Meu amigo Tude Bastos tem o saudável hábito de tomar banho de sol como veio ao mundo no terraço da casa dele, que fica em um condomínio fechado na zona norte de São Paulo. Além disso, ele também faz caminhadas nas redondezas. Vestido, evidentemente. Pois não é que dia desses, quando voltava da caminhada diária, foi abordado por um vizinho que se disse incomodado pela sua nudez? Meu amigo argumentou que dentro do seu espaço privado cada um pode se vestir – ou, no caso, se despir – como bem entender. E quem não quiser ver que não fique olhando. O vizinho ofendido disse ser delegado de polícia. Tude encerrou a conversa sugerindo então que ele fosse consultar o código penal. Como os ânimos andam exaltados e as pessoas procurando briga por qualquer motivo, meu amigo achou por bem fazer um cercadinho de tecido ao redor do seu solário e tudo ficou resolvido. Fiquei pensando sobre o ocorrido e me dei conta do quanto a nudez ainda é um tabu aqui neste fim de mundo em pleno século vinte e um. Lembro que quando morei na França, há trinta anos, via pessoas tomando sol nuas em praias e parques públicos em vários países da Europa. Na piscina em que eu nadava em Paris, eram mulheres que limpavam o vestiário masculino, circulando tranquilas entre homens sem roupa. Eu acredito na teoria de que a história, a sociedade, a humanidade, evoluem em espiral. Por isso, de tempos em tempos, temos a sensação de estar andando para trás, como é o caso do Brasil de hoje. É quando ondas conservadoras tentam a todo custo cercear liberdades individuais, reprimir expressões artísticas e culturais libertárias e proibir tudo o que não esteja de acordo com determinados padrões ou dogmas pré-estabelecidos. O bom é que quando completa a volta, a espiral torna a andar para frente e a gente conquista mais espaços e liberdades. E o que dá esperança de viver tempos melhores é que o movimento da espiral é ascendente... Assim, logo, logo, meu amigo poderá retirar o cercadinho do solário e bronzear seu corpo nu sem incomodar voyeurs involuntários...
Na foto eu, como vim ao mundo, pela lente do fotógrafo Leekyung Kim.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
terça-feira, 19 de maio de 2020
SINAL FECHADO
A pandemia levou meu sorriso. E, junto com ele, levou meu assunto. Quem dera a responsável por isso tivesse sido a Rita, como na canção de Chico Buarque. Não quero mais falar, conversar, participar de lives, assistir a lives e nem tenho tido vontade de escrever. Levei o isolamento social ao pé da letra. Tenho evitado até mesmo me olhar no espelho do banheiro. Fiquei mais bicho do mato do que já era...
Há dias em que o parágrafo acima resume meu estado de espírito durante esse tempo de confinamento. Felizmente, outro tipo de ideias e sentimentos também me invadem, alternadamente, quando, por exemplo, admiro entardeceres da sacada do apartamento enquanto bebo vinho e ouço música. E assim vou levando...
Quando saio à rua rapidamente para fazer compras e vejo os lugares todos fechados, vazios, as pessoas usando máscaras, tenho a sensação de estar vivendo em uma daquelas peças do teatro do absurdo, como O Rinoceronte, de Ionesco...
No começo, duvidei. Mas quando vi a porta de ferro do Ritz abaixada, a ficha caiu. Aquilo não fechava desde 1981! Não tinha mais como negar, o confinamento já era uma realidade. A Rua Augusta vazia à luz do meio-dia. Uma fila serpenteando em frente ao supermercado fazia o Santa Luzia parecer um aeroporto. Nem uma única flor ornamentava os jardins e suas alamedas desertas...
Me vem à memória os versos da canção Sinal Fechado, de Paulinho da Viola. Um diálogo travado rapidamente por duas pessoas que, em seus carros, esperam o sinal abrir para seguirem seus rumos:
-Olá, como vai?
-Eu vou indo e você, tudo bem?
-Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro. E você?
-Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo. Quem sabe?
Meu esforço nesse momento está concentrado em não perder este meio de comunicação e de contato: Meu blog. Me recuso a deixá-lo morrer. Mesmo que apenas uma vez por mês eu hei de dar as caras por aqui. Ainda que tenha pouco a dizer...
-Me perdoe a pressa. É a alma dos nossos negócios.
-Qual! Não tem de quê. Eu também só ando a cem...
Na foto, entardecer na sacada do apartamento.
Há dias em que o parágrafo acima resume meu estado de espírito durante esse tempo de confinamento. Felizmente, outro tipo de ideias e sentimentos também me invadem, alternadamente, quando, por exemplo, admiro entardeceres da sacada do apartamento enquanto bebo vinho e ouço música. E assim vou levando...
Quando saio à rua rapidamente para fazer compras e vejo os lugares todos fechados, vazios, as pessoas usando máscaras, tenho a sensação de estar vivendo em uma daquelas peças do teatro do absurdo, como O Rinoceronte, de Ionesco...
No começo, duvidei. Mas quando vi a porta de ferro do Ritz abaixada, a ficha caiu. Aquilo não fechava desde 1981! Não tinha mais como negar, o confinamento já era uma realidade. A Rua Augusta vazia à luz do meio-dia. Uma fila serpenteando em frente ao supermercado fazia o Santa Luzia parecer um aeroporto. Nem uma única flor ornamentava os jardins e suas alamedas desertas...
Me vem à memória os versos da canção Sinal Fechado, de Paulinho da Viola. Um diálogo travado rapidamente por duas pessoas que, em seus carros, esperam o sinal abrir para seguirem seus rumos:
-Olá, como vai?
-Eu vou indo e você, tudo bem?
-Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro. E você?
-Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo. Quem sabe?
Meu esforço nesse momento está concentrado em não perder este meio de comunicação e de contato: Meu blog. Me recuso a deixá-lo morrer. Mesmo que apenas uma vez por mês eu hei de dar as caras por aqui. Ainda que tenha pouco a dizer...
-Me perdoe a pressa. É a alma dos nossos negócios.
-Qual! Não tem de quê. Eu também só ando a cem...
Na foto, entardecer na sacada do apartamento.
domingo, 3 de maio de 2020
PASSAGEM DAS HORAS
O título do post se refere a um poema de Fernando Pessoa que adoro e que levei à cena nos idos anos oitenta, na faculdade de teatro em Porto Alegre; com Angel Palomero, Naira Scavone e o saudoso Fernando Severino no elenco. Mas não é sobre os versos de Pessoa que pretendo discorrer aqui, e sim sobre do que se trata o nosso momento. Precisamente, a passagem do tempo. Das horas, dias, semanas, meses. E nesse passar, o mês de maio chegou. Um dos meus preferidos do ano. Principalmente quando estou em Paris. Saudades, né minha filha? Rsrsrs. Três coisas tem me mantido bastante atento e, ao mesmo tempo, distraído: A série mexicana La Casa de las Flores, no Netflix, a reprise da novela Brega & Chique, no Canal Viva, e a leitura do romance A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert. A seguir, pílulas sobre cada um dos três.
ALMODÓVAR MEXICANO – Estou apaixonado pela série La Casa de las Flores. Uma espécie de novela mexicana, bem ao estilo de Maria do Bairro, com toques de Almodóvar. Quando digo “toques” de Almodóvar estou sendo super discreto. O correto seria dizer “desbragadamente inspirada” em. Primeiro, pelo tom debochado e cômico com que o diretor aborda os temas dramáticos. Depois, por uma série de fatores que preenchem os episódios: Bichas, travestis, transexuais, ninfomaníacos, órfãos, michês, streapers, traficantes, viciados, adúlteros e, evidentemente, cenários com cores saturadas. Sem falar na exaltação à cafonice e ao kitsch, que adoro... As atrizes, como sempre acontece nesse tipo de produção, dão shows de interpretação. E nos brindam com lágrimas, ataques de nervos, rompantes de luxúria & frenesi. A trilha sonora, evidentemente, um deleite à parte. Com direito a uma cena de dublagem do clássico brega da dupla Pimpinela, Siga Seu Rumo, por aqui imortalizada na performance de Marisa Orth junto à banda Vexame...
VALE A PENA REVER – O Canal Viva reprisa às 14:30 a novela Brega & Chique, que causou frisson nos anos oitenta pela performance de Marília Pera como a milionária finíssima que, da noite para o dia, se vê sem marido e sem tostão. Por outro lado, a personagem de Glória Menezes, pobre e cafona à la mort, acorda milionária por uma herança deixada pelo falecido marido que elas, evidentemente, não sabem tratar-se do mesmo. E, diga-se de passagem, não morreu. Um veaudeville de encher as tardes. Serve também para constatar o quanto as novelas brasileiras ainda eram artesanais pouquíssimo tempo atrás. Interpretações teatrais, cenários fake, captação de noturnas que mostrava quase nada, e, claro, erros de texto que passavam batido. Isso cá entre nós ainda acontece. (Emoji de carinha chorando de rir). Mas o talento dos atores, ah! Saudades, né minha filha?
ROMANTISMO A GO GO – Minha história com o romance A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, é curiosa. Já tentei diversas vezes ler essa obra e sempre acabava desistindo. Primeiro foi quando morava em Paris e, para praticar o idioma, resolvi ler no original. Desisti nos primeiros capítulos com uma dúvida: Seria o motivo a língua francesa ou eu não tinha gostado mesmo? Acho que o idioma francês não deve ter sido a razão, pois na mesma ocasião, li obras ainda mais complexas como Calígula, de Camus, e A Idade da Razão, de Sartre, no original e não tive nenhum problema de compreensão. De volta ao Brasil, mais duas tentativas que deram em nada. Até que finalmente, ano passado, vi uma edição bonita e acessível na Livraria Cultura e resolvi adquirir. Pois não é que agora, com a pandemia e o consequente isolamento social, retomei a leitura e estou adorando? O livro é a minha cara. Boemia, amizades entre homens que beiram a homoafetividade e paixões platônicas. Quer mais? A história se passa em Paris. Com riqueza de detalhes, nomes de ruas, de bares, restaurantes e cafés. Que, claro, assim que lá voltar irei conferir. Só me resta dizer o quê? Saudades, né minha filha...
Desejo que o mês de maio seja mais leve para todos, apesar de tudo! Vamos em frente na certeza de que dias melhores virão.
Nas fotos, a família baphônica de A Casa das Flores, Marília Pera como Rafaela Alvaray e a capa da edição do romance de Flaubert.
ALMODÓVAR MEXICANO – Estou apaixonado pela série La Casa de las Flores. Uma espécie de novela mexicana, bem ao estilo de Maria do Bairro, com toques de Almodóvar. Quando digo “toques” de Almodóvar estou sendo super discreto. O correto seria dizer “desbragadamente inspirada” em. Primeiro, pelo tom debochado e cômico com que o diretor aborda os temas dramáticos. Depois, por uma série de fatores que preenchem os episódios: Bichas, travestis, transexuais, ninfomaníacos, órfãos, michês, streapers, traficantes, viciados, adúlteros e, evidentemente, cenários com cores saturadas. Sem falar na exaltação à cafonice e ao kitsch, que adoro... As atrizes, como sempre acontece nesse tipo de produção, dão shows de interpretação. E nos brindam com lágrimas, ataques de nervos, rompantes de luxúria & frenesi. A trilha sonora, evidentemente, um deleite à parte. Com direito a uma cena de dublagem do clássico brega da dupla Pimpinela, Siga Seu Rumo, por aqui imortalizada na performance de Marisa Orth junto à banda Vexame...
VALE A PENA REVER – O Canal Viva reprisa às 14:30 a novela Brega & Chique, que causou frisson nos anos oitenta pela performance de Marília Pera como a milionária finíssima que, da noite para o dia, se vê sem marido e sem tostão. Por outro lado, a personagem de Glória Menezes, pobre e cafona à la mort, acorda milionária por uma herança deixada pelo falecido marido que elas, evidentemente, não sabem tratar-se do mesmo. E, diga-se de passagem, não morreu. Um veaudeville de encher as tardes. Serve também para constatar o quanto as novelas brasileiras ainda eram artesanais pouquíssimo tempo atrás. Interpretações teatrais, cenários fake, captação de noturnas que mostrava quase nada, e, claro, erros de texto que passavam batido. Isso cá entre nós ainda acontece. (Emoji de carinha chorando de rir). Mas o talento dos atores, ah! Saudades, né minha filha?
ROMANTISMO A GO GO – Minha história com o romance A Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, é curiosa. Já tentei diversas vezes ler essa obra e sempre acabava desistindo. Primeiro foi quando morava em Paris e, para praticar o idioma, resolvi ler no original. Desisti nos primeiros capítulos com uma dúvida: Seria o motivo a língua francesa ou eu não tinha gostado mesmo? Acho que o idioma francês não deve ter sido a razão, pois na mesma ocasião, li obras ainda mais complexas como Calígula, de Camus, e A Idade da Razão, de Sartre, no original e não tive nenhum problema de compreensão. De volta ao Brasil, mais duas tentativas que deram em nada. Até que finalmente, ano passado, vi uma edição bonita e acessível na Livraria Cultura e resolvi adquirir. Pois não é que agora, com a pandemia e o consequente isolamento social, retomei a leitura e estou adorando? O livro é a minha cara. Boemia, amizades entre homens que beiram a homoafetividade e paixões platônicas. Quer mais? A história se passa em Paris. Com riqueza de detalhes, nomes de ruas, de bares, restaurantes e cafés. Que, claro, assim que lá voltar irei conferir. Só me resta dizer o quê? Saudades, né minha filha...
Desejo que o mês de maio seja mais leve para todos, apesar de tudo! Vamos em frente na certeza de que dias melhores virão.
Nas fotos, a família baphônica de A Casa das Flores, Marília Pera como Rafaela Alvaray e a capa da edição do romance de Flaubert.
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