A convite do meu amigo Caetano Pimentel, que é diretor cênico residente do Teatro São Pedro, fui assistir à ópera O Anão, de Alexander Von Zemlinsky, com direção musical de André dos Santos e direção cênica de William Pereira. Um belo espetáculo. Uma direção de William é sempre a garantia de delicadeza em cena. E, além de extremamente prazeroso de se assistir, O Anão leva a uma interessante reflexão. Não é para menos, uma vez que o libreto foi inspirado em um conto de Oscar Wilde: O Aniversário da Infanta. Eu sempre fui fã de Wilde, desde a mais tenra idade, quando me caiu nas mãos O Retrato de Dorian Gray e, mais tarde, na escola de teatro, quando descobri sua intrigante dramaturgia. Dono de um olhar crítico sobre a sociedade que retrata, Wilde tem o típico humor ferino, por vezes negro, dos ingleses. Com O Anão não é diferente. A infanta recebe o anão como presente de aniversário e se diverte muito com ele. Sem saber de sua condição feia e disforme, o protagonista pensa agradar a todos que o cercam, quando, na verdade, apenas os faz rir com a sua diferença. Até que um espelho cruel lhe revela o inexorável... Soa atual? Não à toa, em tempos de imagens distorcidas por filtros em redes sociais onde todos são lindos & felizes... Fico pensando em Oscar Wilde nos dias de hoje. Seria massacrado. Como de fato o foi em sua época, por ousar praticar o "amor que não ousa dizer seu nome", para citar o próprio. Ele poderia viver plenamente sua sexualidade fora do armário mas, certamente, não sobreviveria ao politicamente correto. Nem às patrulhas ideológicas virtuais que a todos denunciam. Cultuador que era da beleza e dos prazeres, o dândi vitoriano sucumbiria sob a pecha de racista, preconceituoso, elitista e xenófobo. Para dizer o mínimo... De fato é muito cruel. Como cruel é a humanidade. E é justamente dela que nos fala Wilde. Ao ver que seu anão está morrendo, a infanta lamenta: Tão novo o meu brinquedo e já quebrou! Soa atual também? Então. Eu disse que levava à reflexão...
Na foto, a Infanta de Espanha lamenta a morte de seu "brinquedo".
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
terça-feira, 23 de agosto de 2016
PAUVRE FRIDA
Ando sentindo muita pena de Frida Kahlo. E não é pelas dores lancinantes que a artista mexicana sofreu ao longo da sua vida pós-acidente. Mas pela banalização eminente de sua figura. Explico: Frida tornou-se um ícone pop. Para o bem e para o mal. Para o bem porque quanto mais pop algo ou alguém se torna, mais alcance terá junto ao público médio, popular, pop enfim. E para o mal porque sua imagem se tornou uma estampa, algo que é infinitamente reproduzido até o degaste total. Andando pela Rua Augusta, por exemplo, a gente percebe que nove em cada dez vitrines de lojas "descoladas" exibem o rosto de Frida estampado em algum objeto de uso pessoal ou de decoração. Tem Frida em camisetas, almofadas, canecas, tecidos, porta-copos, quadrinhos, bolsas, cadernos, agendas e abajures. Frida virou tema de decoração. Nada que já não tenha sido feito com Marilyn, James Dean ou Che Guevara. Ou com o Seu Madruga. Só que no caso de Frida, não é apenas o seu rosto que se banaliza, mas a sua obra, posto que é basicamente composta por auto-retratos e são eles, os portraits, que são reproduzidos à la mort... Pra que transformar Frida Kahlo em Romero Britto? Sempre me incomodei com essa ideia da reprodução das coisas. Se uma coisa é bonita, bacana, original, interessante, se alguém teve uma ideia genial, de sucesso, pra que vou perder tempo e quebrar a cabeça para ter a minha própria? Basta copiar o que já deu certo... Sei que exagero, mas uma coisa leva à outra, leva à outra, leva etc. Eu sempre fui muito apaixonado por Frida Kahlo, sua obra e sua história pessoal. Li sua biografia, seu diário e tudo o que saía sobre ela muito antes de a terem transformado nessa xerox. Ante mesmo de Madonna sonhar vivê-la no cinema. E Salma Hayek tê-lo realizado. Mas, enfim, ninguém é dono de nada. Muito menos eu. Agora já estou pensando em Warhol e suas Ten Lizes, obra que reproduz dez vezes o rosto de Elizabeth Taylor e que tive a oportunidade de ver no Beaubourg alguns anos atrás... Paro por aqui. Senão, daqui a pouco, vou ficar como a Marta Suplicy no debate de ontem após a resposta do Haddad: Sem entender nada!
Na foto, a Coluna Partida de Frida.
Na foto, a Coluna Partida de Frida.
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
SEREIA'S DRINKS
Dizem que a esperança é a última que morre. Tenho minhas dúvidas. Ninguém me tira da cabeça que o Sereia's Drinks ganha. Morre depois. Pelo menos, depois do amanhecer. Nas noites escaldantes do verão ou nas madrugadas do mais rigoroso inverno ele está lá, na Rua do Lavapés, com a porta aberta e o luminoso aceso. E sempre tem alguém entrando pra ver qual é que é. Morro de curiosidade. Circulo muito pelo Glicério, Cambuci e arredores, por isso passo com frequência em frente à porta cujo indefectível luminoso é um convite. Um convite a quê, exatamente, não sei. Mas como imagino! À luxúria, à lascívia, a toda sorte de perversidades, ao álcool, às drogas, a garotas de programa, a shows de sexo explícito... Desfilam em minha mente fantasiosa & pervertida cenas e mais cenas, que vão de Fellini à Boca do Lixo. De Almodóvar a Alexandre Frota. Fico fantasiando se, ao adentrar a pequena portinha da Rua do Lavapés, o cliente seria conduzido por um longo e estreito corredor que o levaria a uma ante-sala redonda e cheia de portas com letreiros sugestivos. Como no teatro mágico de Hesse. Se seria vendado ou despido. Se, conduzido por sacerdotizas profanas, seria encaminhado ao altar-mor do prazer ou à sala do trono do Rei ou Rainha da Noite. Se beberia absinto, champanhe ou cachaça. Se fumaria ópio, charuto ou maconha. Se inalaria rapé ou pó. Se faria sexo grupal ou solitário. Se usaria lingerie ou farda. Se um imenso globo de espelhos giraria refletindo luzes coloridas pelo salão. Se uma velha jukebox tocaria Roberto Carlos... E se, ao amanhecer, ele seria estrategicamente defenestrado por uma saída secreta de modo a não ser visto por nenhum dos matinais frequentadores da região. E se voltaria para a sua vidinha pacata com o ritmo da música ainda na cabeça e o perfume da aventura na memória olfativa da alma... Delírios de um senhor ligeiramente alcoolizado. Sonhar não custa nada. Se alguém tiver coragem de um dia me acompanhar, quem sabe eu não me anime?
terça-feira, 16 de agosto de 2016
APROVEITEM, CRIANÇAS!
De volta à Pauliceia depois de dez meses no Rio de Janeiro. Feliz como um chafariz, vou revendo, recomeçando, refazendo aos poucos tudo o que deixei temporariamente para trás. Maravilhas da natureza à parte, sou São Paulo de coração e para mim não tem no Brasil lugar melhor para viver. E por falar em maravilhas, uma das maiores delas nos deixou nessa manhã fria de inverno. Elke, a oitava maravilha do mundo. Dois meses atrás, eu andava de carro pela Avenida Atlântica, no Rio, e nosso carro parou no sinal lado a lado com um táxi que levava a maravilha em si: Elke. Abrimos o vidro, chamamos, acenamos, gritamos que a amávamos, e ela, sempre sorridente, acenou de volta e respondeu do alto de sua sabedoria: Aproveitem, crianças! E é isso o que pretendo dizer com o post de hoje: Aproveitem, crianças. Toda uma geração de pessoas maravilhosas como Elke está partindo, está nos deixando. Sem dramatizar, sem achar que uma onda de caretice irá tomar conta de tudo ou que iremos voltar à idade média, vamos aproveitar não apenas o legado dessas pessoas maravilhosas mas também o que nos resta para viver e, quem sabe, deixar também um legado maravilhoso para os que estão por vir. Muitos estão partindo, mas também muitos estão chegando. É a lei da vida. Por isso vamos aproveitar. Cada novo entardecer, cada novo amanhecer, cada beijo, cada abraço, cada sorriso, cada lembrança, cada saudade, cada nova amizade que começa, cada novo frisson, cada novo prazer, cada nova emoção e cada nova repetição de todas essas coisas. Estar vivo é muito bom e passa depressa. Aproveitem, crianças!
Na foto, Elke no clássico Xica da Silva, de Cacá Diegues, um dos meus filmes cult.
Na foto, Elke no clássico Xica da Silva, de Cacá Diegues, um dos meus filmes cult.
Assinar:
Postagens (Atom)