quinta-feira, 27 de novembro de 2014

PARA UM AMIGO QUE PARTIU

Se estivesse vivo, hoje meu amigo Marcelo Pezzi estaria de aniversário. E nós, certamente, iríamos comemorar juntos a passagem de seus anos. Pois lá se vão vinte anos que ele partiu. Súbita e precocemente. E nem posso dizer que para mim é como se ele estivesse vivo, porque não é. Não está. Só eu sei a falta que ele me faz. Tem coisas que a gente atravessa a vida sem conseguir chegar a entender. Talvez aceite. Ou nem isso, apenas se acostume. Mas entender é muito difícil. Não raro me pego imaginando como seria se ele estivesse aqui. Quanta coisa mudou, cresceu, evoluiu desde 1994! Quantos avanços tecnológicos tivemos. Ele seria, sem dúvida alguma, o mais adicto internauta. E as viagens que faríamos juntos? Os filmes a que assistiríamos, as conversas, desabafos, comemorações. É uma saudade infinda, não existe a menor possibilidade de ser saciada, eu nunca mais terei meu amigo de volta. Quisera eu ter a certeza que muitos tem de que encontrarão seus mortos queridos em uma outra dimensão. Se for assim, ótimo, eu vou adorar. Mas aqui na Terra, nessa única vida concreta que tenho, por enquanto só me resta a enorme falta que ele me faz... A única certeza que tenho é que não receberei mais cartas dele, nem visitas ou ao menos telefonemas. Lembro bem da alegria que sentia quando morava em Paris e encontrava na caixa postal uma carta do Marcelo. Já sabia que era dele pelo envelope, enorme e todo personalizado. A carta, então, era um verdadeiro estudo de diagramação e direção de arte. Era um artista, o meu amigo. Um artista, para mim, insubstituível. Se eu pudesse pedir um presente pelo dia de hoje, seria mais uma vez abraçá-lo, beijá-lo e, então, dizer adeus. Como não me foi dado dizer. Nem sei quantos anos ele estaria fazendo hoje, me perdi na passagem dos anos de sua ausência. Mas, onde quer que ele esteja, o dia será de festa, de celebração. Para mim será um dia de saudade. Uma saudade ainda muito maior do que a que sinto nos outros dias...
Na foto, Marcelo contempla os jacarandás na janela do meu quarto em Porto Alegre.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

CASTANHA

Fiquei passado com o filme Castanha. Ou melhor, trespassado: O filme fura, espeta, cutuca com vara curta. Confesso que fui ao cinema esperando pouco mais do que me divertir com as hilariantes criações do comediante, que acompanho desde os anos oitenta, quando ele integrava a genial Cia. Tragicômica Balaio de Gatos. Tive um baque! Ao longo da projeção um nó foi se formando e apertando cada vez mais. O filme confunde, instiga e provoca no melhor sentido. Roteirizar a própria vida, transformá-la em ficção, poderia resultar em catástrofe não fosse o despudor com que Castanha o faz. Mais do que isso, a crueza. Zero glamour. Zero arrogância. Zero auto-promoção. Castanha faz sua própria biografia não-autorizada. O que poderia soar regional ou interno demais, atinge o universal por tocar nas profundezas humanas. O cotidiano que dói, que maltrata, que exclui e que faz rir, também. Mais do que o indivíduo ou o núcleo familiar, o país está retratado no filme. Feio como só ele sabe ser quando quer e com quem quer. Remete aos primeiros filmes de Almodóvar só que ainda mais pungente e sem a glamurização da comédia. A Porto Alegre do filme pode ser qualquer cidade do mundo. Assim como a boate onde ele apresenta seu show, que poderia estar localizada em qualquer periferia do planeta. O filme tira o espectador do seu mundo e o apresenta a um outro, completamente diferente, talvez completamente igual, mas inteiro, duro, seco. E o devolve cheio de indagações. Que filme é esse? É ficção? É documentário? Castanha existe? Só por isso já valeria a pena. Mas Castanha, o filme, vale por muito mais. Entre outras coisas, por Celina, a mãe de Castanha, para mim a estrela do filme. E, claro, por Davi Pretto, o brilhante diretor e roteirista. Não é cinema gaúcho. É cinema universal. João Carlos Castanha é um grande ator, sabe-se há muito. A novidade é que Castanha, o filme, é uma grande obra. E Davi Pretto, um grande cineasta. Corram, antes que saia de cartaz!

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

ALCOHOL FREE

Estou vivendo uma experiência no mínimo interessante. Por conta de um medicamento que o dermatologista me prescreveu, decidi ficar duas semanas sem beber nada de álcool. Digo decidi porque ele não me proibiu a ingestão de bebidas alcoólicas. Apenas me pediu que bebesse pouco. Beber pouco, para mim, é praticamente uma contradição, um paradoxo. O verbo, no meu entender, já traz implícito o sentido de muito ou, pelo menos, bastante. Dessa forma preferi não beber nada, assim dou uma purificada no organismo - principalmento no fígado - e, de quebra, já testo os limites do meu auto-controle. Vou confessar uma coisa: Como diria a cantora Kátia, não está sendo fácil... Mas até que tenho me saído bem. Já fui até ao Ritz sem álcool. O duro foi sair do cinema depois de assistir ao filme Saint Laurent e não beber. Mas passei essa fase com louvor. Hoje já estou no meu oitavo dia limpo. E mesmo que eu não resista a mais um fim de semana na seca e venha a cair em tentação, já estarei bem satisfeito comigo: No fim de semana já terei completado dez dias, então, pra quem bebe diariamente, já terá sido a glória. Diariamente, não. A segunda-feira eu já instituí como alcohol free day há tempos... Só não posso beber amanhã. Já pensou? Em pleno dia da consciência negra ficar com a consciência pesada? Não pode. Se aguentar bravamente até terça-feira que vem, na quarta vou comemorar em alto estilo. Lavar a égua. Comer água, como se diz no popular. Porque, cá entre nós, de cara limpa nem sempre dá pra aguentar, néam?
Na foto, Deutz, mon champagne préféré.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

TAPA NA LOUÇA

Hoje dei banho na louça inglesa que foi da minha avó. Ou no que restou dela. Fui procurar não sei o quê na parte mais alta do armário da cozinha e percebi que as peças estavam quase pretas de poeira e gordura acumuladas. Enquanto lavava cuidadosamente a porcelana, fui invadido por uma série de lembranças relacionadas a esse lindo conjunto que outrora fora um completo aparelho de chá e jantar e que hoje se resume a pouco mais de meia dúzia de peças de cada uma das funções. Minha avó, como já contei aqui no blog, tinha temperamento. E que temperamento! Casou muito cedo com meu avô, por volta dos quinze anos, que, à época, era a idade em que as moçoilas contraíam matrimônio. Ocorre que pouco tempo depois da boda vó Laida desencantou- se de meu avô e procurou os pais para dizer que queria o desquite. Meu bisavô foi firme na negativa: Filha minha não se desquita. E, se desquitar, não sai nem na janela. Argumento mais do que suficiente para fazê-la desistir do intuito. Imagine, nem na janela, ela que adorava uma rua! Com o passar dos anos meu avós encontraram o sossego da boa convivência. Mas, antes disso, muita porcelana voou pelos ares... Lembrei também de um episódio do programa Vila Sésamo, que não perdia na minha infância. Num quadro sobre a importância da cedilha, ela fugia das palavras e essas se transformavam. Nunca esqueci da louça que, com a fuga da cedilha, ficou louca... Antes de ser minha, essa louça foi de minha irmã Raquél, a quem minha avó doou diretamente, no intuito de preservar o que restara. Como não é tão afeita a velharias como eu, quando mudei para São Paulo minha irmã me presenteou com esse pequeno tesouro. Agora que sacudi a poeira e dei a volta por cima, vou fazer a Rita Lobo e colocar tudo na roda para impressionar as visitas. Uma molheira e um prato fundo restaram escurecidos, não consegui salvar. Se alguém tiver uma dica de como clarear porcelana, evidentemente que sem remover a pintura, por favor deixe um comentário. Agradecido. Acho que usarei a leiteira para servir pequenas porções de gaspacho nas xícaras... Que tal?
Na foto, minha louça toda linda de banho tomado.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

3 X YVES

Assim como aconteceu com Coco Chanel, a enxurrada de cinebiografias da vez recai sobre o estilista fancês Yves Saint Laurent. Depois do excelente documentário L'Amour Fou, de 2010, e de Yves Saint Laurent, de janeiro de 2014, chega agora aos cinemas Saint Laurent, a versão não-autorizada da vida do criador do smooking feminino e do vestido Mondrian. Não sei nada de moda nem sou crítico de cinema. O que me encanta nos três filmes é o personagem em si. Confesso que, dos três, o que mais me emocionou foi o documentário de Pierre Thoretton, L'Amour Fou. Achei também o mais completo, que mostra mais da vida louca e criativa desse gênio da alta costura, sua incessante busca pela renovação, pela estética, pelo prazer, pelo amor, fama, sucesso, drogas, amizades, bofes, obras de arte e o próprio sentido de ser quem ele era em meio ao turbilhão que provocava com suas criações e ousadia. Já em Yves Saint Laurent, de Jalil Lespert, o que me marcou foram as interpretações do jovem Pierre Niney, como o personagem título, e de Guillaume Gallienne, como o companheiro e sócio Pierre Bergé, ambos integrantes da Comédie- Française. O que, a meu ver, já seria garantia de qualidade. Mas Pierre Niney, além do enorme talento, encanta pela sensibilidade e doçura com que compõe o personagem, quase um patinho feio que ao longo da história desabrocha em fabuloso cisne. Por fim, Saint Laurent, de Bertrand Bonello, o que menos gostei dos três: É bem bacana também, mas tem trechos longos e didáticos que chegam a ficar chatos. Sem falar que mais para o final o roteiro dá uma boa surtada e fica misturando diferentes épocas da vida do estilista e, do nada, introduz um Saint Laurent já velho, interpretado por Helmut Berger, que é tão diferente do jovem Saint Laurent de Gaspard Ulliel, que cheguei a pensar que se tratasse de Pierre Bergé já viúvo. Mas o filme tem muita coisa boa, como o talento e as belezas do protagonista Gaspard Ulliel e de Louis Garrel, que interpreta Jacques de Bascher, outra grande paixão de Yves. Traz curiosidades, como a correspondência de Saint Laurent com Andy Warhol. E traz também mais ousadias, como a cena de nu frontal que revela outros dotes do talentoso ator principal... Eu sempre sou muito tocado pela vida dessas pessoas geniais, loucas e criativas. E, invariavelmente, saio do cinema doido para entrar em uma boate, cheirar cocaína, fumar, tomar pílulas e beber champagne até cair. Só que não...
Na foto, Yves em si ladeado por seus intérpretes: À esquerda, Pierre Niney e, à direita, Gaspard Ulliel.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

IGREJAZZ

Eu adoro jazz. E, como fã que sou desse estilo musical, estou sempre em busca de grupos, cantores e cantoras que o pratiquem. Não me canso de ouvir as mais diversas versões de uma mesma música feita por diferentes artistas. Minha busca não se restringe apenas a músicos e cantores, também procuro sempre encontrar novos lugares onde possa apreciar o jazz executado ao vivo. Recentemente contei aqui no blog do projeto Jazz Ao Meio Dia, da Livraria Cultura. Pois a minha mais recente descoberta foi justamente o Igrejinha, bar que adoro e do qual já falei diversas vezes aqui no blog, do meu amigo Ricardo K e de seu fofo sócio Edu Revi. Pois não é que agora tem jazz ao vivo no Igrejinha? Sim, todas as terças-feiras, a partir das 21 horas, com o excelente trio Faithfull Jazz. O projeto vem de começar, ainda não foi descoberto por muita gente, então é bom se jogar logo antes que fique lotado demais, pois o espaço é pequeno e não cabem muitas pessoas. Eu fui ontem à noite e adorei. Enquanto saboreava meu drink ao som de My Funny Valentine, fiquei lembrando de Elis, divertidíssima em Alô, Alô Marciano, de Rita Lee, quando suspira blasé: "Ai, que chic é o jazz, meu Deus!" Então corre...

terça-feira, 11 de novembro de 2014

ESFINGE

Era assim tão surpreendente porque, quando a gente menos esperava, surgia detrás das pedras com seu olhar distante, seus longos cabelos louros encaracolados soltos ao vento, suas roupas esvoaçantes, exóticas, coloridas. Era assim tão diferente porque, naquele lugar onde ninguém pintava a cara, ninguém usava perfume nem andava de salto alto, ela sempre pintava seu belo rosto de traços felinos, desfilando muito bem maquilada, perfumada e usando os mais altos sapatos de salto alto. Era assim tão misteriosa porque sempre batia pé quanto aos seus misticismos, seus ocultismos, as suas seitas. Era assim tão sonhadora porque, numa época em que todos faziam amor com quem quisessem, preferia ficar sozinha e saciar ela própria os seus desejos a ter de se relacionar intimamente com quem quer que fosse dos homens que tinha à sua volta. Era assim tão desgarrada porque não tinha lugar fixo para morar, não tinha família e não fazia questão de dar nenhuma pista do seu paradeiro a ninguém. Era assim tão independente porque pagava, ela própria, as suas contas, suas roupas exóticas, os seus perfumes raros e a comida não menos rara e cara que comia, seguidora que era de regimes e dietas muito especiais. Era assim tão corajosa porque, com a onda de assaltos e violência que assolava os lugares, andava sozinha a altas horas da noite ou da madrugada, dependendo da sua disposição para ficar nos bares observando atenta as pessoas, procurando aquela que seria a escolhida para tirá-la da solidão. Era assim tão chocante porque, a cada um dos homens que a assediavam com segundas intenções, respondia na lata que até então só havia feito amor com mulheres e isso já há longos e insuportáveis três anos. Era assim tão sem tabus nem preconceitos porque, quando uma vez conversávamos, me disse sem rodeios: Desejo é um ser andrógino, um homulher, que, este sim, me possuirá, será possuído por mim e me dará prazer. Era assim tão direta porque não tinha papas na língua e dizia tudo o que bem entendia e pensava. Era assim tão oriental porque gostava de incensos e especiarias e véus e sedas e tal. Era assim tão insana porque não tinha pé nem cabeça e ninguém a compreendia. Era assim tão sui-generis porque não havia ninguém como ela. Era assim tão solitária porque ninguém lhe interessava. Era assim tão fascinante por ser dona de um passado e de um presente tão incríveis. Era assim tão esfingética por ser tão indecifrável...
Escrevi esse conto na Ilha do Mel, em fevereiro de 1985. Na foto, Shirley Mallman, que lembra muito a moça que me inspirou.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

UPDATED PIRACAIA

Já falei inúmeras vezes aqui no blog do quanto curto e preciso ir a Piracaia de tempos em tempos para recarregar minhas energias. E quando digo Piracaia me refiro ao sensacional La Figueira, misto de retiro, pousada, templo, centro de reconexão com a natureza, escola, complexo esportivo, casa de cultura, gastronomia e o que mais você desejar no alto da montanha, com vista para um enorme vale que descortina a figueira em si e, mais ao longe e abaixo, a represa. Uma experiência sempre inesquecível e renovadora. Nesse último fim de semana tive o privilégio de lá voltar, como special guest dos proprietários, e tive uma grata surpresa: La Figueira foi totalmente revista, melhorada, ampliada, atualizada e agora, na minha modesta opinião, está perfeita. (Antes eu achava - como urbanóide que sou - que faltava o acesso à internet para a perfeição). Agora tem internet, sauna, suítes maravilhosas com vista para o vale. Inclusive os banheiros tem inacreditáveis vistas para as montanhas. Só vivendo para saber. Você pode reunir um grupo e locar o espaço para qualquer tipo de atividade relacionada à saúde, ao auto-conhecimento, à reeducação alimentar, ou, até mesmo, para fazer uma inusitada festa particular. Retiros de silêncio e jejum são frequentes por lá. É claro que eu não vou assim tão desapegado e costumo levar várias coisinhas para passar o tempo. Entre elas bons drinks, é claro. Mas a grande estrela para mim, mesmo agora com a internet, continua sendo o silêncio. Esse meu sonho de consumo, meu artigo de luxo preferido. Depois do champagne, bien sûr... Vê-se macacos, tucanos, besouros-rinocerontes e sapos. E as noites costumam ser de tirar o fôlego, tal a quantidade de estrelas. Se tiver lua cheia, então, já viu... Se quem me lê não se animar a ir até lá para conhecer, pelo menos dê uma olhada e curta a página deles no facebook, La Figueira Piracaia. O mês de novembro não poderia ter entrado de maneira melhor...
Nas fotos, Rodrigo e Weidy fazem circo enquanto eu medito de frente para o vale.