhor terá de nos acompanhar até a delegacia para prestar esclarecimentos. Como assim, esclarecimentos? O que sei é que encontrei esse corpo aqui e chamei a polícia! Mas o senhor é o único suspeito. Espere aí: Os senhores acham que eu iria matar esse homem na porta da minha casa e ainda por cima chamar a polícia? Eu tenho amigos me esperando para uma ceia de ano novo, por favor, deixe-me ir, preciso andar. Inúteis argumentos. Foi na delegacia que virou a noite de révéillon prestando esclarecimentos. Quando saiu, horas depois, o que lhe restou foi abrir o champanhe e beber rua afora. No gargalo mesmo. Enquanto desviava dos bêbados que, a essa altura, já caiam pelas calçadas. Inesquecível...
quarta-feira, 10 de junho de 2015
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