MACK THE
KNIFE
Na minha
lista de coisas para fazer e ver antes de morrer - ou antes que o
mundo acabe, para ser mais atual – constou durante muito tempo
assistir a um espetáculo de Bob Wilson. Finalmente a minha hora
chegou: Ontem à noite tive a oportunidade de assistir, no Sesc
Pinheiros, a um espetáculo dirigido por ele. Só que, além de se
tratar de uma encenação de Bob Wilson, a peça era a Ópera dos
Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill, que amo de paixão,
e, como se tanto não bastasse, o grupo era não menos que o Berliner
Ensemble, criado pelo próprio Brecht e sua mulher, Helene Weigel, em
1949. Meu chará Robert é um gênio da encenação contemporânea e
essa sua obra me deixou no mínimo perturbado. Inquieto. Feliz.
Satisfeito. Saciado. Meu Deus, como é gratificante assistir a um bom
espetáculo de teatro! E como é difícil que tal nível de
satisfação seja atingido. Eu falo porque vou à quase tudo e sei
que não é bem assim. E olha que sou bem bonzinho... Seu Mack
Navalha, totalmente desconstruído, reinventado, desfeito e refeito,
é algo como um cabaretier, uma Marlene Dietrich, uma figura
andrógina jamais pensada além do clichê do mafioso, do bandido, e
até mesmo do malandro, na versão brasileira de Chico Buarque. Seu
intérprete, Christopher Nell, é daqueles atores que encantam desde
o momento que pisam o palco. Ano passado eu assisti, em Paris, à
versão da Comédie Française, quase cinematográfica, de tão
realista, e me encantei. Mas, depois dessa essa encenação de Bob,
não tem pra ninguém. É quadrinho, é desenho animado, é Tim
Burton. É expressionismo alemão. Suas figuras são compostas corporalmente nos mínimos
detalhes e nenhuma movimentação sobre a cena é livre ou solta:
Tudo é milimetricamente marcado. Coreografado. E as canções de
Weill... Ah! As canções de Kurt Weill. Várias delas estão no
espetáculo Cabarecht, no qual tenho a honra de dividir o palco com
Cida Moreira e que conto os dias para que volte em cartaz. Cheguei em
casa tarde, o espetáculo dura três horas, mas não consegui dormir.
E mesmo quando deitei, já de madrugada, as cenas e canções ecoavam
na minha cabeça. A atualidade do texto de Brecht chega a ser
irônica, de tão adequada à realidade que vivemos. Como dizem os
versos da canção de abertura, Die Moritat von Mackie Messer:
Tubarões tem muitos dentes e os exibem sem pudor. E Macheath tem uma
faca, mas prefere não a expor. Tubarões no ataque deixam, como
rastro, sangue atrás. Mac põe luvas que não trazem traço algum do
que ele faz... E assim seguimos, sem expor nossas torpezas. Varrendo
a sujeira pra baixo do tapete.
Na foto, o
Mack Navalha do virtuoso Christopher Nell.