Não é ao filme de Lars von Trier que me refiro, mas à melancolia em si, propriamente dita. Uma espécie de irmã da tristeza. Prima-irmã da depressão. Essa, por sua vez, mais química, física, médica. Diagnosticada. Me agarro à primeira como uma alternativa à prima pois ela, a melancolia, flerta com a poesia. E, dessa forma, me concede a tão falada licença poética. Que, no caso, seria uma forma de permissão para habitar o lirismo, permanecer num quase estado de devaneio, contemplativo e solitário. Não desconectado do real, mas como se pairasse acima dele. Ou na sua via paralela. O estado de melancolia não é ermo como a alguns pode parecer. É bastante habitado. Por música, poesia, cinema, literatura. Arte, numa palavra. Sim, ela inspira os artistas. Vinícius já cantou que todo o grande amor só é bem grande se for triste e o poeta só é grande se sofrer. Portanto, tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor! Quando se está em estado de melancolia frases edificantes e discursos otimistas soam tão ridículos quanto livros de auto-ajuda. Coisas do tipo siga em frente, não desista nunca do seu sonho e etc. provocam no máximo um risinho de canto de boca. Chega-se a bloquear amigos que postam esse tipo de mensagens nas redes sociais... E o mais difícil: Sair da cama pela manhã. É mesmo necessário? Não posso continuar dormindo até meio-dia? Não há nada que eu possa fazer para mudar as coisas e essa cama está tão quentinha... Melancolia não tem cor, é toda trabalhada no preto e branco. Sim, normalmente a melancolia está relacionada ao frio. À chuva. Ao céu plúmbeo coberto de nuvens carregadas. À falta de horizontes. De perspectivas. De esperança. De sonhos. De ilusão. É quando a auto-estima anda tão baixa que a gente pisa nela ao se deslocar. E não há nada que se possa fazer. A não ser esperar que ela passe. Tomando drinques, bien sûr.
Na foto juventude, uísque & melancolia aos dezoito anos em Soledade.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
NOVELA DE RÁDIO
Semana passada assisti à pré-estreia do excelente Caros Ouvintes, espetáculo escrito e dirigido por Otávio Martins, no qual minha amiga Agnes Zuliani dá um show de interpretação. O elenco é bastante afinado, todos estão muito bem em cena. Mas Agnes e Eduardo Semerjian cumprem a terefa com dose extra de competência, compondo seus personagens com tal riqueza de detalhes que lhes conferem, mais do que brilho, humanidade. Desde então fiquei com esse tema na cabeça: O rádio. A era do rádio. E, claro, as novelas de rádio. Fiquei tentando lembrar do filme de Woody Allen, no qual Denise Dummond interpretava Carmen Miranda. Lembrei também da excelente biografia da Pequena Notável escrita por Ruy Castro. A memória, quando acionada, traz à tona coisas nas quais nunca mais havíamos pensado, é impressionante. Por exemplo, o espetáculo Certo Dia Numa Estação de Rádio, a que assisti em Porto Alegre nos anos oitenta, com Dilmar Messias e a saudosa Claudia Meneghetti. E o espetáculo que dirigi também na capital gaúcha, chamado Beija-me a Bouca, Amor! Nele os atores Zé Adão Barbosa e Pilly Calvin interpretavam uma novela de rádio ao vivo no palco... Minha infância foi bastante marcada pelo rádio. Já contei aqui no blog que não dormia sem ouvir o Clube dos Namorados, da Rádio Farroupilha, no meu rádio portátil da Luluzinha... Mas o que mais me veio à lembrança nesses últimos dias foi uma novela de rádio. Eu fui criança nos anos setenta e, por incrível que pareça, na pequena Soledade onde eu vivia, no interior do Rio Grande do Sul, ainda cheguei a acompanhar uma novela de rádio com minha mãe. Naquele ano, acho que 1971, as minhas aulas eram à tarde e todas as manhãs, um pouco antes do almoço, por volta das onze e meia, sintonizávamos a Radio Cristal de Soledade para acompanhar nossa novela: O Egípcio. Que, se não me engano, era de autoria de Ivani Ribeiro. Enquanto minha mãe preparava o almoço eu roía as unhas com o ouvido colado no rádio acompanhando as aventuras da mocinha Mineia e seu galã Radamés, sempre tentando se livrar das maldades do vilão Marduk. Lembro do medo que sentia do terrível labirinto do Minotauro, onde o vilão prendia suas vítimas. Nunca esqueci que no dia do último capítulo, um sábado, eu tinha aula das dez da manhã até o meio dia e minha mãe me deixou faltar à aula para não perder o desfecho da trama! Dá para entender porque me transformei num compulsivo noveleiro... Mas então é isso: Não percam Caros Ouvintes, em cartaz no Grande Auditório do MASP até dezembro. É uma bela homenagem àquele tempo glorioso. Na foto, Agnes Zuliani na pele da enfezada Dona Ermelinda Penteado.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
ALAMEDAS
As ruas do bairro onde moro em São Paulo, embora não sejam plantadas de álamos, recebem o nome de alamedas. Meu apartamento fica na Alameda Franca que, por uma questão de cedilha, não é França, lugar onde adoraria viver. Franca é uma cidade do interior do estado, assim como o são Lorena, Itu, Campinas e outras tantas alamedas do Jardim Paulista. Lembro que quando ainda não morava em São Paulo e vinha aqui passear, essas alamedas costumavam me impressionar. Eu via vasos de flores ao longo das calçadas, pequenas boutiques e bistros que me encantavam. Tinha um quê de europeu que eu já intuía que iria gostar. E pensava: Quero, um dia, morar aqui... Por uma grande coincidência, um dos lugares que mais me atraía, o Ritz, fica na mesma Alameda Franca, onde moro há dezoito anos. E que continuo frequentando com o mesmo entusiasmo de há quase trinta anos, quando o conheci. Quando eu ainda frequentava a noite, quase tudo de mais legal rolava por aqui. Na Alameda Itu ficava o Massivo. Na Bela Cintra, a Rave. Na própria Franca resiste, até hoje, o impávido Gourmet. Mas a Rua da Consolação reunia todo o fervo, de alto a baixo, da Alameda Santos até a Oscar Freire. Tinha o Pitomba, o Allegro, o The Cube, a Espanhola, o Ultralounge nos dois lados da rua e o saudoso Bar Supremo, que tinha no subsolo o Supremo Musical, onde assisti a shows memoráveis. As drag queens, no auge do hype, desciam a Consolação no capô dos carros. Inesquecível a Alma Smith com seus bordões: "Quem for gay que me olhe!" Ou então: "Quantos?"... Sem falar na minha amiga Léia Bastos, também conhecida como Alexandre, que vinha me visitar montada e o porteiro anunciava: É o Seu Léia! Até hoje perambulo por essas alamedas todas. Às vezes feliz, às vezes triste. Outras só perambulando, mesmo. Quando virem um senhor grisalho, baixinho, flanando no quadrilátero entre a Estados Unidos, a Paulista, a Rebouças e a Nove de Julho, podem chamar, serei eu. E sentaremos à mesa de um café para conversar. Tomando drinques, bien sûr!
Na foto, a fachada do Ritz, um clássico na Alameda Franca desde 1981.
Na foto, a fachada do Ritz, um clássico na Alameda Franca desde 1981.
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
DESENCAIXADOS
Não tem aqueles dias em que está tudo igual, tudo certo, tudo na mesma, mas que nada se encaixa? Pois é. Nesses dias eu percebo que o que não se encaixa sou eu. Eu é que estou desencaixado. Um grande sentimento de inadequação parece me separar do resto da humanidade. Do país. Da cidade. Como pode? Até ontem estava tudo bem. Nada de significativo aconteceu. Pois talvez seja esse exatamente o problema. A ausência de eventos significativos. Vejo as pessoas todas à minha volta mobilizadas, engajadas, lutando por seus ideais, defendendo seus pontos de vista, sustentando suas opiniões e brigando por suas certezas. E como as pessoas tem certezas, é impressionante! Mesmo as que dizem não ter. A morte do ator Robin Williams me deixou meditabundo. Um pouco mais do que normalmente já sou. Ele, com certeza (olha ela aí), era um desencaixado. Quanto mais penso sobre isso, mais me dou conta de que essa inedaquação é interna. Às vezes não há nenhum motivo exterior para que ela se manifeste. O dia está lindo, o sol brilha, o céu está azul, você está em um trabalho maravilhoso, que te realiza profissionalmente e, ainda por cima, dá dinheiro, você tem alguém que te ama e que você ama também e de repente, do nada, ela surge. A i-na-de-qua-ção. Que merda. Conversando com meu amigo Gê Comini, aquele que já citei aqui no blog, com quem troco ideias sobre amenidades como a arte e o sentido da vida, conversando com ele sobre isso chegamos à conclusão de que é uma questão de química. Algum fator interno altera a química do organismo e faz com que a gente se sinta um extraterrestre. Eu nunca fiz terapia, nunca consultei um psiquiatra, mas sinto que é mais ou menos por aí. Ontem, by the way, o dia foi cinza, chuvoso e frio. Começou logo pela manhã com a notícia da morte do candidato à presidência Eduardo Campos, aos quarenta e nove anos, em um acidente aéreo. E encerrou com a morte do historiador Nicolau Sevcenko. Hoje o dia continua cinza, chuvoso e frio. Aí também não há química que se equilibre...
Na foto, Eu, Você, Nós Dois, obra de Gê Comini, também autor do título do post.
Na foto, Eu, Você, Nós Dois, obra de Gê Comini, também autor do título do post.
domingo, 10 de agosto de 2014
SENTIMENTO ILHADO
Retomando antigos discos de vinil, de há muito guardados no armário, escuto coisas que vem totalmente ao encontro do que sinto, que creio, que vivo. Arranjos de cordas que calam fundo no peito, torcem, dóem, friccionam. Quando eu não te vejo eu perco o rumo, canta La Ro Ro. Quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar - geme Fagner - ele volta a incomodar. Estava lá, guardado no fundo do armário do peito, da memória do coração. Volta com tudo, feito furacão. Morto e amordaçado. Gal previne: É preciso estar atento e forte. Palavras, calas, nada quis. Estou tão infeliz. Recorro a tudo o que posso, do aço dos meus olhos ao fel das minhas palavras. Ne me quittes pas, implora Maysa em bom francês. Sirvo mais vinho enquanto Cazuza é feliz em Ipanema e enche a cara no Leblon. Eu ando tão down... Na porta, lentas luzes de neon. Aliterações contidas na canção. Figuras de linguagem. Quero ficar no teu corpo feito tatuagem. Elis não grava mais. Dommage... Há interatividade em ouvir LPs. Não se pode ficar jogado no sofá esperando que o aparelho faça tudo. É preciso levantar para virar o disco, trocá-lo, escolher outro álbum para ouvir na sequência. Percebo agora que a vida sem riscos e chiados é bastante sem graça... E que só uma palavra me devora: Aquela que meu coração não diz.
Nas fotos, a velha Billie na nova vitrola e a capa de A Cena Muda, de Bethânia.
Nas fotos, a velha Billie na nova vitrola e a capa de A Cena Muda, de Bethânia.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
A VÍRGULA E A CRASE
Tenho muita pena da vírgula e da crase. Quase ninguém tem a menor noção de quando usá-las nem de para quê elas servem. Por outro lado, elas parecem ser muito amadas: São usadas aos montes, sobretudo onde jamais deveriam estar. Avisos de condomínios são bastante ilustrativos do que estou querendo dizer. Como o que está colado essa semana no elevador do meu prédio: "A taxa condominial, encontra-se na portaria, para ser paga. Atenciosamente, à administração". Se a taxa está na portaria para ser paga, por que a vírgula a separá-la da portaria? E se ela está lá para ser paga, poque outra vírgula separando-a do pagamento? E o que dizer da administração, que refere-se a si própria como "à administração"? Tenho uma relação quase intuitiva com sinais ortográficos e de pontuação. E, claro, dicas inesquecíveis que trago na manga. Como essa, do professor Edson de Oliveira, dos meus tempos do Colégio Mauá, em Porto Alegre: "Antes de machão, crase não". No entanto, o que vejo de "à domicílio" por aí não está no gibi... Quando estava na Terça Insana, a Grace me mandava os releases que escrevia para que eu os corrigisse. E eu sempre brincava dizendo que tinha de passá-los por uma peneira de vírgulas, pois vinham pesados pelo excesso delas... Eu devo ser uma pessoa muito chata mesmo para me importar tanto com isso. Mas, se me importo, o que fazer? Na foto, Le Point Virgule, o pequeno teatro do Marais, em Paris, totalmente dedicado ao humor.
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