terça-feira, 18 de julho de 2023

EMOÇÃO VERDADEIRA

Nesses tempos em que tudo é artificial, até mesmo a inteligência, resolvi falar de uma emoção verdadeira... Nos dias que passei em Porto Alegre aproveitei para visitar a Cema. Iracema. Fomos eu, minha irmã Raquél e nossos amigos Guto e Carminha. Durante muitos anos da minha adolescência e juventude a Cema foi nossa empregada. Não sei se é correto falar assim nos dias atuais. E, também, ela nunca foi apenas isso. Era muito mais. Cuidava da casa e de nós. E mandava na gente também! Rsrsrs... Com o tempo, além de trabalhar para nós, se tornou faxineira do prédio. Não só do nosso, de vários outros da rua também. E de outras ruas. Guto e Carminha, os amigos que foram conosco visitá-la, também são moradores do prédio da rua Garibaldi, onde morei grande parte da minha vida. Meus anos dourados, digamos assim... A Cema não parava. Começava muito cedo e ia até o fim do dia. Já entrava em casa dando ordens: Beto (ela me chama assim), se tu não arrumar o teu quarto eu não vou limpar! E se a Raquél não guardar aquele monte de sapato eu vou jogar tudo pela janela... Descendente de imigrantes alemães, fala com sotaque forte e com aquele "ere caregado". Cema está lutando contra o câncer. Fez uma cirurgia de risco para retirada do tumor e está no processo de recuperação, fisioterapia e repouso. Nossa visita despertou muitas emoções. Choramos, nos abraçamos, ela disse várias vezes que me amava. Quero aproveitar esse post para dizer: Cema, eu te amo muito! Não sei se consigo descrever aqui o que sempre houve a mais entre nós do que a simples relação de tabalho. Sempre fomos amigos. Cúmplices. Lembro do quanto sofremos quando nosso querido amigo Marcelo Pezzi, para quem ela também trabalhava, nos deixou. Lembro com carinho dela indo, toda feliz com a chave do carro na mão, me cumprimentar após a apresentação da minha peça Lisístrata no teatro São Pedro. Muito antes de se ouvir falar em meritocracia, Cema já era a self-made womam que criou e formou a filha, construiu a casa própria, comprou carro e investiu em terras no interior, de onde era originária, apenas com o suor do seu trabalho. Muito antes de se cogitar falar em inclusão, ela já me aceitava e gostava de mim do jeito que eu sempre fui. E agora, quando eu achava que ela não tinha mais como me surpreender, ela me conta que um sobrinho "virou mulher e mudou o nome pra Yasmin". Assim, cheia de afeto e naturalidade... Tomamos café, comemos pãezinhos de queijo, bolo e cuca. Me mostrou os ovos das galinhas que ela tem no quintal. Guto, que é fotógrafo, colheu limões-bergamota do pé que ela tem na frente da casa, para fazer uma foto. Cema sempre foi uma mulher forte, uma verdadeira fortaleza. Vê-la debilitada pela doença, vacilando entre desistir e ir em frente, me fez repensar muitas coisas. Não sei de onde tirei ânimo para encorajá-la a continuar com o tratamento, com a promessa de que, na minha próxima ida a Porto Alegre, eu irei até a casa dela novamente para ela cozinhar para mim e tomarmos juntos uma cerveja. Essa semana ela começa as sessões de radioterapia. Vou rezar e torcer muito pela sua recuperação. E contar os dias para o nosso reencontro... Nas fotos, Cema e eu no dia da visita, os limões-bergamota fotografados por Guto e Cema et moi nos velhos tempos do Edifício Navarra.

sábado, 1 de julho de 2023

TERRA SEM MAPA

Que bom que estou de volta a Porto Alegre depois de quase quatro anos. Que bom, também, que o teatro está de volta. E tem mais: O bom teatro está de volta. Aquele que, sem maiores pirotecnias, se faz verdadeiro bem diante dos nossos olhos. Com seus recursos primeiros e essenciais: Atores e plateia; reunidos para essa celebração que permite que a magia aconteça. E faz com que todos, público, atores, tecnicos e funcionários embarquem em uma viagem poética rumo a uma terra sem fronteiras, aquela para a qual sempre voltamos: A da memória. (Um dos universos que mais me encantam nessa vida). Estou me referindo ao espetáculo Terra Sem Mapa, a que tive o prazer de assistir no novo e interessante espaço Zona Cultural, aqui na capital dos pampas. Sempre teremos Paris, para citar um cult movie. O trem que chega é o mesmo trem da partida, para citar Milton. Mas a vida em si, com tudo o que trazemos conosco ou deixamos para trás, está misteriosa e encantadoramente contida na memória. Vrum e Luba, personagens criados e muito bem alimentados pelos brilhantes atores Sergio Lulkin e Mirna Spritzer, são os condutores dessa nau que arrebata a plateia e a transporta por seu labirinto de emoções, experiências e histórias transbordantes de lirismo; o maestro que rege a orquestra imaginária, a menina que chora com a chuva, o urso com a pata ferida, o caldo de galinha para a sopa, os pais e mães que deixam e são deixados para trás, os lugares de onde saímos e os outros, para onde iremos e de onde tornaremos a voltar. Os personagens/contadores de histórias amarram lembranças, improvisações e leituras a danças, brincadeiras e canções como crianças que deixam correr solta a imaginação. Em um palco vazio, preenchido por iluminação e trilha sonora inspiradas, eles desfilam entre as brumas das lembranças nos levando gentilmente consigo. Daqueles espetáculos que ficam guardados para sempre na - vejam só - memória da gente. Uma pequena joia; um presente de Sergio e Mirna para a cidade que os viu desabrochar como os talentos que são. Talentos esses que vem sendo burilados através dos anos e que, como os bons vinhos, só melhoram. Imperdível! Na foto, Sergio e Mirna nas peles de Vrum e Luba.