BETINA BOTOX: O PRIMEIRO PERSONAGEM A GENTE NUNCA ESQUECE
Muita coisa boa aconteceu no pequeno espaço do Next Cabaré. Um dia, quando ainda escrevia os meus textos, Grace chegou no ensaio dizendo que só havia escrito duas das minhas três entradas, mas que já tinha tido uma idéia para a terceira: Sua personagem Cinderela, a traficante internacional, teria vendido pó para uma bichinha freqüentadora da boate ao lado, a Danger, e a bichinha fugira sem pagar a droga. Eu faria a bichinha, que Cinderela iria catar no banheiro do Next e trazer para o palco a tapas para cobrar o produto na frente de todos. Assim nasceria Betina Botox. Apavorado com a idéia, liguei para Ilana Kaplan, à época ainda apenas uma simpatizante e freqüentadora assídua da Terça Insana, e pedi ajuda para compor a personagem. Ilana me sugeriu que fizesse a bichinha bastante enfrentativa, com as mãos na cintura e dando três motivos para tudo, o que mostraria nos dedinhos da mão. Por exemplo: Um que eu quero, dois que eu mereço e três que eu preciso. Mais tarde o três se tornou, em todas as ocasiões: Porque eu não sou obrigada. A primeira coisa que me ocorreu foi colocar uns óculos enormes que eu tinha usado em um espetáculo que fiz quando ainda morava em Porto Alegre (que funcionariam como uma máscara protetora) e umas presilhas no cabelo, à época usadas pelo apresentador de TV Max Fivelinhas. Com esses acessórios, a postura enfrentativa e a mania de dar três motivos para tudo, subi ao palco literalmente levando uma surra da Grace, que, em cena, não sabe fazer de conta que está batendo e me batia de verdade. Foi um sucesso desde o primeiro momento em que pisei no palco e, quando terminamos, Grace me disse, já no camarim, em bom gauchês: “Tu criou um personagem”!
Com o tempo resolvi chama-la Betina Botox e, aos poucos, ela foi se tornando uma espécie de defensora dos discriminados e excluídos. Sempre com a preocupação de reverter as expectativas em relação a um personagem dessa natureza, Betina vinha não para caçoar dos gays de maneira preconceituosa, mas, sim, para mostrar o quão ridículas são as pessoas que agem dessa maneira. O resultado é que em todas as plateias em que apresentei essa personagem, seja em São Paulo, no interior, ou em qualquer outra capital, até mesmo em Portugal, Betina sempre foi aceita e aplaudida por todos e jamais ouvi qualquer reação preconceituosa por parte do público. Pelo contrário, houve até mães que me procuraram dizendo que seus filhos pequenos adoravam Betina. Com o tempo ela se tornou meu principal personagem, o mais querido por todos, o mais conhecido e famoso. Videos pipocaram na internet, com fãs reproduzindo seu texto por todo o Brasil. Um conhecido de Porto Alegre, que trabalha na Polícia Federal, me contou que os videos da Betina eram exibidos em treinamentos que ensinavam os policiais a tratarem com cidadãos LGBT. E mesmo professores me contaram que ilustram suas aulas de português com cenas da personagem. Admito que Betina Botox ficou bem mais famosa do que eu... Até hoje tem gente que me vê na rua e exclama: Betina Botox, adoro! E eu, naquela noite longínqua do Next, já havia aberto um canal de criação para todos os outros personagens que viriam...
Na foto, Betina e Michelle, personagem de Marcelo Mansfield, na primeira edição do Troféu Terça Insana de Humor.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
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