quarta-feira, 20 de março de 2024
SONATA DE OUTONO
Nasci em um dia de outono. Hoje começo, portanto, a viver o meu sexagésimo primeiro outono... É algo a ser celebrado. O outono é uma estação amena, de temperaturas agradáveis. (Pelo menos vinha sendo assim até aqui. Agora, com as mudanças climáticas, o aquecimento global, tudo pode ser esperado). Ainda assim, uma estação do ano que não nos expõe a rigores climáticos como os do inverno e do verão. De uns anos para cá tenho me identificado mais com essa época do ano. Acho que estou a viver o outono da minha vida. O sol aquece sem queimar. A luz outonal dos dias é clara e incide de maneira a ressaltar as cores e texturas das coisas. As folhas vão amarelando até avermelhar e se desprender das árvores voando num balé aéreo em direção ao chão. Les feuilles mortes, de Jacques Prévert... Quando fui morar em Paris, no começo dos anos noventa, cheguei na cidade em pleno outono. Os plátanos davam um show de beleza nas ruas. Bem, tudo era beleza e deslumbramento para mim naquela época. Mas a primeira imagem da Paris outonal ficou impressa na minha memória. Como um cartão postal de dias felizes... Espero que o outono que hoje inicia nos aqueça o coração. Nos traga esperança e força para ir em frente. Nos anime a semear sempre, para ter melhores colheitas futuras. Se trata de renovação, de deixar caírem as folhas mortas para novos brotos desabrocharem. Teremos também a Páscoa que, para além da chocolataria que nos engorda, simboliza o renascimento do criador. Enquanto escrevo essas linhas minha cabeça é invadida por uma profusão de memórias de outonos passados, que não caberiam aqui nesse post. E de canções, como a de Roberto Carlos, que diz: "as folhas vão caindo e eu choro baixinho; mas tenho a esperança que ela vai voltar; as folhas quando caem, nascem outras no lugar"... Bom outono a todos!
quarta-feira, 6 de março de 2024
PERFECT DAYS
Ao me sentar diante do computador para escrever esse post devo confessar que ainda não sei muito bem o que vou dizer. É sobre o filme Dias Perfeitos, de Win Wenders, a que assisti ontem à tarde. Uma tarde quente de verão, abafada mesmo, com um vento que anunciava a chuva que estava por vir. O filme começou e foi, aos poucos, me transportando para uma outra dimensão. Acho que é isso, mas poderia ser também outra realidade, outro tempo, outras possibilidades de se viver. Quem espera encontrar ação ou aventura nos filmes, por favor, não vá porque não tem. Nem romance ou suspense. Nem mesmo uma história com começo, meio e fim. Mas do que se trata então? Trata-se de um poema filmado. Poesia feita de imagens e de sons. Acompanhamos o dia a dia do personagem Hirayama, funcionário da companhia de banheiros públicos de Tóquio. Sua rotina. Sua maneira de observar o mundo em volta. Seus rituais, seus hábitos, seus gostos particulares. Sua maneira de se relacionar com os outros. O filme tem um ritmo próprio, diferente do que estamos acostumados. E a vida, no filme, também tem seu próprio ritmo. Para começar, quase tudo no universo do personagem é analógico: Os livros que lê, as fitas K7 em que escuta suas músicas; a máquina fotográfica com a qual registra sua visão da cidade; o som da vassoura da vizinha varrendo a calçada, que o desperta todas as manhãs... Hirayama não vive preso ao celular, oh, libertação suprema! Imagino que a maioria das pessoas não tenha tempo para dedicar duas horas das suas atribuladas rotinas a esse filme. Ocupadas que estão com coisas importantíssimas como expor as próprias vidas nas redes sociais, por exemplo. Mas é uma pena que assim seja. Perdem muito. O filme abre uma janela no cotidiano. Nos arranca da nossa vaidade, do nosso egoísmo autocentrado. Nos dá a percepção da nossa própria futilidade... Termina com Hirayama dirigindo seu furgão da companhia de banheiros públicos ao som de Felling Good, na voz de Nina Simone. Emocionado, ele ri e chora. Em silêncio, como fica durante quase todo o tempo do filme. A trilha sonora, diga-se, é maravilhosa... Quando a sessão acabou, um temporal varria a cidade e a enxurrada cobria as calçadas da Rua Augusta, que tinha se transformado em uma grande cachoeira. Fiquei parado na porta do cinema esperando a chuva acalmar. Os carros parados em fila tentavam subir em direção à Avenida Paulista. Muitos desistiam, retornavam e desciam a Augusta de volta. O que tornava o caos ainda maior. Me veio à mente a música de Éric Satie. Alguns textos de Caio Fernando Abreu. São Paulo sendo São Paulo. Eu sendo eu. A vida sendo ela própria...
Na foto, o ator Kõji Yakusho, que vive Hirayama, no cartaz de Dias Perfeitos.
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