domingo, 31 de março de 2013
NOVA IDADE MÉDIA
O iluminado Cazuza sabiamente cantou lá nos oitenta: Na moda da nova idade média, a mídia da novidade média. Entre incrédulo e estarrecido, nessa era de retrocessos, Malafaias e Felicianos, me chega a declaração da cantora Joelma, pessoa altamente qualificada a proferir opinião sobre o que quer que seja, comparando gays a dependentes de drogas e dizendo acreditar na recuperação de ambos. O que essa infeliz diz ou deixa de dizer não tem a menor relevância, uma vez que Joelma não deveria abrir a boca nem para cantar. E quanto mais ela remenda o soneto, pior fica. O que me dói é saber que ela, assim como grande parte da população desse país no qual sempre insisti em acreditar, pensa assim. Ou melhor, pensa que pensa. Pois não passam de irracionais ovelhas guiadas por pastores mais irracionais ainda. Que se creem capazes de julgar e decidir sobre o que é certo, o que é de Deus e o que não é. As igrejas tomando cada vez mais o poder e decidindo sobre questões do estado e, pior, do indivíduo. Idade média. Trevas. Discriminação no lugar de igualdade. Mesmos deveres para todos. Direitos, só para alguns: Os eleitos. Por que Deus, ninguém sabe. Provavelmente o Deus que tem mais representantes no congresso... Vontade incontrolável de um exílio voluntário.
domingo, 17 de março de 2013
ORNITORRINCO
Ontem à noite assisti, pela segunda vez, ao pocket show Ornitorrinco Canta Brecht e Weill, na pequena e encantadora Casa de Francisca, aqui nos Jardins. Meu amigo Odilon Henriques, que mora em Salvador, está de férias em São Paulo e temos retomado o antigo hábito de ir ao teatro juntos, o que fazíamos com certa frequência quando ele morava por aqui. Eu ainda não havia comentado aqui no blog sobre esse espetáculo, um pequeno tesouro, uma pérola de bom gosto e talentos ilimitados reunidos em bela homenagem à dupla Brecht/Weill: Cida Moreira, Cacá Rosset e Antonio Carlos Brunet. O trio apresenta, como diz o próprio Cacá, algumas das mais belas páginas do teatro musical ocidental. Na sexta-feira foi a vez de assistirmos à comédia Divórcio! De Franz Keppler, com os excelentes José Rubens Chachá e Suzy Rego em combinação explosiva de graça e a mais apurada química sur la scène. Chachá, aliás, um dos integrantes do Ornitorrinco dos áureos tempos de montagens inesquecíveis como o Ubu Rei, de Alfred Jarry. Dois espetáculos completamente diferentes, mas igualmente bem sucedidos: O primeiro, uma jóia de refinado bom gosto, praticamente para iniciados, e o segundo, um divertissement da melhor qualidade para o grande público, que lota o Teatro Raul Cortez. Que bom saber que há plateias para todos! Me dou conta, enquanto escrevo, de que já estamos na segunda quinzena de março e esse é apenas o meu segundo post do mês... Fico triste, mas, ao mesmo tempo, feliz. Estou escrevendo pouco por absoluta falta de tempo e puro cansaço: Os ensaios da peça Vilcabamba, que irei estrear no dia cinco de abril com Alexandra Golik, estão me consumindo corpo e mente! Essa estréia inaugurará um novo teatro na cidade de São Paulo, o Viradalata Espaço Capital, no bairro do Sumaré. Vale a pena conhecer. Como dá para perceber, o meu momento é de puro teatro... E viva o Ornitorrinco!
Na foto, Dunga, Cida e Cacá pelas lentes de Lenise Pinheiro.
sexta-feira, 8 de março de 2013
MEDO
O dia ensolarado de calor insuportável se fez noite em plena tarde. Mais precisamente, às três horas. O vento soprou forte, relâmpagos faiscaram, raios riscaram o céu e trovões fizeram a cidade tremer. Eu, sozinho em casa, me vi temeroso e impotente diante da fúria dos elementos. Repetindo o gesto de minha mãe, a cada explosão eu levava as mãos às têmporas e exclamava: Santa Bárbara, São Gerônimo! Quisera ter galhos bentos para queimar em formato de cruz enquanto fazia minhas preces pedindo aos céus que se acalmassem. Lembrei das missas do Domingo de Ramos, que, aliás, se aproxima. Quando íamos à igreja e de lá retornávamos munidos dos santos galhos que nos protegeriam das tempestades. Lembrei de Bethânia, em Pássaro da Manhã: Iansã comanda os ventos e a força dos elementos. Senhora das nuvens de chumbo, senhora do mundo, tempo bom, tempo ruim... Lembrei da peça de Shakespeare, A Tempestade, a que assisti em Paris nos anos noventa, com direção de Peter Brook... Eu havia pensado em um título bem mais poético e popular para esse post, algo como Águas de Março. De repente me dou conta de que não há poesia no meu momento e sim o mais puro e verdadeiro cagaço. Chego à conclusão que mesmo beirando os cinqüenta eu continuo sendo o menino cagão que sempre fui. Minha mãe contava que quando eu era pequeno – leia-se criança, pois pequeno ainda sou – e íamos passar férias na fazenda, eu reclamava, choroso, morrendo de medo de ir brincar no quintal: Mãe, aquele galo tá me olhando! Pobre criança amedrontada que insiste em se esconder dentro de mim. Além de destelhar casas e alagar ruas, as tempestades do verão tem mais essa conseqüência: Despertar o pequeno Robertinho adormecido... Que o mês de março seja leve!
Na foto, o clássico de Shakespeare, na visão de Peter Brook.
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