quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

TANTO MAR

De repente janeiro se tornou o mês sem fim. Todos postam piadas sobre o tema. Que não acaba mais, que parece ter trinta e quatro dias, etc. Por mim, janeiro podia se estender ainda mais. Acho que trinta e um dias é muito pouco. Endless january. Ainda mais para quem, como eu, esperou até quase o final do mês para vir para a praia. Choveu muito durante quase o mês inteiro. Agora, nos últimos dias, finalmente me entrego ao dolce far niente à beira-mar... Estou de volta a Camburi, onde não vinha desde setembro do ano passado. Quatro longos meses longe deste que é um dos meus locais preferidos no mundo: O mar. Não propriamente o mar, mas a beira-mar. Quando digo que amo estar no mar eu quero dizer de frente para ele. Não dentro, se é que me entendem. Dentro eu tenho até um certo medo, o que me impede de fazer um cruzeiro marítimo, por exemplo. Mas amo contemplá-lo. E aqui, de frente para ele, me vem à mente as palavras de Clarice Lispector: "Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas"... Além do mar em si, a natureza aqui no litoral norte de São Paulo é bastante exuberante. São árvores, flores e plantas em profusão. Muito verde e muito azul, no céu e no mar. De dia sol, de noite estrelas e lua. Fico muito feliz quando estou nesse contato direto com a natureza, do qual abri mão para viver na Babylon City que é a Pauliceia. Felizmente há paraisos a poucos quilômetros de distância da capital. Um deles é Camburi, onde estou agora. Há também, um pouco mais ao norte, Ilhabela. E, bem mais ao sul, quase no Paraná, Cananeia, de que muito já falei aqui no blog. E assim os dias vão passando, devagar, de frente para o mar. Nos fones de ouvido Novos Baianos, Gal, Caetano e, atualmente, muito Chico Buarque: Sei que há léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar. Sei também quanto é preciso, pá, navegar, navegar... E o que dizer dos entardeceres? A cada dia um espetáculo inédito de cores e tons. Degradês. Arrebatadores. Estupefacientes. Fico bobo. Verdade! Fico pasmo à beira-mar. Bebo, claro. Todos os dias. O dia todo. E à noite também. Que eu não venho à praia para fazer dieta, isso já faço na cidade. Aqui me entrego à contemplação. Ainda citando Clarice: "Aqui está o homem, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ele e o mar". E, para seguir velejando na onda das citações, termino com Caymmi: "O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito... Nas fotos, amanhecer em Camburi, fim de tarde em Boiçucanga (que fica juste à côté) e pôr do sol no Mirante Baleia Bar.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

SÃO PAULO PASSO A PASSO

Hoje é o aniversário da cidade de São Paulo. Aproveito a efeméride para renovar o meu amor pela cidade, relembrando passo a passo o que fez com que eu me apaixonasse por ela... Em 1975, aos onze anos de idade, venho com meus avós paternos passar as férias de verão na casa de meu tio Djanir, que morava em Osasco. Impossível não lembrar em detalhes a taça de sorvete que tomei no Terraço Italia, acompanhado de minha tia e meus primos, extasiado pela visão da cidade do alto dos quarenta e seis andares do edifício; o trem que pegamos na Estação da Luz para ir até Campinas visitar uma outra tia; o passeio no Simba Safari, no qual a gente ficava dentro do carro, com os vidros fechados, e via as feras de pertinho... No ano de 1983 eu abandonara a faculdade de História e trabalhava no Banco Itaú, em Porto Alegre, enquanto me preparava para prestar o vestibular para artes cênicas. Em uma ocasião fui sorteado para vir a São Paulo trazer o malote do banco até a agência do Jabaquara. Tinha que passar o dia na capital esperando para levar de volta outro malote no fim do dia. Meu tio me esperou no aeroporto, deixamos o malote e peço a ele para me levar na esquina da Ipiranga com a São João, então imortalizada nos versos da canção Sampa, de Caetano Veloso... Em 1984, já cursando artes cênicas, a faculdade entra em greve e venho visitar meu amigo Egisto Dal Santo que, à época, estava morando em um apartamento na Praça da República. Decubro as etílicas e lisérgicas noites do Bixiga; me encanto com o espetáculo Macunaíma, de Antunes Filho, a que assisti no teatro do Sesc Anchieta... Já em 1987, venho com meu grupo de teatro, o Tear, de Maria Helena Lopes, estrear o espetáculo Império da Cobiça, creiam, no mesmo antológico Sesc Anchieta, onde três anos antes me encantara com a descoberta de Antunes Filho e seu deslumbrante teatro de imagens; conheço e me apaixono pelo Ritz, lugar que frequento desde então até hoje; descubro o bairro dos Jardins, onde jurei que um dia moraria e onde de fato moro até o presente... Em 1992, já de volta de Paris e morando no Rio, venho a Sampa visitar minha amiga Lucia Serpa. Encontro com Caio Fernando Abreu no restaurante Viena do Conjunto Nacional. Bebemos e conversamos longamente, depois Caio me trouxe até o seu apartamento da Haddock Lobo (aqui do lado de casa), em seguida fomos ao teatro e, após o teatro, finalizamos a noite no Ritz... De 1987 até 1996 - ano em que me mudei definitivamente para São Paulo - tudo o que fiz foi plantar sementes que me trariam para cá. Nesse meio tempo morei em Paris e no Rio de Janeiro, mas sempre de olho na dura poesia concreta das esquinas de Sampa. Até que minha amiga Lucia Serpa me consegue um trabalho no Grupo XPTO, sou recebido pela minha outra amiga Nora Prado, reencontro minha outra amiga Patricia Wood, com quem havia morado em Paris, vamos morar juntos num apartamento nos Jardins, e aí já começa uma outra história... Parabéns, São Paulo, pelos quatrocentos e setenta anos! E muito, mas muito obrigado mesmo, por me acolher. "Quem vem de outro sonho feliz de cidade" como eu (de Soledade, Porto Alegre, Paris e Rio de Janeiro), "aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso, do avesso, do avesso"... Nas fotos, a vista do apartamento do Egisto na Praça da República (1984), minha amiga Coca Serpa fotografada por mim na Liberdade em 1987 (ela é o pontinho amarelo à esquerda) e eu, todo faceiro, atravesso a Consolação já morando na Pauliceia em 1996.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

HONEY BABY

No alto da colina do Sumaré, no número 187 da rua Macapá, a casa de Guilherme de Almeida guarda um tesouro que encontra-se ao alcance de qualquer um de nós. Me refiro ao acervo pessoal do poeta modernista (e artista multimídia, antes disso existir) Guilherme de Almeida e de sua esposa Belkis de Almeida, a famosa Baby a que o título do post se refere. Baby era a musa inspiradora do poeta, retratada e esculpida por diversos artistas, a estrela que se destaca na visitação da casa. Sim, a casa é um museu, aberto à visitação. Comprada e mantida pelo governo do estado de São Paulo, essa residência cheia de encantos é receptiva a qualquer interessado em conhece-la. E o melhor: De graça. O acervo conta com obras de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, entre outros. Sem falar em uma infinidade de objetos pessoais, como livros, discos, fotografias e lembranças de viagens. A visita termina no topo, quando a gente sobe a famosa escada, imortalizada por Guilherme na crônica Escada de Minha Mansarda (Que ganhamos de presente impressa, como lembrança da visita). A escada, “íngreme, estreita, escura e curva” e a mansarda em si são, como bem definiu a guia da visitação, a cereja do bolo. Após subi-la adentramos no refúgio do poeta. Onde estão a sua mesa de trabalho, suas máquinas de escrever e, o que mais amei saber, as suas lembranças de Paris. Assim como eu, ele era um apaixonado pela Cidade Luz. Ali também está a belíssima cabeça de Baby, esculpida por William Zadig. A casa ainda tem Brecheret, Lasar Segall, Antonio Gomide e Sanson Flexor. Esse último, autor de um dos mais intrigantes retratos de Baby. Quando, nos anos quarenta do século passado, Guilherme resolveu construir a casa e se mudar para lá, seus amigos modernistas perguntavam por que ele resolvera ir morar naquele “fim de mundo”. A rua era de terra e com apenas três casas. A dele foi a quarta a ser construída. "Aí assentei minha casa porque o lugar era tão alto e tão sozinho, que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim"... O fim de mundo, diga-se, está a quinze minutos da Avenida Paulista. Que, vale ressaltar, é a belíssima vista que se tem da janela da mansarda. São Paulo segue me encantando, mesmo depois de quase trinta anos vivendo nela… Nas fotos, Baby retratada por Anita Malfatti e Lasar Segall e a cabeça dela esculpida por William Zadig.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

ANJOS & CORDEIROS

I believe in angels, diz a canção entoada com voz de anjo por Edson Cordeiro no palco do Sesc Ipiranga no fim de semana que passou. Eu também acredito em anjos. Comecei 2024 subindo ao palco já na primeira quinzena de janeiro! Quem me conhece ou me segue aqui no blog sabe que o palco é um dos três lugares onde mais gosto de estar na vida. Os outros dois são, sucessivamente, Paris e o mar. Pois foi justamente no palco do show Voz e Violão, do meu amigo de longa data Edson Cordeiro, que tive a honra de me apresentar recitando o poema da canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra, que faz parte do musical Calabar, por eles escrito ainda sob os anos de chumbo da ditadura militar brasileira. Sou muito grato ao Edson por me dar esse espaço, essa oportunidade de contracenarmos em momento tão sublime da carreira dele. Um artista internacional, que há tempos o Brasil já perdeu para o mundo. E que agora experimenta uma reaproximação com sua terra natal. Sou grato também por ele ter visto em mim a possibilidade de me expressar dramaticamente em cena. Depois de anos fazendo humor e comédia, não foi fácil para mim encontrar o tom certo e a carga dramática adequada ao texto do poema, que começa dizendo: "Sabe, no fundo eu sou um sentimental". Até aí tudo bem, eu também o sou. Mas depois o texto segue com uma ironia fina e cruel, o que testou minhas possibilidades de atuação e me tirou da famigerada zona de conforto: "Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo, além da sífilis, é claro"... Foram três apresentações, uma na casa de shows Blue Note, em outubro do ano passado, e mais duas neste fim de semana que passou, no Sesc Ipiranga. É pouco, eu sei. Mas para quem, como eu, já andava tendo crises de abstinência cênica, pensando em fundar o MTSP (movimento dos trabalhadores sem palco) e sair ocupando os palcos dos colegas, foi de enorme satisfação. Renovou minhas esperanças em relação ao ano que se inicia. Como diz a canção que começa o post, "I believe in angels, something good in everything I see. I have a dream, a fantasy". Desejo um 2024 pleno de palcos e de plateias lotadas. Não só para mim, mas para todos os meus colegas artistas. A generosidade do meu amigo me inspirou. E, para terminar citando o fado, "e se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa. Pois que senão, o coração perdoa"... Na foto de Rafaela Queiroz, eu em momento sublime na companhia do anjo Cordeiro.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

PRETÉRITO IMPERFEITO

Já falei aqui no blog de uma teoria que tenho: Quando o presente não está bom ou, pelo menos, minimamente satisfatório em relação às expectativas que tenho da vida, das pessoas e de mim mesmo, me volto para o passado. Não de maneira saudosista, mas como uma forma de entender como foi que cheguei até onde cheguei e o quanto já havia no meu "eu passado" da pessoa que me tornei hoje. Isso normalmente envolve remexer guardados. E essa busca invariavelmente me revela surpresas. Como o texto que transcrevo a seguir, escrito por mim em maio de 1984, quando tinha vinte e um anos de idade. Vou colocar entre aspas, para diferenciá-lo bem do meu estilo atual: "Na sala do pequeno apartamento, a um canto onde a estreita faixa de sol que aquecia o ambiente se limitava, acomodado sobre uma cadeira, lançava, sobre as folhas do caderno, com a caneta de pena, palavras, pequenos versos, estrofes novas, tentando estruturar, sob a forma de poesia, o que sentia em relação a si e às constantes ondas de paixão e arrebatamentos poéticos de que era tomado. Difícil encontrar as palavras adequadas, que não traiam os verdadeiros intuitos e que transmitam, a quem por ventura as ler, ou mesmo a quem as escreve, a descrição exata da realidade ou da fantasia do pensamento em questão. A visão interior das coisas, dos sentimentos que vez ou outra se nutre por determinada pessoa ou situação é rica e amparada por uma série de recursos que a imaginação possui e que cabe a cada um desvendá-los, uma vez que a restrita linguagem das palavras carrega em si o risco do mal-entendido, dos enganos, da não-transmissão das reais intenções... Ao fundo, vindo do quarto, o som do violino modulava o poema, que variava as intenções do conteúdo, da forma, conforme o tipo de sensação que a música causava ao poeta, ou melhor, à pessoa que procurava, através da arte das palavras escritas, dar sentido àquele instante daquela tarde daquele dia daquela sua vida... No quarto do apartamento, junto à janela que dava para a estreita rua contornada por jacarandás em flor que, plantados lado a lado junto ao meio fio das duas calçadas, a envolviam como em um túnel roxo e verde de flores e folhas, tocava seu violino enquanto observava, absorto, musicalmente contemplativo, as nuances, os degradês, as diversas variações de cores que a música lhe sugeria. Tentava, então, de cada nota extrair uma cor, de cada cor fazer brotar novas notas, dando um colorido especial à sua arte que, inventiva, livremente unia cores e sons, formando uma aquarela musical na qual havia, para cada emoção, um tom especial de cor e de som... As palavras que eram ocasionalmente pronunciadas na sala, em voz alta, sugeriam, no quarto, novas harmonias, melodias inusitadas, frases musicais que uniam o geométrico espaço do pequeno apartamento num só e grande momento artístico: O da sala escrevia ao som da música que o do quarto extraía das cores e das próprias palavras vindas dele, dos dois, seus pensamentos, suas artes... Quando, depois de uma dessas tardes, ou noites, ou manhãs, madrugadas, conversavam sobre suas músicas e poesias, era com incontida emoção e felicidade que constatavam a beleza de sua relação, sua convivência poético-musical que os aproximava sempre mais, desvendando, a cada dia, novas afinidades..." Mantive tudo como estava no original. Mesmo os excessos, redundâncias, as frases excessivamente longas e o uso exagerado da vírgula. Afinal, como diz o título do post, o passado é imperfeito... Na foto, a vista do meu quarto em Porto Alegre, desenhada por mim em maio de 1982, dois anos antes de escrever o texto aqui transcrito.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

CARTÃO POSTAL

Esse é o título de uma das minhas canções preferidas de Rita Lee, do álbum Fruto Proibido. É também a capa de um dos meus discos preferidos dos Novos Baianos. Mas quero falar do cartão postal em si, propriamente dito. Em conversa com meu amigo Odilon Henriques pelo whatsap (sobre o que guardamos e o que estamos em processo de desapego) chegamos à conclusão de que não abrimos mão das nossas coleções de cartões postais. A minha começou ainda em Porto Alegre, nos anos oitenta do século passado. E ganhou corpo, digamos assim, no começo dos anos noventa, quando fui morar em Paris. Lá chegando, todo um mundo de cartões postais se abriu para mim. Tinha um lugar - um, não, vários - chamado La Banque de l'Image, dedicado a vender pôsters (outro ítem digno de post), fotografias, cartazes e, claro, cartões postais. Em tempos pré-internet, google, YouTube e etc. era tudo o que a gente podia sonhar em termos de acervo de imagens. Desde Liz Taylor e James Dean no backstage das filmagens de Asssim Caminha a Humanidade (e Marilyn Monroe fazendo musculação com halteres) até os mais incríveis e sensuais nus masculinos quando ainda nem se sonhava com a farra da pornografia gratuita que acessamos hoje. Passando pelos mais belos registros de Brigitte Bardot no auge da jeunesse et beauté... À época, fiz um pacto comigo mesmo de que sempre que fosse a um museu, exposição, livraria, teatro ou loja de souvenirs compraria, pelo menos, um cartão postal. Depois de um ano morando na capital francesa minha coleção ficou bastante interessante. Isso sem falar que em todos os bares que frequentávamos tinha cartões que eram distribuídos gratuitamente em pequenas estantes onde a gente se servia à vontade. Some-se a isso todas as viagens que fiz a outros países, de onde sempre trazia mais postais, e dá para se ter uma ideia da riqueza desse meu pequeno (nem tanto) acervo particular de imagens. Fora tudo o que citei aqui, a gente ainda tinha o hábito de mandar e receber cartões postais pelo correio. No verso eles tinham um espaço (mais ou menos a metade) reservado ao endereço do destinatário e outro para uma pequena mensagem. Algo que pudesse ser lido por todos pois, evidentemente, eles eram enviados sem envelope. O que tornava o custo da postagem menor do que o de uma carta, por exemplo. Mas isso é assunto para outro post. Minha coleção está lindamente acondicionada em uma bela caixa-gaveta da Louis Vuitton que ganhei de presente do meu amigo Edson Cordeiro. Quando eu me for, será fácil para quem se encarregar das minhas coisas jogar essa caixa no lixo com todo o tesouro imagético que guarda. Ou presentear alguém com ela. Mas, enquanto eu viver, ela ficará comigo. Nas fotos, uma pequena amostra dos meus preciosos guardados: BB mostra as pernas que abalaram Paris, James Dean em momento dramático e o fundo do mar segundo Pierre et Gilles.