quinta-feira, 26 de outubro de 2017

LIVROS

Andando pela casa a cumprir tarefas domésticas com a tevê ligada, ouço o âncora de um telejornal anunciar que no próximo domingo, dia 29 de outubro, comemora-se o Dia do Livro. Minutos antes de escutar essa notícia eu acabara de ler um livro interessantíssimo, para dizer o mínimo. Trata-se de Neve na Manhã de São Paulo, de autoria de José Roberto Walker. A obra, um romance histórico, trata da conturbada relação de Oswald de Andrade e Daisy, a Miss Cyclone, na São Paulo do começo do século passado, nos anos que antecederam a famosa Semana de Arte Moderna. Na verdade o livro é bem mais abrangente e pinta um interessante painel da transformação da cidade em metrópole, da greve que parou a capital, do frio e da neve que a congelaram em 1918, do surto de gripe que matou milhares de paulistanos no ano seguinte e, sobretudo, da garçonière que Oswald mantinha no centro da cidade, na rua Líbero Badaró. Mais conhecida como "covil", a garçonière era o ponto de encontro da turma de jovens intelectuais liderados por Oswaldinho e da qual faziam parte Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Ferrignac e Monteiro Lobato, entre outros. Pois, terminada a leitura da obra e ouvida a notícia do Dia do Livro que se aproxima, fiquei lembrando do primeiro livro que li: O Saci, de autoria justamente de um dos integrantes da turma: Monteiro Lobato. Eu devia ter oito para nove anos de idade quando ganhei esse livro de presente do meu tio Cantídio. E desde então, eles, os livros, tem sido meus companheiros inseparáveis. Mesmo hoje, com tantas possibilidades de se ler virtualmente, prefiro - como já cantou Caetano - amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarro. Domá-los, cultivá-los em aquários, em estantes... Quando ainda vivia em Soledade, eram eles que para longe me levavam. A transpor limites e fronteiras, a quebrar regras e a questionar o estabelecido. A imaginar como seria o mundo, para além dos limites da pequena cidade do interior... Que bom que eles existem e me fazem companhia. Que bom que viajam comigo e me fazem viajar sem sair de casa. Que bom que no próximo domingo serão comemorados. Serei eternamente grato ao tio Cantídio por ter despertado em mim o gosto pela leitura e o amor pelos livros. Quem não os ama, não desfruta das suas enriquecedoras companhias, não sabe o que está perdendo...
Nas fotos, as capas do primeiro e do último livro que li.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

ESCAPADA

Para quem vive numa cidade como São Paulo, dois ou três dias em contato com a natureza - de preferência de frente pro mar - fazem toda a diferença. Abrir a janela e ver o horizonte, ao invés de prédios, é uma benção. Respirar fundo o ar puro da Mata Atlântica, sentir a maresia, ouvir os pássaros cantar. Dois ou três dias assim valem por toda uma terapia. Ou fisioterapia. Ou qualquer outra forma de auto-cuidado a que se possa recorrer para aguentar o dia a dia puxado da grande metrópole. E o melhor, pertinho de casa, no litoral norte, a duas ou três horas da capital. Em Ilhabela que, a meu ver, deveria chamar-se Ilhabelíssima... Dois ou três dias sem 3g ou wi-fi - só que não - rsrsrs. Dois ou três dias sem saber da votação da acusação do Temer, da questão da independência da Cataluña ou mesmo da Bibi e do Rubinho... Dois ou três dias de muita música boa. De belas fotografias, de entardeceres inesquecíveis e amanheceres de tirar o fôlego. De drinks durante a semana sim pois, em dias como estes, dane-se a dieta. De casas de portas abertas com famílias na sala assistindo televisão. Noites de incontáveis estrelas e boêmia lua minguante. De incandescentes vagalumes a piscar na escuridão. E uma primavera que explode em buganvílias de cores insuspeitadas. Tão intensas que faltam nomes na cartela para definir. Quando a gente vê, tudo isso já passou e estamos nos preparando para voltar para casa. Mas foi tão incrivelmente lindo, que sempre valerá a pena voltar...
Na foto, detalhe da Praia do Julião na belíssima Ilhabela.

domingo, 8 de outubro de 2017

ALAIR

Não consigo lembrar quando foi que conheci o trabalho do fotógrafo Alair Gomes. O que lembro bem é que assim que coloquei os olhos em suas fotografias de rapazes na praia de Ipanema me tornei seu fã. Lembro também que na sala da casa da minha saudosa amiga Lidoka, na mesma Ipanema, havia algumas fotos de seu marido, o mitológico surfista Petit, imortalizado por Caetano Veloso na canção Menino do Rio, que tinham sido feitas por Alair. Pois agora Alair Gomes foi transformado em peça de teatro, protagonizada pelo sempre brilhante ator Edwin Luisi. O texto, escrito por Gustavo Pinheiro a partir dos diários de Alair, dá uma boa ideia não só da abrangência da obra do artista, mas também da sua humanidade. A solidão e a insaciável busca pela beleza. As viagens e suas descobertas. Seu olhar sobre o mundo e seus habitantes. A peça é muito bem vinda, nesse momento em que se atenta contra as liberdades estéticas e de expressão. Edwin, além de talento, é puro carisma sur la scène. Agora, com barba e cabelos grisalhos, faz lembrar uma outra figura icônica das artes, o pintor Darcy Penteado. E os atores que representam os modelos do fotógrafo, com suas belas figuras, são um deleite à parte. Isso sem falar que a trilha sonora traz à tona uma outra pérola: O álbum Transa, de Caetano Veloso - olha ele aí de novo - com trechos da canção Mora na Filosofia, que muito embalou minha adolescência... No começo dos anos noventa, logo que voltava de uma temporada de um ano em Paris, tive o privilégio de trabalhar com Edwin em uma montagem de A Caravana da Ilusão, de Alcione Araujo, na qual ele era o protagonista e eu, o assistente de direção de Luís Arthur Nunes. Até hoje não sei porque ele abandonou a montagem a poucos dias da estreia. Uma pena, pois estava deslumbrante no papel do velho Bufo, líder de uma trupe de comediantes... Mas agora o negócio é o seguinte: O espetáculo vai cumprir uma temporada curta no Teatro Nair Bello, somente até o dia 5 de novembro, e é necessário, indispensável que seja assistido. Fica a dica.
Nas fotos, os atores Edwin Luisi e André Rosa em cena do espetáculo e o eterno menino do Rio - Petit - clicado por Alair.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

OUTUBRO À FLOR DA PELE

O mês de outubro chegou repleto de estreias teatrais. Logo nos dias 2, 3 e 4, fui a três delas assim, de carreirinha: O Som e a Sílaba, de Miguel Falabella, com Alessandra Maestrini e Mirna Rubim dando um show de canto e de interpretação, Tour du Monde, o novo espetáculo do Paris 6 Burlesque com coreografias do Weidy, e À Flor da Pele, novo show da cantora Zizi Possi, respectivamente. Me senti uma Tuna Duek... Mas é na estreia de Zizi que vou me deter aqui. Há muito tempo eu não via Zizi Possi cantar. Até que ontem à noite fui à estreia de seu novo show À Flor da Pele, a convite do querido José Possi Neto, que vem a ser o diretor do espetáculo, além de irmão da cantora. Não dá para chamar de show, "espetáculo" é bem mais apropriado para definir esse tour de force de Zizi. Intensa e profunda, ela mergulha nos mais escuros cantos de si própria para encontrar a essência de seu canto. Transforma a dor de uma experiência difícil em pura arte. Numa espécie de stand up comedy musical - ou seria stand up drama? - ela costura canções com textos próprios, do irmão José e do meu querido amigo Edu Ruiz, relatando a complexa vivência de uma depressão. O resultado, além de belo, é instigante. Faz pensar, acende fagulhas, desperta medos adormecidos, sacode poeiras da alma, espanta fantasmas e faz, até mesmo, rir. Refeita da dor que viveu, Zizi consegue rir de si própria e cantar ainda mais plena. Um ato de coragem, se desvendar assim, sem filtros, diante do público. Fiquei com aquela vontade de ver mais e de ouvi-la cantar antigos sucessos dos anos oitenta como Meu Amigo, Meu Herói. Mas ela vem e surpreende trazendo pérolas como Mon Cœur S'Ouvre à ta Voix, da ópera Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns, e O Que Será (À Flor da Pele), de Chico Buarque, que dá nome ao espetáculo. Aliás, nome mais apropriado impossível. É assim mesmo que Zizi se entrega para a plateia: À Flor da Pele. E que pele! Ela está linda. O tempo tem sido generoso com ela. Ainda bem. Ela merece! Imperdível...
Nas fotos, as cantrizes de O Som e a Sílaba, cena de Tour du Monde e Zizi em si.