domingo, 15 de julho de 2012



DOMINGO
Cidade fantasma. Céu cinza sobre ruas vazias. Asfalto sobre antigos paralelepípedos. Frio de rachar. Folhas secas são levadas pelo vento que uiva acrescentando melancolia ao vazio da cena. Antigas tardes de domingos frios voltam à lembrança. Quando o piano de Keith Jarrett enchia o quarto com vista para o Bom Fim. Ao longe, morros com antenas cercavam a cidade e a imaginação, jovem, sempre além das antenas dos morros... Sonhos eram projetados nas paredes do quarto. Muitos já realizados. Outros ainda por. Ninguém anda nas ruas. Nem um pássaro corta o ar. As crianças saíram de férias. Os adultos parecem ter ido para a praia. Ou para Campos do Jordão. Talvez a gente possa então se amar um pouco mais... Segundo pesquisas, mais de trinta mil brasileiros de classe C já compraram passagens para Londres. Para assistir aos jogos olímpicos. Eu fico. Da janela contemplo. Até que um dia, vou... Não como foi Ana C. Que pulou do sétimo andar. Vou pela porta e com os pés no chão. A cabeça, não sei. Não sou poeta, para voar. Antes da derradeira saída pela janela do sétimo andar, Ana C. teria tentado dar adeus à vida de outras formas. A que mais me impressionou: Depois de tomar uma caixa de tranquilizantes, entrou no mar e foi nadando em direção ao horizonte. Pode haver imagem mais triste e mais bela? Foi salva por um surfista, que a encontrou boiando. Os plátanos são para mim as árvores que mais embelezam o inverno com suas folhas secas caindo até formar tapetes no chão. No vazio das ruas os fantasmas interiores desfilam seu desassossego. Jogam-se pela janela. Voam além das antigas antenas. Nadam em direção ao horizonte. O piano de Keith Jarrett enche a sala, agora em CD. E escrever continua salvando vidas...
Na foto, a bela Ana Cristina Cezar.

Um comentário:

  1. "Olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo."
    Isso foi escrito pela Ana Cristina Cesar e estará para sempre gravado no seu livro Cenas de Abril.
    Belíssimo post.

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