sábado, 29 de outubro de 2022

NATUREZA MORTA

No último domingo, como sempre faço, fui à feira e comprei várias frutas. As que já estavam maduras foram sendo comidas ao longo da semana. Até que restaram somente algumas peras, que ainda precisavam de mais alguns dias para ficarem no ponto. Olhando para essas peras depositadas na fruteira sobre a mesa, sua perfeição de formas, texturas, cores e o perfume suave que exalavam me fizeram lembrar da minha infância... No pátio da minha casa tinha um pé de pera. A gente não apenas comia as peras colhidas na hora, fresquinhas: Também subíamos na árvore para brincar e, além de tudo, comê-las. E mais: Não havia somente esse pé de pera mas, também, laranjeiras, bergamoteiras, uma ameixeira, além de pés de caqui, limão e abacate. Fiquei pensando - enquanto admirava as peras calmamente instaladas na fruteira - nas crianças de hoje em dia, crescidas em prédios de apartamentos, sem ao menos conhecer um pé do que quer que seja. Imagine subir em árvores para brincar! Havia também, no quintal de casa, um pé de vime. Esse pertencia à minha tia Branca, que morava no terreno ao lado. Mas a árvore ficava rente à cerca e os galhos cresceram para o nosso lado também. Nessa, subíamos pela cerca mesmo, até onde ela alcançava, e depois escalávamos os galhos cada um em direção ao seu "lugar" na árvore. Como era muito alta, minha mãe vivia nos pedindo para ter cuidado para não cair: Não subam muito alto! Gritava ela de dentro de casa e nós, ávidos por aventuras, aí sim é que subíamos mais... A ameixeira era uma árvorezinha pequena, na verdade era um pé de nêsperas, mas as chamávamos de ameixas amarelas. Nesse, subíamos para comer mesmo. E minha mãe dizia que só via os carocinhos caindo lá de cima... Uma das laranjeiras era de laranja do céu. Essas eram as nossas preferidas, por serem muito doces, sem aquele azedinho típico das frutas cítricas... Não era para ser um post saudosista. Comecei pretendendo fazer uma espécie de estudo comparativo entre as crianças de antigamente e as de hoje em dia; as diferenças entre a vida ao ar livre, no interior, e a vida entre paredes da cidade grande, com crianças mergulhadas no metaverso, interagindo através de avatares em um inóspito ciberespaço; o crescimento descontrolado da construção civil que "ergue e destrói coisas belas", para citar Caetano. Mas não teve jeito. Foi só lembrar da quantidade inacreditável de árvores que havia só no terreno da minha casa para me lançar no mundo da memória... Acho que as peras já estão no ponto. Vou descascar uma delas e viajar ainda mais.Só que no mundo real... Para ser lido ao som de Um Gosto de Sol, de Milton e Lô Borges.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

CAIO ENTRE NÓS

Semana passada participei de um sarau on-line para o lançamento do site Caio Entre Nós, dedicado à memória do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, falecido em 1996. Muito já falei aqui no blog da minha admiração e amizade por ele. Comecei como fã, desde a mais tenra idade, quando li Triângulo das Águas e fiquei completamente encantado. Um escritor que falava a minha língua! E não é - obviamente - à língua portuguesa que me refiro. Digamos que era um escritor que me representava, me definia, me incluía. Anos mais tarde, em 1991, quando eu estava morando em Paris, tive o privilégio de conhecê-lo e me tornar seu amigo. Foi Luis Artur Nunes quem fez a nossa aproximação e até hoje sou imensamente grato a ele por isso. Pois é mais uma vez através do Luis Artur que me aproximo de Caio. Ele está me dirigindo em Caio em Revista, um solo que farei com textos que ele escrevia para revistas nos anos oitenta. Desde 2017 venho trabalhando na pesquisa e adaptação dessas crônicas, um trabalho de formiguinha que me fez percorrer casas de amigos colecionadores em busca das tais revistas de onde extraí os textos. Entre os amigos que me receberam em suas casas para revirar suas coleções estão Cida Moreira e Luiz Normanda. Outros me enviaram textos por e-mail ou WhatsApp, como Odilon Henriques, Marcos Breda e Samuel Oliveira. Tem sido um enorme prazer voltar a ensaiar teatro. Depois de dois anos de isolamento, após os quais só voltei ao teatro no ano passado como diretor em O L Perdido (peça em que dirigi Grace Gianoukas e Agnes Zuliani), retomar o trabalho de ator em um projeto que me é tão caro tem sido grandemente inspirador. Aprendo sempre tanto com Luis Artur e com a palavra de Caio. E o melhor de tudo para nós, que o conhecíamos intimamente, é trazer ao conhecimento do público essa faceta menos conhecida do escritor: O Caio solar, leve e bem humorado revelado pelas revistas. Diferente daquele mais denso e dramático das obras literárias. O processo de trabalho em si tem me realizado muito como artista. Como é bom transformar palavras impressas em falas, gestos, ações e intenções. Ainda mais sob a condução delicada, sensível e irretocável de Luis Artur. Reler Caio sempre me reconecta com a vida, suas vicissitudes e idiossincrasias. É sempre transformador. E transmiti-lo on-line para todo o mundo em um sarau virtual é uma experiência que ele mesmo, se ainda estivesse conosco, acharia no mínimo interessantíssima. Pois minha participação no sarau foi justamente com uma das crônicas que compõem o nosso espetáculo: Torturas de Natal. O projeto Caio na Memória Viva tem organização de Rodi Neres, Cristiane Cubas e Ivana Dalle. Quem quiser visitar o site - ainda em construção - é só acessar www.caiofentrenos.com.br e viajar pela memória de Caio Fernando Abreu... Para terminar citando o próprio, “a única coisa que posso fazer é escrever - essa é a certeza que te envio, se conseguir passar esta carta para além dos muros. Escuta bem, vou repetir no teu ouvido, muitas vezes: a única coisa que posso fazer é escrever, a única coisa que posso fazer é escrever”… Na foto, Caio e seu irmão em um Natal em Santiago do Boqueirão.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

DIÁRIO DE OUTUBRO

Olá, leitores. Desculpem a minha ausência. Não ando inspirado para escrever. O mês de outubro insiste em arrastar primavera adentro um inverno que não quer ir embora. São Paulo tem estado cinza e gelada como se ainda estivéssemos na estação mais fria do ano… Outubro chegou acirrando divergências políticas e eu só querendo fazer a Iza: Viajar e dizer tchau pro tbt… Outubro também chegou levando irmãos de amigos queridos. No mesmo dia nos deixaram Jorge, irmão da minha amiga e eterna partner Marione Reckziegel, e Helinho Teixeira, irmão dos meus amados amigos soledadenses Paulo, Celeste e Carminha. A vida e sua total impermanência... A cinema e a teatro não tenho ido, embora eu tenha amado o último espetáculo a que assisti: Brenda Lee e o Palácio das Princesas, da dupla Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia, com quem tive o prazer de trabalhar em É Vinte, As Folias do Século, minha única incursão no teatro musical até hoje. Mas, nunca se sabe. É preciso manter acesa a chama da esperança. Desistindo é que não acontece mais nada mesmo… Minhas leituras seguem. Por indicação do amigo e professor Beto Ruas estou lendo O Romance Luminoso, do escritor uruguaio Mario Levrero. O romance em si ainda não comecei, mas o diário que o antecede. O curioso é que o livro tem quase setecentas páginas e pouco mais de cem são dedicadas ao romance propriamente dito. A maior parte da obra é um diário que o escritor desenvolve enquanto não consegue escrever o romance pelo qual está sendo pago por uma bolsa de estudos. Mais ou menos o que estou fazendo agora, enquanto a inspiração para um novo post não vem. A diferença é que não estou sendo pago. Muito interessante acompanhar esse diário íntimo, no qual vamos fazendo parte da rotina do escritor, sua luta contra a insônia, a falta de inspiração, o vício em jogos e pornografia na internet. Mais curioso ainda é o fato do diário ter sido escrito quando a internet ainda engatinhava e era discada, usando a linha telefônica. Alguém se lembra desse passado recente e já distante? Sigo ensaiando, com a direção de Luis Artur Nunes, os textos de Caio Fernando Abreu que - um dia - irão compor meu solo chamado Caio em Revista. No próximo dia 20 teremos a pré-estreia de um desses textos no sarau on-line de lançamento do site em homenagem à memória do escritor gaúcho. Dou notícias por aqui e pelas redes sociais... No mais, bem, no mais mais nada. Paro por aqui. Bom mês de outubro a todos! Nas fotos, o escritor Mario Levrero e a capa de seu Romance Luminoso.