terça-feira, 30 de junho de 2015

WHAT HAPPENED, MISS SIMONE?

Acabei de assistir ao tocante documentário What Happened, Miss Simone?, do Netflix. Desnecessário dizer que fui às lágrimas? Não, totalmente necessário. Como necessário também é que se assista a esse filme tão revelador da artista quanto da mulher e do ser humano por trás da obra. Por trás, não. Por todos os lados. A Nina que luta pelos direitos civis e contra a segregação racial é indissociável da Nina Simone que sobe ao palco, toca piano, canta e grava discos. Quando, em 1991, assisti ao concerto dela em Paris e a vi ser ovacionada em pé pela plateia do Olympia lotado, que a fez retornar para infindáveis bis, nem de longe suspeitava dos perrengues que a estrela do jazz já estava vivendo. E é isso que me faz chorar. Estrelas dessa grandeza não mereciam passar nem metade, sequer um terço do que passaram em vida para, depois da morte, brindar a eternidade com suas obras imortais. E mais triste ainda é constatar que, malgré todos os seus esforços, e de tantos outros, muitas formas de preconceito e segregação ainda permanecem. Será que um dia o amor vai de fato vencer? Felizmente, tudo o que Nina Simone fez, gravou, tocou e cantou permenece e sempre será um deleite ouvi-la. Eu, pelo menos, não me canso de escutar. Viva Nina Simone!

sexta-feira, 19 de junho de 2015

GOODBYE, MR. PRESIDENT

Eu sempre fico triste quando um teatro fecha. Mas, pelo menos, passo em frente ao prédio e nutro a secreta esperança de que um dia ele reabra. Quero dizer, que reabra como tal. Não como igreja, evidentemente. Agora, quando fico sabendo que um teatro será demolido, aí é fossa braba. Fico para morrer. Essa semana recebi um e-mail de meu amigo Eduardo Serrano com a matéria da Zero Hora em anexo, relatando a demolição iminente do Cine Teatro Presidente, em Porto Alegre. Depois vieram os compartilhamentos nas redes sociais e a coisa me pegou valendo. Já falei aqui no blog da minha relação com o extinto Teatro Leopoldina, também de Porto Alegre, e da importância que ele teve na minha formação. Na ocasião eu dizia que o Leopoldina era a minha fábrica de sonhos. Pois minha fábrica de sonhos tinha uma filial: O Teatro Presidente. Lá tive a oportunidade de assistir a espetáculos inesquecíveis e definitivos como Patética, com Lilian Lemertz, É, com Fernanda Montenegro e Quarta-feira Sem Falta Lá Em Casa, com Eva Todor e Henriette Morineau. Tudo graças à iniciativa do meu maravilhoso professor de literatura do Colégio Mauá, cujo nome a memória insiste em me trair. Sim, porque se não fosse por nosso mestre, que levava a classe inteira ao teatro para assistir e depois debater com os artistas, eu jamais poderia entrar com meus tenros quinze aninhos em plena era da censura. E a semana seguiu trazendo lembranças. Como a da primeira vez que fui ao Presidente e quase matei Rosamaria Murtinho de susto ao sair detrás de um carro onde fiquei fazendo plantão, enquanto disparava um flash e gritava: Uma pose, Rosamaria! Nos anos oitenta o espetáculo Porcos com Asas, do Rio de Janeiro, fez longa temporada no Presidente e marcou época. E, já nos anos noventa, quando o estrondoso sucesso local Viva a Gorda lotava as dependências do teatro, me apresentei com o grupo de acrobatas da Valquíria Grehs, num mico divertidíssimo e também inesquecível. Entendo que as cidades crescem, que o velho tem de dar lugar ao novo e blá-blá-blá. Mas a preservação da memória, pelo menos arquitetônica, é muito importante para a construção de uma identidade cultural. Mas cultura serve para que mesmo? O lado bom, se é que se pode chamar assim, é que ao menos a fachada do prédio, com o painel de pastilhas, será mantida. O que é, no mínimo, revelador: Somos uma cultura de fachada mesmo... Falando nisso, alguém sabe me dizer quem é o autor daquele painel? Agradecido.
Nas fotos, a fachada do Presidente por Mateus Bruxel, da Zero Hora, e o susto de Rosamaria, por mim mesmo.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

À L'AFFICHE

O filme Que Horas Ela Volta, de Anna Muylaert, do qual tive a honra de participar, teve pré-estreia essa semana em Paris e entra em cartaz no circuito francês a partir do dia 24/06. O filme também foi exibido no Festival do Cinema Brasileiro de Paris, no mês de abril. Queria tanto estar ainda lá para assistir! Foi por pouco, coisa de um mês, que perdi. Aqui no Brasil, só vai estrear em agosto. Meus amigos de Paris já me viram antes mesmo de eu me ver. Minha participação é pequena, mas tenho o maior orgulho de estar nele. E, cá entre nós, não é um luxo estar em cartaz em Paris? Pelo que soube, os franceses ovacionaram não apenas o filme, mas também a brilhante interpretação de Regina Casé como a empregada Val. Nos dois dias em que participei das filmagens, fiquei bastante impressionado com o que vi. Regina se transmuta na personagem. Estou aguardando com incontida ansiedade para conferir Que Horas Ela Volta no grand écran por aqui. Lá na França o filme ganhou o apropriado título de Une Seconde Mère. É aguardar para ver...
Nas fotos, o cartaz francês e selfie com Val no set de filmagem.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

BONNE ANNÉE

Para João Faria
Há muitos anos trabalhando como garçom em diversos restaurantes da cidade, já estava acostumado a passar os feriados e dias santos na labuta. Para ele a noite de ano novo, por exemplo, era igual às outras trezentas e sessenta e quatro noites do ano, nas quais ele servia bem para servir sempre. Portanto, perdera o hábito de fazer ou ir a ceias, receber ou ser recebido para brindes e confraternizações. O máximo que acontecia era brindar rapidamente com os colegas na cozinha do restaurante ou ganhar o abraço de um ou outro cliente já passado em drinks. Mas dessa vez seria diferente. Sem saber ao certo se por obra do destino - não acreditava nisso - ou por mero acaso - no que tampouco acreditava - foi remanejado na escala de trabalho de modo a ter duas folgas seguidas, na noite de ano novo e na seguinte também . Seus amigos quase não acreditaram e o fizeram confirmar logo a presença na festa que iriam dar. Naquele último dia do ano acordou tarde, fumou os primeiros cigarros do dia tomando café junto à janela e só mais tarde foi às compras, pois queria levar alguma bebida e comida para a festa da noite. Às oito horas ele já estava de banho tomado, vestido, penteado e tomava um drinque para dar ânimo de sair no frio que gelava as ruas. Às oito e meia percebeu, ao olhar pela janela, que na rua quase vazia nem mesmo a prostituta que fazia ponto à sua porta estava lá. Devia estar com as amigas ou com algum cliente solitário, pensou. Às dez meia encheu-se de coragem, vestiu o sobretudo e saiu. Após descer os seis andares de escada, abriu a porta e quase tropeçou no corpo que jazia deitado em frente ao prédio. Refeito do susto, tentou acordar o homem para poder passar. E teve a triste constatação: Era um defunto. Fresco, porém defunto. A única coisa que lhe ocorreu, ao olhar para o relógio e perceber o adiantado da hora, foi ligar para a polícia. Que veio numa rapidez inacreditável. Felizmente. Não iria perder a festa. Já estava agradecendo e desejando feliz ano novo aos policiais que recolheram o cadáver quando teve a desagradável surpresa: O senhor terá de nos acompanhar até a delegacia para prestar esclarecimentos. Como assim, esclarecimentos? O que sei é que encontrei esse corpo aqui e chamei a polícia! Mas o senhor é o único suspeito. Espere aí: Os senhores acham que eu iria matar esse homem na porta da minha casa e ainda por cima chamar a polícia? Eu tenho amigos me esperando para uma ceia de ano novo, por favor, deixe-me ir, preciso andar. Inúteis argumentos. Foi na delegacia que virou a noite de révéillon prestando esclarecimentos. Quando saiu, horas depois, o que lhe restou foi abrir o champanhe e beber rua afora. No gargalo mesmo. Enquanto desviava dos bêbados que, a essa altura, já caiam pelas calçadas. Inesquecível...

segunda-feira, 8 de junho de 2015

SANGUE AZUL

O filme Sangue Azul, de Lirio Ferreira, é pura poesia e emoção. E diversão, também. Fernando de Noronha, magistralmente fotografada, esbanja beleza a cores e em preto e branco. Daniel de Oliveira esbanja beleza e talento. E o universo do circo, sempre encantador, embala a história junto com a comovente trilha sonora. Milhem Cortaz arrasa como Inox, o homem mais forte do mundo. E Paulo Cezar Pereio não deixa por menos como Kaleb, o dono do circo. O tema central, a relação incestuosa de Zolah, o homem bala, personagem de Daniel de Oliveira, com sua irmã Raquel, que poderia fazer pesar a narrativa, é inteligentemente abordado pelo diretor e roteirista que torna o filme leve e delicioso de se acompanhar. Há um certo mistério envolvendo a trama, o que confere toques de surrealismo e até de um certo realismo fantástico. Tem sexo, ritmo, música, dança e números circenses. Incesto, ménage à trois e sexo gay. A melhor pedida para uma sessão de cinema. A delícia da temporada. Para se jogar sem rede...
Na foto, Daniel de Oliveira como Zolah, o homem bala, no cartaz do filme.