domingo, 4 de janeiro de 2015

MEMÓRIAS INSANAS

Durante a minha permanência na Terça Insana mantive uma espécie de diário no qual anotava tudo o que ia vivendo naqueles anos incríveis, cheios de descobertas, conhecimento, aprendizado, aventuras e experiências. Certos assuntos eu desenvolvia, outros permaneciam como registros mesmo, apenas fatos relatados. Talvez, um dia, isso tudo se transforme em um livro. Por hora, com o fim anunciado do espetáculo, do qual participei, e também como uma iniciativa de Ano Novo, resolvi publicar tudo - ou quase tudo - aqui no blog. Como trata-se de material extenso, afinal talvez venha a ser um livro, decidi publicar em pílulas, ou, melhor dizendo, em capítulos. Como em um bom e velho folhetim. Espero que apreciem.
Capítulo 1 - UM TELEFONEMA SACODE A TARDE
Um belo dia, estou em casa, toca o telefone e era Grace Gianoukas me convidando para participar de um show que inauguraria um pequeno café-teatro no centro da cidade chamado Next Cabaré. Estávamos no ano de 2001. Depois de cinco anos residindo em São Paulo, eu já havia participado de cinco espetáculos do grupo XPTO, dirigido shows dos cantores Edson Cordeiro e Laura Finochiaro e tinha também dirigido uma versão clownesca do Rei Lear chamada As Filhas de Lear, com o grupo Le Plat du Jour. Estava numa daquelas fases de transição entre o último trabalho e um talvez próximo – coisa que comumente acontece com quem trabalha em teatro. Grace, que me vira fazendo um apresentador de cabaré francês em um dos espetáculos do XPTO, me convidava para ser o mestre de cerimônias do seu show que, nessa primeira noite de apresentação, pelo que me lembro, nem tinha nome. Na minha agenda daquele ano, 2001, está escrito no dia 18 de outubro: Cabaret Next. Naquela noite Grace, Marcelo Mansfield, Octavio Mendes e eu estreamos a Terça Insana, show de humor que se manteve por treze anos nos palcos de São Paulo e do Brasil. Grace e Marcelo já vinham de uma experiência de mais de vinte anos como performers, se apresentando em bares e casas noturnas, onde desenvolveram um estilo de interpretação ou, porque não dizer, um formato cênico muito semelhante ao stand-up comedy dos americanos, porém, na versão brasileira, utilizando-se de personagens, e não apenas da persona, como fazem os gringos. Eu, que até então só havia feito o teatro propriamente dito, aquele em que os espectadores se sentam em poltronas, de frente para o palco, e os atores atuam sem relação direta com a plateia, aceitei o convite morrendo de medo. Nessas horas sempre lembro da minha mestra Maria Helena Lopes, que uma vez, na faculdade de teatro, me disse: Você tem medo, mas faz. Meu texto foi escrito pela Grace. Eram três entradas, como mestre de cerimônias, saudando as pessoas, situando-as no contexto da noite e chamando as atrações. Claro que com muito humor. Fiquei muito feliz com o que fiz naquela noite. Mas, no fundo, já estava plantada a semente: Queria fazer personagens. Não apenas chamar as atrações, mas, também, ser uma delas. Para minha satisfação, esse acabou sendo o caminho natural que as coisas tomaram. Sem pressa, sem atropelos e tudo no seu tempo. Como tudo na minha vida tem que ser. Um mês depois fomos convidados pela Grace para repetir o show e, dessa vez, ficou combinado que o faríamos semanalmente. Como seria às terças-feiras, e éramos todos um pouco loucos, Grace resolveu batiza-lo de Terça Insana. Em seguida veio a ideia dos temas, para que pudéssemos direcionar a nossa criação e para que os shows se renovassem a cada semana. A princípio bem prosaicos como “Dia dos Namorados” ou “Primavera”, os temas foram se tornando complexos como “Filosófica”, e esdrúxulos como “Ótica” (no sentido de ponto de vista) ou “Fauna e Flora”. Durante os shows do ano de 2001 e os primeiros de 2002 meus textos continuaram sendo escritos pela Grace. Até que no show Terça Insana Esotérica, resolvi fazer o apresentador caracterizado como Sheeva, uma divindade indiana, pois tinha usado essa fantasia numa festa temática de fim de ano, e pedi a Grace para eu mesmo escrever o texto. Aproveitando idéias de um texto que Grace escrevera para mim, reescrevi e adaptei para a personagem. Com sotaque espanhol, fiz uma Sheeva paraguaia, falsa, que falava portunhol e contava as agruras de uma divindade esquecida em meio à profusão de religiões evangélicas que despontavam. Tenho especial carinho por essa primeira fase da Terça Insana no Next. Uma fase de experimentações, descobertas, expectativas superadas. Tenho orgulho de ter levado amigos meus, publicitários na sua maioria, como Cau Saccol, Ronald Assumpção e Mari Salvani, que adoraram a idéia e tiveram papel importantíssimo, como formadores de opinião, para o crescimento do nosso público. Muitos se tornaram nossos colaboradores, como Carlos Bertuol, meu querido amigo artista gráfico que criou, “na faixa”, o logotipo da Terça Insana, com o número três no lugar da letra E: T3RÇA ISANA. E, claro, Cau Saccol, que se tornaria meu colaborador residente em textos de abertura e, mais tarde, em textos dos meus personagens. Em pouco tempo o Next começou a ficar pequeno para o público da Terça Insana. A princípio formado basicamente por atores e por nossos amigos, o público foi crescendo na base do boca a boca. O boca a boca cresceu e chegou na imprensa mais descolada. Quando começaram a pipocar matérias na Vogue e na Veja São Paulo, os cento e cinqüenta lugares do Next tornaram-se insuficientes para dar conta da fila que se formava na porta. Num primeiro momento, nossa alternativa foi repetir o show às sextas-feiras. Até que, num segundo momento, a solução foi deixar o pequenino cabaré que nos lançou e partir para uma casa maior...

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