Recentemente um amigo teve que deixar o apartamento onde viveu por quase dez anos. O proprietário manifestou o desejo de vender o imóvel e, naturalmente, deu a preferência para o seu inquilino tão fiel. Mas o fato é que esse meu amigo não tinha bala na agulha para se tornar o novo proprietário e a solução foi deixar o seu cafofo tão amado. Rapidamente conseguiu encontrar um apartamento até melhor do que aquele onde viveu por tanto tempo, mas quem diz que ele ficou satisfeito! Não é o conforto do novo lar, suas paredes brancas e cheias de tomadas, não é o elevador que o outro não tinha, não é a varanda ampla que comporta uma mesa e várias plantas, não é nada disso que ele queria. Queria apenas e tão somente ficar morando no lugar onde adorava morar... Essa mudança de residência trouxe consigo a mudança de diversos hábitos: Os locais que ele frequentava e que ficavam nas imediações, por exemplo. Teria agora de pegar conduções para ir até eles ou, pior ainda, passar a frequentar outros locais. Quando a gente decide fazer mudanças de hábitos ou mesmo mudanças de vida, isso é uma coisa ótima. Abre espaço para o novo, o imprevisto, o inusitado. Mas quando isso tem que ser feito à nossa revelia é realmente aborrecedor, para dizer o mínimo. De modo que esse meu amigo ainda nem descobriu as prováveis melhoras que essa mudança involuntária pode ter trazido à sua pacata existência. Por enquanto ele nem está interessado nisso. Tanto que a primeira coisa que fez, assim que se instalou confortavelmente na nova moradia, foi fechar a porta à chave e pegar um vôo para um país bem distante para descansar por duas semanas. Diga-se de passagem, o seu país de origem. Ele mora no exterior há mais de vinte anos... Já eu, de minha parte, às vezes tenho vontade de mudar é de planeta. E, quando sou tomado por esse sentimento de inadequação, felizmente recorro à literatura, passaporte mágico para as mais loucas e inimagináveis viagens. Nada como abrir portais, transcender, trespassar a realidade inócua do dia a dia e se embrenhar em universos paralelos cheios de mistérios a desvendar. Abrir a porta do Teatro Mágico cujo acesso só é permitido aos raros, aos loucos. Devorar a primeira metade das histórias e depois começar a poupá-las lendo-as lentamente para que a separação inevitável demore mais a chegar... Nesse exato momento estou fazendo algo que não fazia e que fui obrigado a fazer: Escrever em um computador. Sempre gostei de escrever, desde criança. E sempre o fiz à máquina. Tinha verdadeira paixão pela máquina de escrever do meu pai e, mais tarde, pela minha própria, uma Olivetti Lettera 35 alaranjada. Quando não o fazia à mão mesmo, nos cadernos de bolso que sempre carregava comigo. Quando chegaram os computadores, a internet, a era digital em si, ainda resisti um certo tempo. Mas não estava pegando nem bem para mim. E, como detesto ficar para trás e adoro uma mudança, ainda que por vezes involuntária, aderi em seguida. Hoje não vivo sem meu ipad, meu notebook e meu celular. Sem sinal de internet, então, nem se fala. Sou capaz de deixar de ir para um lugar incrível se souber que lá não tem internet... Enfim, vou me adaptando como posso entre as cidades e as estepes. Nem tanto o homem, nem tanto o lobo. Meu amigo também, estou certo, logo irá se adaptar à vida nova que virá com o novo lar. O importante é que estejamos vivos, conectados e cheios de curiosidade...
Na foto, o escritor alemão naturalizado suíço Hermann Hesse, cuja leitura muito me inspira.
segunda-feira, 23 de maio de 2016
terça-feira, 10 de maio de 2016
LE ROUQUET
Lendo o novo livro de Patti Smith, Linha M, vejo citado pela autora o nome de um café em Paris: Le Rouquet. A princípio, o nome não me diz nada. Mas desperta, obviamente, minha curiosidade como tudo o que se relaciona com a capital francesa. Uma rápida consulta ao Google me revela uma surpresa agradabilíssima: Frequento há anos esse café e nem sequer sabia seu nome. Ele fica no Boulevard Saint-Germain, bem lá para baixo, depois de todo aquele agito turístico em torno do Flore e do Deux Magots. Ele sempre me atraiu pela discrição e pelo agradável terraço sobre o qual se distribuem mesas na larga calçada margeada por plátanos. E o melhor: Tem lugar para sentar, ao contrário dos anteriormente citados, disputadíssimos apesar de caros. Nunca comentei com ninguém que ia lá porque nem ao menos sabia o nome. Mas todas as vezes que vou para a Rive Gauche é onde me sento para comer um croque monsieur e tomar o primeiro cálice de vinho do dia, depois de descer o boulevard em direção à casa de Serge Gainsbourg para ver os grafittis da fachada. Tomei essa descoberta como uma espécie de sinal, de bom augúrio. Me envaideceu, também, compartilhar um lugar no mundo com uma artista que admiro. E fui imediatamente invadido por uma série de conjecturas: Será que eu já teria me sentado ao lado de Patti Smith sem ao menos ter me dado conta de que se tratava da autora de Só Garotos? Teria eu me sentado à mesma mesa ocupada por ela minutos antes e sentido o calor de seu corpo sobre a cadeira? Tudo é possível no mundo das conjecturas. E eu certamente não reconheceria Patti Smith, pois imagino que ela se mova pelo mundo da maneira mais natural possível nem parecendo ser a artista que é. Me dou conta de que o glamour pode se refugiar em lugares onde a maioria das pessoas sequer suspeitaria, ávidas que estão de verem e serem vistas e de consumir pagando altos preços pelas coisas mais banais. Essa constatação só reforça a ideia de que possuo, de alguma forma, uma Paris só minha. E antes que alguma patrulha me ataque já adianto: Não há nenhum resquício de exclusão social nessa minha constatação. Pelo contrário, adoro a ideia de que todos possam, pelo menos uma vez na vida, viajar até a Cidade Luz. Quando digo uma Paris só minha quero dizer uma Paris que traço a partir dos meus gostos e afinidades, das minhas descobertas ocasionais de andarilho e das minhas identificações com personalidades relacionadas a ela. E isso inclui as mais diversas camadas sociais. Como diria meu personagem Emiliano Salvatori, "do high society ao underground". Mal posso esperar pelo dia em que estarei de volta a Paris. Acho que uma das primeiras coisas que vou fazer vai ser me sentar a uma mesa desse café e tomar um porre em homenagem a Patti Smith. Como podem ver, tudo pode ser desculpa para um bebedor inveterado... Ah! Fica a dica: Linha M, de Patti Smith.
Nas fotos, o terraço à sombra dos plátanos e Patti na capa de Linha M.
Nas fotos, o terraço à sombra dos plátanos e Patti na capa de Linha M.
domingo, 8 de maio de 2016
TRISTE
Tenho andado muito triste. Não vou entrar em detalhes quanto ao motivo da minha tristeza. É totalmente pessoal. Não vem ao caso. O que importa aqui é me desculpar com os leitores pelo fato dessa tristeza estar me impedindo de escrever. Quando eu digo me impedindo de escrever quero dizer me impedindo de escrever aqui, no blog. Porque fora daqui, do blog, eu tenho escrito bastante, estou até pensando em lançar um livro. A tristeza é inspiradora. Mas quem me conhece sabe que não sou muito chegado a ela. Então espero que ela passe para que eu possa voltar a ser solar, alegre & colorido. Quero falar da beleza. Não necessariamente solar, alegre e colorida. A beleza pode ser nublada, triste e em preto e branco. Nova Iorque em preto e branco ao som de Gershwin, na Manhattan de Woody Allen, por exemplo. Ou nas cores de Pedro Almodóvar. Triste é saber que ninguém pode viver de ilusão, quer verso mais belo cantado por Elis Regina no antológico álbum Elis & Tom? Maio é um lindo mês. Das mães. Das noivas. Tenho vários amigos que fazem aniversário em maio. Minha irmã e minha sobrinha também fazem. Outono no Brasil, primavera em Paris. Quero que maio me inspire e me ilumine. Tire a tristeza do caminho para eu passar com minha joie de vivre. Vamos ver. Tentar. Vamos viver. Estive rapidamente em São Paulo para fazer uns exames que meu urologista pediu e aproveitei para assistir ao espetáculo Os Realistas, que aqui no Rio estava sempre lotado. É lindo, é belo, é triste. Quatro excelentes atores e um texto muito bom. Infelizmente falava de coisas que me entristecem. Assisti em um mau momento. Mas recomendo. Que pena que as coisas que ando escrevendo sejam longas demais para postar aqui no blog. Mas o Deus da Literatura há de me ajudar! Santa Clarice ou São Caio F hão de fazer com que eu consiga publicá-las. Até lá, vamos nos falando por aqui. Feliz mês de maio. Feliz vida!
Na foto, os excelentes Fernando Eiras e Débora Bloch em cena de Os Realistas.
Na foto, os excelentes Fernando Eiras e Débora Bloch em cena de Os Realistas.
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